Por Sierra
Fotos: Arquivo do Autor A antiga estação ferroviária de Piranhas abriga um museu que é um dos atrativos dessa charmosa cidade alagoana, erguida às margens do Rio São Francisco |
Quem já viajou por cidades do interior de alguns estados do Nordeste, como Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe e Bahia, como foi o meu caso, certamente se deparou com antigas estações de trem, estando algumas delas preservadas e outras em vias de desaparecer do cenário e da memória urbana da cidade tamanho é o seu estado de abandono e degradação.
Na pequena e encantadora Piranhas, cidade do sertão alagoano que dista a cerca de 221 km da capital Maceió, uma vereadora chamada Marília Rodrigues teve a brilhante e digna de aplausos iniciativa de propor que a antiga estação ferroviária da cidade - a ferrovia, a bem da verdade, foi que promoveu a existência e o crescimento do lugar enquanto os trens corriam por lá - abrigasse um museu, museu esse que começou a ser montado no hoje longínquo ano de 1982.
Eu, como historiador, pesquisador e curioso viajante, tenho um grande interesse por museus; de modo que eu não perco a oportunidade de visitar essas instituições culturais quando me ponho na estrada rumo a cidades que eu quero conhecer. E assim foi que na tarde do dia 15 de dezembro de 2017, na primeira visita que fiz a Piranhas, eu fui conhecer e prestigiar o denominado Museu do Sertão, que ocupa uma parte do prédio da antiga estação ferroviária. Naquela ocasião eu fui recebido e guiado por um simpático e atencioso Anderson Pereira.
O simpático Anderson Pereira, monitor do museu |
Organizado com projeto museológico simples, eficiente e bastante didático, o Museu do Sertão de Piranhas dispõe de fotografias e de vários objetos que dizem muito do período de atuação dos cangaceiros de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, uma vez a cidade foi cenário da terrível ação de barbárie das forças policiais que, não satisfeitas em matar os cangaceiros na Grota de Angicos, cortaram as suas cabeças e as expuseram na escadaria da sede do Executivo Municipal, onde foram devidamente fotografadas para que as imagens corressem o mundo e atestassem que a malignidade não era só um privilégio daqueles homens e daquelas mulheres que tocavam o terror pelo sertão afora. E o Museu do Sertão, de certa forma, ao expor peças ligadas ao cangaço, mantém a dualidade que marca a trajetória desse movimento ocorrido no Nordeste; dualidade essa que coloca de um lado os cangaceiros como heróis de um tempo de ainda maior exploração dos pobres pelos ricos; e, de outro, os que afirmam e reafirmam que eles não passavam de bandidos e malfeitores.
Num dos ensaios que compõem o seu livro Cangaceiros e fanáticos, Rui Facó registrou o acontecimento do cangaço nestes termos:
O cangaceiro e o fanático eram os pobres do campo que saíam de uma apatia generalizada para as lutas que começavam a adquirir caráter social, lutas, portanto, que deveriam decidir, mais cedo ou mais tarde, de seu próprio destino. Não era ainda uma luta contra o domínio do latifúndio semifeudal (Rui Facó. "O despertar dos pobres do campo". In Cangaceiros e fanáticos: gênese e lutas. 9ª ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1991, p. 45).
Luiz Cristovão dos Santos que, menino, viu Lampião e parte de seus cangaceiros na cidade de Custódia (PE) e que acreditava que o temido pernambucano de Serra Talhada entrara nessa vida depois de o pai ter sido assassinado e o crime ficado impune, disse assim sobre a ação deles:
E por anos a fio os tiroteios abalaram os sertões do Nordeste. Em vários Estados Lampião se constituira (sic) o terror. Assaltava. Matava. Depredava. Ao encalço do grupo sinistro vinha a polícia para a luta na caatinga, nos serrotes e nos chapadões do sertão [...] Brigavam por prazer e por gosto, nasceram "pra subir na fumaça" como diziam, aceitando os riscos da vida sangrenta com a passividade atávica do fatalismo no cariri (Luiz Cristovão dos Santos. "Lampeão: amor e cangaço". In Caminhos dos Pajeú. Recife : Editora Nordeste, 1954, p. 64. Foi no ensaio "´Muié rendêra'", do mesmo livro [p. 19-24] que ele narrou a visita de Lampião a Custódia).
Mas não é somente parte do universo dos cangaceiros que o Museu do Sertão retrata. Lá o visitante encontra também peças que dizem de uma forte tradição religiosa e de manifestações da cultura popular, como também réplicas de embarcações e objetos e utensílios que dizem de artes e ofícios. E, como não poderia deixar de ser, o visitante encontra ali ao menos uma pequena parte da memória ferroviária da cidade, algo que, felizmente, alguém em particular ou vários indivíduos cuidaram de guardar e preservar como testemunhos importantes de um tempo em que a via férrea era um símbolo, talvez o maior símbolo de progresso que Piranhas tinha no coração do seu sítio histórico.
O Museu do Sertão de Piranhas é um lugar agradável que valoriza ainda mais o conjunto paisagístico da cidade e que merece ser visitado; e é parte de uma gama de atrativos que fazem dessa charmosa cidade alagoana, erguida às margens do Rio São Francisco, um destino inesquecível.
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