Quando
a voz titubeia, agonizante, louca,
E a
paixão quer falar e se constrange e cala,
É a
lágrima que diz o que não diz a boca....
A lágrima. Jorge de Lima
Foto: do autor Trio de ouro: ladeado pelas irmãs Lúcia e Amelinha, Edson Nery da Fonseca viveu seus últimos dias cercado por todos aqueles que o amavam verdadeiramente |
No dia 17 de novembro de
2013, numa manhã de domingo, os documentaristas Vladimir Carvalho e Umbelino
Brasil compareceram à casa de Edson Nery da Fonseca a fim de colherem
depoimentos filmados dele: Vladimir sobre o artista plástico Cícero Dias; e
Umbelino a respeito do múltiplo Josué de Castro. Acompanhei o evento de muito
perto e com a maior atenção. Na ocasião, meu velho Edson, mesmo se sentindo
cansado devido ao seu estado doentio, deu testemunhos fazendo uso de sua
brilhante, admirável e invejável memória. A partir de uma indagação que lhe
dirigi, ele fez uma revelação, para mim espantosa, envolvendo Gilberto Freyre e
Josué que, eu creio, pouquíssimos sabiam, ou, talvez, ninguém mais soubesse
além dele próprio – não vou contar para não estragar a surpresa do
documentário: é esperar para ver e ouvi-lo. Ali, naquela manhã, enquanto eu
mantinha toda aminha atenção voltada para o que dizia o meu muito acolhedor e
bom amigo, foi solidificando em mim algo que eu mais admirava na personalidade
dele depois de sua generosidade: sua postura firme para com o que eu enxergo
como uma missão: Edson Nery da Fonseca comprazia-se em ser um disseminador de
conhecimento.
Guardo inteiros em mim
momentos de aprendizados e cumplicidade que vivenciei ao lado de Edson. As idas
à sua casa na Rua de São Bento, em Olinda, eram sempre cercadas de grandes
expectativas: eu antevia conversas animadas e reveladoras; eu vislumbrava
acontecimentos inesperados; eu ansiava a sua boa proximidade compartilhada com
sua irmã Lúcia Nery, mais que atenta e disposta a lhe fazer um agrado; eu
desejava encontrá-lo bem disposto e sem padecimentos; eu arrumava o vão único
do meu coração para acomodá-lo...
Naquela casa a vida chegava
para mim por vezes de maneira muito amarga e pungente. Mais de uma vez eu
chorei copiosamente sopesando uma realidade que eu era incapaz de alterar. Os
livros de tantos aprendizados; os gatos muito queridos; as pessoas que
apareciam de vez em quando; as lembranças imorredouras; o retrato denunciador de
um grande equívoco – ele preferia dizer “grande loucura” – fixado na parede
úmida; a porta sempre aberta para que entrasse a brisa desejada; a solenidade das
missas; a hora do repouso... Num dos instantes de meu choro Edson me disse
assim: “O que se há de fazer, meu filho?”. Mas de maneira alguma eu aceitei
isso como uma resignação da parte dele. Na verdade não se tratava de ter
paciência com os sofrimentos: era uma declaração de sujeição a uma trama na
qual ele se enredou e da qual acreditava não poder mais sair.
Hoje faz exatamente um ano
que Edson Nery da Fonseca deixou a eternidade de Olinda para ir descansar
infinitamente no Recife. A falta que ele me faz é imensa, porque, além de ser
uma dessas pessoas incomuns que carregam uma inteligência e uma cultura enormes
que fascinam a todos que delas se aproximam, de ser um desses seres que causam
em nós uma impressão estupidamente forte e inesquecível, foi em seu convívio
que eu aprendi realmente a distinguir o verdadeiro do falso amor.
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