11 de janeiro de 2025

Das cinzas ao esplendor: a restauração da Catedral de Notre Dame como exemplo de valorização e cuidado com o patrimônio histórico edificado

Por Sierra


Foto: Steven G. JohnsonO episódio do incêndio que devastou boa parte da Catedral de Notre Dame e tudo o que, em termos de arrecadação de fundos e de empenho para que se promovesse o quanto antes o seu restauro, vieram depois, me fizeram pensar quão desiguais são as realidades que marcam exemplares do patrimônio histórico edificado que existem espalhados pelo mundo e que se encontram, há muito tempo, à espera de uma ação revitalizadora que, talvez, nem chegará


Certa feita um colega de trabalho, que é cristão protestante, me indagou o porquê de igrejas da religião católica normalmente receberem tantos cuidados das políticas de preservação do patrimônio histórico. De maneira resumida, uma vez que o assunto envolve vários campos do saber humano e práticas da vida em sociedade, eu lhe disse que isso se dá por diversos motivos: porque elas, principalmente as mais antigas, são testemunhas de processos de surgimento de cidades; que elas servem para o estudo de padrões arquitetônicos e construtivos, bem como de materiais e técnicas empregadas para tanto; e, geralmente, elas costumam abrigar obras de arte, como esculturas e pinturas.

Quando, em abril de 2019, ocorreu o incêndio que consumiu grande parte da Catedral de Notre Dame, em Paris, o evento comoveu não apenas os franceses, mas também muitas pessoas dos quatro cantos do planeta, dado o fato, claro, de a Notre Dame figurar não somente como um muito procurado, visitado e admirado ponto turístico da capital francesa, como também pelo fato de ela ser um edifício eclesiástico para o qual muitos devotos de Nossa Senhora se dirigem para louvá-la ali.

E foi na esteira de tamanha comoção e lamento com a ocorrência do sinistro que não demorou para que, em poucos dias, começassem a chegar doações em dinheiro para que o seu gigantesco, demorado e custoso projeto de restauração fosse iniciado o quanto antes, para que os franceses e todos aqueles que têm o privilégio de viajar para lá pudesse voltar a frequentá-la.

Pode-ser dizer que o trabalho que foi realizado na Catedral de Notre Dame, num espaço de  cinco anos, foi uma dessas obras de restauração de patrimônios históricos edificados dignas de aplauso. No último dia 5 de dezembro a admirada, prestigiada e multissecular Catedral de Notre Dame reabriu as suas portas para o mundo ver o resultado do magnífico e admirável trabalho de muitos profissionais para devolver à sociedade, completamente restaurada em todo o seu esplendor, um dos monumentos mais conhecidos do mundo. Se cá, de bem longe, eu fiquei muito tocado com o evento, eu me peguei imaginando quão emocionados ficaram os que puderam ir a Paris conferir de pertinho tudo o que foi feito para que o edifício eclesiástico ressurgisse das cinzas como uma fênix.

O episódio do incêndio que devastou boa parte da Catedral de Notre Dame e tudo o que, em termos de arrecadação de fundos e de empenho para que se promovesse o quanto antes o seu restauro, vieram depois, me fizeram pensar quão desiguais são as realidades que marcam exemplares do patrimônio histórico edificado que existem espalhados pelo mundo e que se encontram, há muito tempo, à espera de uma ação revitalizadora que, talvez, nem chegará. E esse contraste de interesses para restaurar e/ou deixar ruir, em relação ao que se passou com a Catedral de Notre Dame, se dá porque, em que pese o fato de que cada patrimônio edificado fundamentalmente diga mais a respeito da história da comunidade onde ele foi erguido e à memória urbana da cidade que o abriga, nem sempre se trata de um prédio que desfruta da simpatia da população local e que goze de algum prestígio entre a comunidade; e isso, junto com a inércia do poder público, contribui para que o processo e ruína siga como se fosse uma marcha inexorável.

E isso é uma realidade tão visível e palpável em várias de nossas cidades cujas origens remontam aos períodos Colonial e Imperial de nossa História, que, às vezes, há quem pergunte a si e a outrem se neste país existe mesmo uma legislação ou legislações que estabelecem determinações e normas de preservação e salvaguarda do nosso patrimônio histórico edificado.

Sim, leis que dizem respeito à proteção de tais edificações existem nos âmbitos federal, estadual e municipal. No entanto, caro leitor, no entanto, as leis e os órgãos que as fazem e/ou que deveriam fazê-las vigorar, esbarram em vários obstáculos e/ou limitações, sendo os principais deles os orçamentos minguados e um quadro de funcionários que, no geral, é insuficiente para dar conta de uma tarefa que, além de hercúlea por si mesma, enfrenta a oposição de muitos inimigos de tal patrimônio, indivíduos que, não raro, são proprietários dos prédios e não demonstram qualquer mínimo interesse em restaurá-los: uns alegando que não dispõem de recursos financeiros para tanto; e outros porque repudiam as políticas preservacionistas e querem mesmo é que a sua propriedade atinja um grau de ruína tal que se torne inviável qualquer iniciativa e ação de restauro e recuperação do edifício, de modo que, com sua demolição e remoção dos escombros, os proprietários terão a possibilidade de ocupar o terreno com algo que seja realmente rentável para eles.

Preservar, salvaguardar e bem utilizar um patrimônio histórico edificado não requer somente conhecimentos técnicos e normativos, mão de obra especializada e recursos financeiros; requer, além de tudo isso, sensibilidade para compreender o seu valor e importância no percurso histórico de um determinado lugar, porque, sem isso, eu acredito, tal patrimônio é visto somente como mais uma edificação entre tantas a compor cenários urbanos ou rurais.

4 de janeiro de 2025

O meu caminho é esse

 Por Sierra


Imagem: Henrique Córdova
Tempo houve em que eu me deixava perturbar por um medo da incerteza do futuro. Mas bastou eu ter clareza de que a vida não dá garantia de nada, para que a chavezinha da minha cabeça virasse e eu espantasse para bem longe de mim tais pensamentos


Desde anteontem eu decidi que, na primeira postagem deste ano, no blog, eu trataria de escrever uma espécie de mensagem de boas-vindas a 2025. E, pensando nisso, eu me lembrei de uma frase que vez por outra eu ouço alguém dizer por aí e que, com pouca diferença, também faz parte da canção "Sentimental", do Chico Buarque: "Este ano vai ser o ano da minha vida".

Se, em algum momento de minha vida, eu pronunciei tal frase, devo-lhes dizer que ela não serve mais para mim. E por quê? Porque, para mim, todo ano é o meu ano, já que todos eles compõem o alicerce e a edificação de toda a minha existência até aqui. Cada ano deixou em minha cabeça alguns aprendizados; e algumas marcas no meu corpo, porque o tempo vai passando e deixando em nós sinais desse seu ininterrupto transcurso.

Daqui a exatamente uma semana eu estarei aniversariando. E, com o peso e o vigor compatíveis com os 51 anos de idade que eu irei completar, eu espero seguir ao longo de todo este ano mirando o horizonte de modo entusiasmado e confiante, apesar dos muitos riscos e perigos que espreitam a vida de maneira incansável e insone.

Sim, eu vou continuar fazendo planos. Eu não vivo sem fazer planos. Nem que seja um futuro para logo mais ou para amanhã de manhã, eu planejo. Na minha vida, como eu costumo dizer, eu planejo até o plano, mesmo sabendo que nem tudo sai exatamente como foi desejado e planejado.

Eu já planejei várias coisas e não tratei de colocá-las em ação, não pus elas para andar. Mas várias outras coisas ganharam vida e corpo, se materializaram e me deram, pequenos, médios, imensos e intensos prazeres e satisfações, porque se não for para isso, definitivamente eu não faço planos, eu não faço nada.

O calendário foi realmente uma grande invenção. O calendário e o relógio, porque eles nos fazem acreditar em recomeços, mesmo sabendo que os recomeços também chegarão ao fim. E é nessa toada que eu sigo sem deixar que a vida me leve a reboque.

Por ora o meu calendário pessoal e intransferível sinaliza que, antes que este 2025 termine, algo basilar de minha vida será modificado. Eu cumprirei uma etapa de minha existência. Eu encerrarei um ciclo. E passarei a ocupar parte do meu tempo com outros afazeres. E eu não posso negar a vocês que uma certa e boa ansiedade vem me acompanhando por causa disso. E eu imagino que desfrutarei de um potente regozijo quando o tal dia chegar.

Tempo houve em que eu me deixava perturbar por um medo da incerteza do futuro. Mas bastou eu ter clareza de que a vida não dá garantia de nada, para que a chavezinha da minha cabeça virasse e eu espantasse para bem longe de mim tais pensamentos.

Enquanto eu vinha escrevendo estas linhas me chegaram à lembrança as figuras de alguns colegas de infância que já desapareceram deste mundo, tragados que foram pela força bruta que não desculpa e não releva constantes e recorrentes malfeitorias e delinquências. Por vezes, ao longo de nossa jornada, nos deixamos ser seduzidos pelos cantos de algumas sereias. E nos perdemos. E esse se perder, às vezes, é para sempre.

Este 2025 ainda está em seus começos, ainda é um bebezinho. Mão não demora muito e ele estará aí, robusto, intrépido e desafiador, assistindo o tempo todo aos passos que todos e cada um de nós vamos dando para percorrer os caminhos que nos cabe atravessar. E caminhos nem sempre são retilíneos. E caminhos nem sempre são suaves. E caminhos nem sempre têm paisagens bonitas. E caminhos nem sempre levam a bons lugares. E caminhos nem sempre nos dão alegria.

Este ano vai ser o meu ano assim com foram todos os outros até aqui, porque o meu caminho continua aberto; e eu não desisto de forma alguma de mim.

28 de dezembro de 2024

Na festa dos 200 anos do Maracatu Estrela Brilhante, de Igaraçu

 Por Sierra




Fotos: Arquivo do Autor
Sede do Maracatu Estrela Brilhante, de Igaraçu: a força e a resistência da cultura popular atravessando e desafiando o tempo


Como muito bem destacou o historiador britânico Eric Hobsbawm, as tradições são invenções humanas; e elas, muitas vezes, parecem ou são consideradas antigas e podem, na verdade, ser invenções bastante recentes e que se estabeleceram com enorme rapidez. Disse-nos ele no clássico livro A invenção das tradições, que organizou com Terence Ranger: "Consideramos que a invenção das tradições é essencialmente um processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que pela imposição da repetição. Os historiadores ainda não estudaram adequadamente o processo exato pelo qual tais complexos simbólicos e rituais são criados". (1)

Manifestações que figuram entre as mais celebradas e replicadas no panorama do folclore e da chamada cultura popular pernambucana, os maracatus carregam consigo simbolismos e histórias ancestrais. Existem em Pernambuco dois tipos de maracatu:  os maracatus rurais, típicos da zona canavieira do estado, também chamados de maracatus de baque solto; e os maracatus nação africana ou de baque virado, categoria do Estrela Brilhante, de Igaraçu.






Estandartes do grupo










Fazendo ajustes nos tambores



A tradição sendo passada para as crianças, porque elas são a garantia do futuro dos grupos da cultura popular

O pesquisador e estudioso Roberto Benjamin enfatizou, numa de suas obras, que, embora se afirme e se atribua essa denominação de nação africana ao maracatu de baque virado, não existe na África nada parecido com nos nossos maracatus. Leiamos parte do seu relato:

O maracatu é um folguedo criado pelos negros no Brasil. A sua origem é a festividade católica de reis Negros celebrada na Festa do Rosário [...] Hoje o folguedo se resume ao cortejo - o desfile de uma corte real negra. A organização do cortejo obedece ao estilo das procissões católicas. Os trajes procuram imitar o vestuário do que teria sido a corte portuguesa dos tempos coloniais, sendo visível a influência da roupagem da estatuária barroca, especialmente das imagens de Nossa Senhora [...] A marca da cultura africana está, sem dúvida, na música e na dança, como também na organização dos grupos e sua ligação com os cultos afro-brasileiros. Esta ligação é tão forte que o maracatu tem sido tomado como uma expressão de religiosa. Na verdade o Maracatu é manifestação lúdica, dos grupos religiosos de culto gêge-nagô do Recife. Como a religião é vivenciada plenamente por seus praticantes, é sempre possível encontrar aspectos religiosos nas manifestações profanas. Nos Maracatus são realizados cerimônias propiciatórias, para a obtenção de proteção dos Orixás, visando o sucesso das apresentações e a realização dos desfiles sem incidentes. Também a boneca [a calunga] recebe reverências de natureza religiosa. (2)


A calunga Dona Emília na sexta-feira...


... E no sábado


O bacamarteiro Luiz



A bacamarteira Maria de Lourdes







Eu todo amostrado com minha camiseta alusiva aos 200 anos do maracatu









O polímata admirável Valdemar de Oliveira defendia a ascendência africana dos maracatus de baque virado. Segundo ele, as origens do folguedo estão ligadas à escravaria africana "que se reunia, à porta de certas igrejas como as duas que o Recife tem, do Rosário dos Pretos, ali coroando soberanos negros fictícios - ou, talvez, reais, entre os trazidos no bojo dos navios negreiros". (3) Ainda de acordo com mestre Valdemar de Oliveira, outro indicativo, outra prova da ascendência africana desses maracatus era a presença da figura de um animal sobre rodas - elefante, no Maracatu Elefante; e o leão no Maracatu Leão Coroado - abrindo passagem para os desfiles dos grupos. (4)

No dizer do geógrafo, escritor e poeta Mauro Mota, pernambucano de Nazaré da Mata, a cidade onde os maracatus rurais são uma forte expressão cultural, "O maracatu é um dos aspectos mais pernambucanos do Carnaval de Pernambuco; reminiscência dos antigos reinados do Congo"; (5) e que suas "cantigas refletem a nostalgia ancestral". (6)


Maracatu Estrela Brilhante


E o Maracatu Estrela Brilhante, de Igaraçu, como surgiu? Onde e quando ele começou a ganhar vida? Para contar a você, leitor, um pouco da história desse maracatu bicentenário, eu recorri a um texto da pesquisadora Maria Alice Amorim que faz parte do livro Patrimônios Vivos de Pernambuco.


Eu com o mestre Gilmar de Santana





















Acompanhando a narrativa de Maria Alice Amorim nós ficamos sabendo que, embora a história oral diga que o surgimento do Maracatu Estrela Brilhante remonte ao ano de 1730, a data oficial de sua fundação é 8 de dezembro de 1824, dia de celebração de Nossa Senhora da Conceição; e que seu surgimento ocorreu em Vila Velha, em terras da Ilha de Itamaracá, numa época em que a ilha fazia parte do território de Igaraçu. 

Sem informar em que ano ocorreu a mudança dos indivíduos que mantinham o folguedo para o Alto do Rosário, já na parte de ocupação urbana mais antiga de Igaraçu, onde o maracatu permanece até os dias de hoje, Maria Alice Amorim narrou ainda sobre alguns brincantes que comandaram o maracatu antes que o bastão passasse para o mestre Gilmar de Santana.




























Dona Mariassu, que morreu aos 115 anos, comandava o Maracatu Estrela Brilhante junto com o marido e costurava manualmente as roupas do grupo. A filha do casal, chamada Maria Sérgia da Anunciação e conhecida como Mariú, nasceu em 8 de dezembro de 1898; e começou a participar do brinquedo aos 12 anos, sempre na função de dama-regente. O pai dela, João Francisco da Silva, passou a liderança do maracatu para o marido da filha, Manoel Próximo de Santana, conhecido como Seu Neusa. O tempo correu. E através de gerações o Maracatu Estrela Brilhante sobreviveu: filha do casal Dona Mariú e Seu Neusa, Olga de Santana Batista, nascida em 28 de fevereiro de 1939 e brincante desde os 10 anos, figurou como matriarca e guardiã da tradição, quando sua mãe faleceu; e, após o seu falecimento, o seu filho caçula, que já auxiliava a mãe , passou a comandar o maracatu. Contudo, ainda segundo Maria Alice Amorim, tal percurso não se deu de modo contínuo e ininterrupto, pelo menos no que diz respeito à apresentação pública do maracatu. Contou-nos ela o seguinte:

Entre o final dos anos 1970 e início dos 1980, o maracatu passou quatro anos sem se apresentar, conforme registrado numa reportagem do Diario de Pernambuco, em 11 de fevereiro de 1982, intitulada: "Maracatu volta a desfilar". Adiante, após mais alguns anos desativado em decorrência do falecimento de seu Neusa e da impossibilidade de locomoção de dona Mariu, um grupo de estudiosos da Comissão Pernambucana de Folclore, presidida pelo pesquisador Roberto Benjamin, realizou, durante 1993, um levantamento das toadas e da história do grupo e, assim, foi responsável pela retomada do grupo, em janeiro de 1994. (7)


A festa


Muito embora eu já conhecesse e tivesse acompanhado apresentações do Maracatu Estrela Brilhante, de Igaraçu (existe um homônimo no Recife), eu até então não conhecia a sua sede. E eu fui conhecê-la na sexta-feira 6 de dezembro. E, quando eu cheguei lá, o cenário da festa estava arrumado; e já havia ocorrido a apresentação do grupo Sociedade dos Bacamarteiros do Cabo de Santo Agostinho, segundo me disse o bacamarteiro Luiz, de 77 anos.

Andei por ali. Fotografei a calunga Dona Emília. Comprei ao mestre Gilmar de Santana uma camiseta alusiva aos 200 anos do maracatu que agora está sob a sua direção. E fiquei matutando cá comigo, enquanto mirava uma coisa e outra, que aquela festa não era e/ou não estava condizente com a importância de uma agremiação bicentenária. A mim me pareceu que o evento poderia ter sido maior e com mais visibilidade.










Eu com a historiadora Rita de Cássia Barbosa de Araújo





Como naquela noite de sexta-feira eu me encontrava cansado, porque fora do meu trabalho para lá e as atrações musicais demorassem a chegar para dar início às apresentações, eu vim embora para casa dizendo a mim mesmo que eu voltaria no dia seguinte.

No sábado eu novamente me dirigi até o Alto do Rosário. Encontrei desta feita uma movimentação maior de pessoas nas proximidades do palco e circulando entre as barracas de comida e de artesanato. Integrantes de alguns dos maracatus convidados já estavam se arrumando para abrilhantar a festa. Um bolo com cobertura azul e branco estava no fundo do palco. Lá dentro da sede, tambores ganhavam tratamento. E Dona Emília, no seu cantinho, no seu nicho, trajava outra roupa.

A elegante apresentadora foi para o palco dar as boas-vindas a todos que estavam ali prestigiando o evento. Entre a pequena multidão eu encontrei a historiadora Rita de Cássia Barbosa de Araújo, da Fundação Joaquim Nabuco. E eu acompanhei as apresentações dos seguintes grupos: Maracatu Raízes de Pai Adão, Maracatu Encanto do Dendê e Maracatu Aurora Africana.

A Animação estava boa por lá. E o meu corpo aguentou o quanto pôde a dança e o divertimento, de modo que eu não fiquei ali até o final da festa. E tudo foi tão bom. E o som dos tambores ficou ecoando dentro de mim como a trilha sonora de um grande contentamento. Que coisa boa sentir isso!

Eu espero que o Maracatu Estrela Brilhante, de Igaraçu, permaneça como retrato vivo de uma cultura popular que carrega consigo não apenas beleza e resistência, mas também a alegria e a potência de saberes ancestrais que devem ser preservados.


Notas 


1- Eric Hobsbawm. "Introdução: A invenção das tradições". In Eric Hobsbawm e Terence Ranger (orgs.). A invenção das tradições, p. 15.

2- Roberto Benjamin. Folguedos e danças de Pernambuco, p. 81.

3- Valdemar de Oliveira. "Maracatu". In Arte popular do Nordeste, p. 57.

4- Id. ibid., p. 58.

5- Mauro Mota. "Maracatu". In Folguedos populares, s. p. Leitor, trata-se da reedição de textos referentes aos folguedos populares do Roteiro de arte popular de Pernambuco, publicado sob o patrocínio do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco e da Empesa Pernambucana de Turismo. Nesta reedição - e eu não sei qual foi o formato da edição anterior - os textos vieram em pequenas pranchas soltas; e são dez, ao todo, cada qual com ilustrações em preto e branco assinadas por Francisco Neves; e reunidas numa espécie de envelope.

6- Id. ibid.

7- Maria Alice Amorim. "Estrela Brilhante de Igarassu". In Patrimônios Vivos de Pernambuco, p. 93.


Fontes e referências bibliográficas


AMORIM, Maria Alice. "Estrela Brilhante de Igarassu". In Patrimônios Vivos de Pernambuco. 2ª edição revista e ampliada. Recife: Fundarpe, 2014 (p. 91-94).

BENJAMIN, Roberto. Folguedos e danças de Pernambuco. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1989.

HOBSBAWM, Eric. "Introdução: A invenção das tradições". In HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (orgs.). A invenção das tradições. Trad. Celina Cardim Cavalcante. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012 (p. 11-29).

MOTA, Mauro. "Maracatu". In Folguedos populares. Recife: Bandepe/Comper, 1974.

OLIVEIRA, Valdemar de. "Maracatu". In Arte popular do Nordeste. Hermilo Borba Filho (coord.). Recife: Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal do Recife/Universidade Federal de Pernambuco, 1966 (p. 57-59).

21 de dezembro de 2024

Sobre a força poderosa da satisfação, do prazer e do tesão

 Por Sierra


Foto: Arquivo do Autor
O muito talentosos artista plástico Quihoma Isaac, a Tigresa Zezé Motta e eu numa noite que para mim foi inesquecível



De tal modo as palavras prazer e tesão estão associadas ao desejo e à prática sexual que há quem pense que elas não possuem outras conotações.

Falando somente a partir do que eu sinto, eu preciso lhes dizer que habitualmente eu fico à procura de qualquer mínima coisa que me proporcione satisfação, prazer e tesão, porque sentir isso é, para mim, o leitmotiv da minha existência. Eu não aceito a ideia de que todos e cada um de nós podemos viver abrindo completamente mão disso.

Sabe aquela expressão antiga sine qua non? Pois é, para mim, satisfação, prazer e tesão formam a tríade sine qua non para que eu encare a minha vida com entusiasmo, porque, do contrário, eu sucumbiria ao peso excessivo que o mundo põe em nossos ombros para que o carreguemos enquanto vivos estivermos.

Não, para mim essa tríade não está presente em tudo que eu vivencio, faço e executo; nem nos caminhos todos que eu percorro; nem em todos os lugares que eu frequento; e nem nas pessoas todas com as quais de alguma forma eu convivo e/ou lido. Encontro cada um deles, às vezes de forma muito intensa, num instante de boa surpresa e não somente no que eu me dispus a pôr em prática para que eles se acheguem até a mim.

Ao longo do meu dia eu costumo passar por movimentos de alternância da satisfação, do prazer e do tesão com insatisfações, desprazeres e quase ausência de tesão. E por que isso acontece comigo? Ora, isso se dá porque nem tudo o que praticamos e/ou realizamos está naquela esfera. Por vezes nós atingimos o extremo oposto daquilo que forma a tríade; e atravessamos o dia buscando compensações para nos restabelecermos; e de alguma forma o alcance daquilo que nos motiva, impulsiona e nos empurra para a vida chega, mesmo que seja em pequenas porções.

Ontem, enquanto eu seguia para ir bater perna no Recife, à tarde, após o expediente do trabalho, eu fui carregando comigo planos de alcance de satisfações, prazeres e tesões, sendo que partes deles já estavam em curso, que era o fato de que eu me encontrava indo à capital levando no pensamento vários propósitos, sendo o principal conseguir um ingresso para ir assistir ao show "Zezé Motta canta Caetano - Coração vagabundo", programado para ter início às 20h, no teatro da Caixa Cultural. E, quando eu cheguei lá e vi a quantidade de pessoas na fila e me certifiquei de que, sim, eu iria conseguir um ingresso para ver a Tigresa Zezé Motta, a satisfação, o prazer e o tesão entraram em ebulição dentro de mim. Aí vieram um jantar rápido na Gelatto's, o show e o meu encontro com a Zezé Motta no camarim dela. E isso tudo, claro, me encheu de uma intensa alegria. Ah, e ainda teve o meu encontro com um artista plástico chamado Quihoma Isaac, que eu não conhecia, e que foi muito gentil comigo.

Ao longo da vida nós experimentamos sensações muito variadas e vivenciamos situações, quer como protagonistas e/ou coadjuvantes, quer como meros expetadores de acontecimentos que mexem demais conosco. E mexem de tal forma que podem até desencadear transformações radicais no nosso cotidiano - a morte de um ente querido, por exemplo -, fazendo com que repensemos e reavaliemos a nossa postura diante do mundo.

Eu preciso dizer isto a vocês: haja o que houver, ocorra o que ocorrer eu me recuso firme, tenaz, brava e terminantemente a abrir mão - repito isso como confirmação e certificação de minha postura - do que for possibilidade de alcance e obtenção de satisfação, prazer e tesão, porque, para mim, a vida, a aventura da vida e do existir não fariam sentido sem isso. Eu acredito piamente que estou neste mundo não somente para carregar pedras e assim garantir o meu sustento e o pagamento de minhas contas. Eu estou nesta vida também para ver a beleza que nela existe; gostar de pessoas, coisas e animais; caminhar na beira do mar; ler e escrever; andar à toa por aí; estender a mão a quem eu puder ajudar; dar abraços e beijos efusivos; e usufruir de muitos bocadinhos de felicidade.

Satisfação, prazer e tesão são tão necessários para a minha vida quanto o ar que eu respiro.