21 de junho de 2025

Muitas estantes num só lugar: os 20 anos da Estante Virtual

 Por Sierra


Foto: Arquivo do Autor
Embalagem da compra mais recente que eu fiz na Estante Virtual: o segundo tomo de uma biografia de Monteiro Lobato, escrita por Edgard Cavalheiro, que me foi enviado pelo Sebo Nova Floresta, de São Paulo


Quem, assim como eu, frequenta sebos com alguma assiduidade e presta atenção no movimento das pessoas que, assim como nós, para eles afluem, sabe perfeitamente que nem todos que os procuram são amantes dos livros e da leitura e que nem sempre elas vão até esses espaços à procura só de livros. Já vi várias vezes indivíduos em sebos à procura de obras didáticas e/ou técnicas para atender apenas a uma necessidade obrigatória e imediata; eles não estavam ali como apreciadores do ato de ler. E, como existem sebos que vendem algo mais do que livros, não são poucas as pessoas que vão até eles garimpar cd's, lp's, dvd's, fitas casssetes e VHS e outras coisas mais. 

Assim como as boas livrarias, os bons sebos costumam ser ambientes muito atrativos para todos aqueles que têm os livros como uma espécie de pessoa bastante querida. Como bem disse Cid Saboia de Carvalho, "Tirando os que apenas procuram comprar mais barato, como os estudantes apertados ou algum curioso, os sebos recebem bibliófilos apaixonados, à procura de satisfazer verdadeiras fixações pelas quais foram atingidos ao longo da vida de amadores. Caçadores de raridades e que ostentam mil modos de amar" (Cid Saboia de Carvalho. "Prefácio".In Jorge Brito. Guia dos sebos do Brasil. Brasília, s. ed., 1988, p. 9).

Quando ingressei na universidade e o meu curso me obrigou a ser um aluno muito compromissado com a minha formação, o germe, o vírus ou sei lá o quê da leitura e, por conseguinte, da vontade de saber, se alojou na minha cabeça e isso desencadeou em mim, doravante, uma busca incessante por livros, revistas e tudo o mais que fosse que pudesse me encher de algum conhecimento. E isso fez com que eu me tornasse um frequentador de livrarias e sebos tanto no Recife, que é a cidade da minha formação intelectual, como em outros lugares para onde eu viaje, porque, se tem um suvenir que eu gosto de trazer de viagens que faço, esse suvenir é um livro.

Não me recordo exatamente quando foi que eu tomei conhecimento da criação do site Estante Virtual que, neste 2025, está completando as suas bodas de porcelana; eu também não guardei na memória quando foi e nem qual foi o primeiro livro que eu adquiri no site, embora eu saiba que isso está registrado em algum papel nos meus arquivos - será que o site guardou o histórico de compras de cada um dos seus clientes ao longo desses 20 anos? O que eu sei é que, depois de ter efetuado a primeira compra ali, eu fiz outras e outras, dezenas de aquisições, de modo que, parte da minha pequena e bem sortida biblioteca, foi adquirida através da Estante Virtual.

É claro que não tem comparação você ir pessoalmente a um sebo e se deter ali por um bom tempo lançando os olhos sobre as publicações dispostas em estantes, mesas e mesmo em calçadas - existem, há muitos anos, sebos nas calçadas da Av. Guararapes, no bairro de Santo Antônio, área central do Recife; e eu já estive num sebo, em Aracaju, no qual os livros estavam arrumados num pedacinho de chão da Praça Olímpio Campos; e, no Rio de Janeiro, eu vi sebistas vendendo seus itens em grandes mesões e/ou tabuleiros no meio da rua -, experiência essa que me proporciona um prazer indescritível. Acontece que, ao aparecer, a Estante Virtual disponibilizou, de maneira muito fácil e rápida, acesso a centenas de acervos de sebos, de livreiros e de pessoas que simplesmente queriam se desfazer de seus livros. E como há pessoas que, assim como eu, empreendem pesquisas que necessitam de obras que muitas vezes estão há anos fora de catálogo, fazer buscas num site alimentado com milhares de títulos, facilitou demais o encontro de algumas obras, até mesmo pelo fato de que existe a possibilidade de se fazer uma busca pelos títulos em si dos livros, como também por assuntos, o que foi absolutamente incrível; por exemplo: em uma das várias buscas que fiz no site, eu escrevi Recife e acabei tomando conhecimento de títulos sobre a capital pernambucana que eu nem sabia que existiam. Sem falar que, ao escolher determinado título, eu de imediato  fico sabendo da variedade de preços e quais são os vendedores que o possuem - foram várias as vezes em que, tendo localizado o vendedor através do site, eu fui ao endereço físico dele, passei a conhecê-lo e, claro, comecei a efetuar compras diretamente a ele, ganhando um descontinho no valor cobrado pelos livros.

É inegável que um negócio de sucesso, como o é a Estante Virtual, desperta interesse no mercado, principalmente de concorrentes.

No vigésimo oitavo e derradeiro capítulo do seu elucidativo livro de memórias, capítulo esse em que, com muita lucidez e conhecimetno de cenário, ele disse aos seus leitores - e admiradores, como eu - que ,no Brasil, "não existe uma cultura de bem tratar o livro", Pedro Herz, então presidente do Conselho de Administração da Livraria Cultura, destacou que isso, esse menosprezo pelos livros vinha/vem também de nossas políticas educacionais que, por exemplo, "impõem a troca do material didático de um ano para outro", apreciação essa que ele completou com o dito seguinte, no mesmo parágrafo: 

Outro sinal de pouco apreço pelo livro vem do uso de uma palavra portuguesa para nomear o lugar onde se compram exemplares usados: sebo [grifo do autor]. Tudo bem, a palavra é até engraçada, mas virou sinônimo de velharia, depósito ou encalhe de algo que a sociedade não quer mais. Sebo também tem a ver com "ensebado", adjetivo que os nossos compatriotas além-mar usavam para (des)qualificar livros usados, especialmente aqueles cujo manuseio havia deixado as páginas sujas. E o preconceito segue por aí (Pedro Herz. O livreiro: como uma família que começou alugando 10 livros na sala de casa construiu uma das principais livrarias do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2017. Por ordem de citações: p. 206-207, p. 207 e p. 207).

Naquele mesmo ano em que Pedro Herz publicou as suas memórias - 2017 -, a Livraria Cultura adquiriu a Estante Virtual, ampliando consideravelmente a sua carteira de potenciais clientes - eu já era um cliente assíduo da Livraria Cultura do Paço Alfãndega, no Recife, onde eu experimentei alguns dos acontecimentoss mais felizes da minha vida até aqui. Tempos depois, quando uma série de dificuldades começou a abalar a existência da rede da Livraria Cultura que, inclusive, já abarcara a opreção no Brasil da rede francesa Fnac - leiam o livro do Pedro Herz -, a Estante Virtual acabou sendo vendida para o Magazine Luiza, uma empresa de varejo que possui lojas físicas na maioria dos estados brasileiros.

Enquanto eu escrevia este artigo dizendo do meu relacionamento com os livros e do meu encontro com a Estante Virtual, à qual eu me junto nesta ocasião de celebração de seus 25 anos de existência, inevitavelmente me chegaram à lembrança algumas das memóraveis páginas deixadas pelo bibliófilo José Mindlin, nas quais ele disse de sua veneração pelos livros, algo que quem é ao menos parecido com ele nesse quesito compreende facilmente:

O amor ao livro e o hábito da leitura vêm de longe e constituem um dos interesses centrais de minha vida [...] O livro exerce uma atração multiforme, que vai muito além da leitura, embora esta seja um ponto de partida fundamental. Em primeiro lugar, existe sempre a ilusão de que se vai conseguir ler mais do que na realidade se consegue. Depois vem o desejo de ter à mão o maior número possível de obras de um autor de quem se gosta - já é o começo de uma coleção. Conseguido o conjunto, que sempre se quer o mais completo possível, surge o interesse pelas primeiras edições, geralmente raras, e a atração pelo livro como objeto, e também como objeto de arte, em que entra (sic) a qualidade da (sic) projeto gráfico, a ilustração, a diagramação, o papel, a tipografia, a encadernação; e aí surge a busca da raridade. Quando se chega a esse estágio, aquele que pensava em ser na vida apenas um leitor metódico, está irremediavelmente perdido. Sua relação com o livro passa a ter uma dimensão quase patológica ,pois a compulsão de possuí-lo é mais ou menos irresistível (mais mais do que menos) [grifos do autor] (José Mindlin. Uma vida entre livros: reencontros com o tempo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 15-16).

Num mundo, como o atual, em que milhões, bilhões de pessoas estão gastando muitos minutos de suas vidas imersas no universo virtual das chamadas redes sociais, ao mesmo tempo em que se afastam completamente dos livros, como se um e outro fossem excludentes, celebrar os 20 anos de existêcia de uma empresa que vende e divulga livros e os faz chegar aos lugares mais remotos e longínquos deste país - será que também do mundo? -, é celebrar também o fato de que, para além do universo virtual, a vida de muita gente é experienciada com o convívio constante com os livros - e isso é algo maravilhoso.

Meus parabéns para a Estante Virtual! E que ela possa celebrar ainda muitos, muitos anos de vida.

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