11 de abril de 2011

Sobre barbárie, covardia e misoginia

Por Clênio Sierra de Alcântara


Imagem Internet



Assisti estupefato ao vídeo, posto recentemente na internet, em que uma escrivã de polícia aparece sendo algemada e tendo suas roupas arrancadas sob a justificativa de que ela precisava ser revistada. A ação, típica de regimes de exceção, ocorreu numa delegacia da Zona Sul de São Paulo, em junho de 2009; e foi comandada por um grupo de policiais integrantes – pasmem! – da Corregedoria de Polícia.



A lei diz claramente que mulheres têm de ser revistadas por mulheres. E por que os policiais – e ainda mais membros de uma Corregedoria, um órgão que existe justamente para apurar as transgressões disciplinares – agiram dessa maneira? Por que não permitiram que as duas policiais que os acompanhavam fizessem a revista? Por que ainda tiveram o requinte de filmar o ato infame se tinham – ou será que não? – conhecimento de que da forma como a prova de corrupção estava sendo obtida não teria validade nos tribunais? Por que homens cumpridores da lei atuaram de um modo tão truculento, tão rasteiro, tão bárbaro e tão covarde? Por que essas autoridades expuseram e humilharam a escrivã dessa forma?





Considerando que o fato ocorreu numa delegacia da cidade mais rica do país, podemos imaginar o que se passa nos milhares de “masmorras” existentes nos rincões brasileiros. Não é à toa que a polícia brasileira é considerada uma das mais ineficientes do mundo no quesito investigação. Diz-se que a recorrência à tortura e à intimidação para obtenção de provas e testemunhos e o baixo índice de elucidação de crimes de assassinato, por exemplo, são demonstrações cabais disso.

Quando, em novembro de 2007, veio a público o caso de uma adolescente de 15 anos que ficara presa numa cela comum com vinte homens durante um mês, período esse em que foi constantemente estuprada, o Movimento das Mulheres do Campo e da Cidade do Estado do Pará (MMCC) denunciou que vários casos semelhantes a esse vinham ocorrendo no estado desde 1993. Naquele ano Salma Simas, então com 40 anos e acusada de matar o marido, passou sete meses em uma cela na companhia de trinta e cinco homens. Foi preciso que um caso ganhasse repercussão nacional para que outros viessem à tona. Neste país os males são sempre maiores do que aparentam.

Sempre me assustou o modo subjugador com que as sociedades tratam as mulheres. Talvez seja por isso que eu abomine as interpretações dos textos religiosos com as quais se busca justificar a completa submissão delas aos homens. Talvez seja por isso, também, que eu tenha verdadeira ojeriza ao discurso falsamente moralizador que busca infundir nelas a obrigação da maternidade e que não lhes faculta o direito de interromper uma gravidez seja em que circunstância for. Aos homens é permitido quase tudo. Às mulheres, não. A quem interessar possa, sugiro a leitura dos livros Os excluídos da história, da Michelle Perrot; e História das mulheres no Brasil, organizado pela Mary Del Priore.

Aos olhos ocidentais práticas como o apedrejamento de adúlteras, como ocorre no Irã, são tidas como comportamentos típicos de regimes bárbaros e sombrios. Acontece que no mundo ocidental a violência contra as mulheres se dá de forma tão sistematizada que não podemos nos julgar superiores às sociedades “medievais” que existem no Oriente. Segundo um levantamento levado a cabo pela Fundação Perseu Abramo, de São Paulo, a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil.

Creio que os movimentos feministas não lograram mais êxitos porque, em parte, não conseguiram mobilizar as mulheres integralmente para as pautas da agenda pelas quais lutavam. Sem esquecer de que, por outro lado, esses movimentos, ao que parece, não compreenderam que os anseios das mulheres não são os mesmos em todas as sociedades. E, nunca é demais dizer, que a figura por vezes grotescamente masculinizada que algumas representantes desses movimentos assumiram, acabaram por afastar muitas mulheres dessa estratégia de busca de mudanças, afinal, lutar por igualdade de direitos, não quer dizer passar a ter comportamentos masculinos.

É gritante em todo o mundo o viés misógino que permeia as relações sociais. As reivindicações das minorias, em geral, e das mulheres, em particular, não são de todo atendidas, penso eu, porque, como se viu no caso da escrivã que foi – repito - covardemente seviciada na sala de uma delegacia, muitas vezes as mudanças nos instrumentos legais ocorrem tão somente para que as coisas permaneçam exatamente como estão.


                                                                          Veja o vídeo



(Artigo publicado também in: O Monitor [Garanhuns], 08 de abril de 2011, Opinião, p. 02).
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