22 de junho de 2015

Edson Nery da Fonseca ou Uma lição de amor

Por Clênio Sierra de Alcântara


Quando a voz titubeia, agonizante, louca,
E a paixão quer falar e se constrange e cala,
É a lágrima que diz o que não diz a boca....

                                                             A lágrima. Jorge de Lima


Foto: do autor      Trio de ouro: ladeado pelas irmãs Lúcia e Amelinha, Edson Nery da Fonseca viveu seus últimos dias cercado por todos aqueles que o amavam verdadeiramente



No dia 17 de novembro de 2013, numa manhã de domingo, os documentaristas Vladimir Carvalho e Umbelino Brasil compareceram à casa de Edson Nery da Fonseca a fim de colherem depoimentos filmados dele: Vladimir sobre o artista plástico Cícero Dias; e Umbelino a respeito do múltiplo Josué de Castro. Acompanhei o evento de muito perto e com a maior atenção. Na ocasião, meu velho Edson, mesmo se sentindo cansado devido ao seu estado doentio, deu testemunhos fazendo uso de sua brilhante, admirável e invejável memória. A partir de uma indagação que lhe dirigi, ele fez uma revelação, para mim espantosa, envolvendo Gilberto Freyre e Josué que, eu creio, pouquíssimos sabiam, ou, talvez, ninguém mais soubesse além dele próprio – não vou contar para não estragar a surpresa do documentário: é esperar para ver e ouvi-lo. Ali, naquela manhã, enquanto eu mantinha toda aminha atenção voltada para o que dizia o meu muito acolhedor e bom amigo, foi solidificando em mim algo que eu mais admirava na personalidade dele depois de sua generosidade: sua postura firme para com o que eu enxergo como uma missão: Edson Nery da Fonseca comprazia-se em ser um disseminador de conhecimento.


Guardo inteiros em mim momentos de aprendizados e cumplicidade que vivenciei ao lado de Edson. As idas à sua casa na Rua de São Bento, em Olinda, eram sempre cercadas de grandes expectativas: eu antevia conversas animadas e reveladoras; eu vislumbrava acontecimentos inesperados; eu ansiava a sua boa proximidade compartilhada com sua irmã Lúcia Nery, mais que atenta e disposta a lhe fazer um agrado; eu desejava encontrá-lo bem disposto e sem padecimentos; eu arrumava o vão único do meu coração para acomodá-lo...


Naquela casa a vida chegava para mim por vezes de maneira muito amarga e pungente. Mais de uma vez eu chorei copiosamente sopesando uma realidade que eu era incapaz de alterar. Os livros de tantos aprendizados; os gatos muito queridos; as pessoas que apareciam de vez em quando; as lembranças imorredouras; o retrato denunciador de um grande equívoco – ele preferia dizer “grande loucura” – fixado na parede úmida; a porta sempre aberta para que entrasse a brisa desejada; a solenidade das missas; a hora do repouso... Num dos instantes de meu choro Edson me disse assim: “O que se há de fazer, meu filho?”. Mas de maneira alguma eu aceitei isso como uma resignação da parte dele. Na verdade não se tratava de ter paciência com os sofrimentos: era uma declaração de sujeição a uma trama na qual ele se enredou e da qual acreditava não poder mais sair.


Hoje faz exatamente um ano que Edson Nery da Fonseca deixou a eternidade de Olinda para ir descansar infinitamente no Recife. A falta que ele me faz é imensa, porque, além de ser uma dessas pessoas incomuns que carregam uma inteligência e uma cultura enormes que fascinam a todos que delas se aproximam, de ser um desses seres que causam em nós uma impressão estupidamente forte e inesquecível, foi em seu convívio que eu aprendi realmente a distinguir o verdadeiro do falso amor.



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