15 de dezembro de 2011

Reprovação: uma mal necessário? Culpa de quem?

Por Clênio Sierra de Alcântara



Foi em dezembro de 1986, há exatos 25 anos, que eu experimentei uma das maiores frustrações e tristezas da minha vida. Quando acordei, na manhã daquele dia, encontrei um bilhete sobre a mesa deixado por minha mãe, que saíra logo cedo para o trabalho. No pequeno pedaço de papel ela escreveu mais ou menos assim com a sua sempre por mim admirada caligrafia: "Ligue para mim mais tarde, para me dar o resultado".
Aquela manhã não transcorreu tranquila. A cabeça de um menino de doze anos pode, sim, ser perturbada ao extremo pelos desafios aos quais é lançada. E como estava transtornada a minha naquele dia! O medo do fracasso rondava os meus pensamentos de modo persistente. Como pode uma criança sentir tamanho medo do malogro eu não sei dizer. Só sei que eu o senti; e o senti de maneira pavorosa.
Almocei. Aprontei-me. E peguei o caminho habitual para chegar à Escola Polivalente de Abreu e Lima. De passagem pela área externa da escola, um colega de turma me disse assim, quando fui chegando: "E aí, Clênio?! Parabéns!". Ouvindo isso, o meu pensamento como que divisou um fio de salvação. Entrei na secretaria. E procurei o meu boletim em meio ao montão que estava empilhado no balcão. Eu passava um por um desejoso de me perceber a qualquer momento  abrindo um sorriso de satisfação e alívio. Mas qual não foi o meu desapontamento ao ver o resultado final de Matemática: reprovado. Quem olhasse para mim naquele instante, certamente veria na minha face a expressão exata do desalento e do desespero.
Voltei para casa no mesmo pé em que fora à escola. Cabisbaixo, eu engoli o choro enquanto via transcorrer na memória, a lembrança dos dias passados em sala de aula com os meus colegas. Recordei o sucesso que eu obtivera na Feira de Ciências, para a qual eu fizera uma grande e muito bonita maquete de um circo, na qual tudo era apresentado com etiquetas escritas em inglês, e, também, um quadro enorme com frutas de plástico no qual era mostrada a classificação delas quanto às sementes que possuíam. E não aceitava que todo o ano letivo tivesse sido perdido porque eu não conseguira solucionar equações do 1º grau. Doía-me a reprovação. Moacir, Fernando, Elaine, Ana Luzia, Norberto... Todos os meus amigos avançaram e eu fiquei para trás.
Não tive coragem de ligar para a minha mãe. Como eu poderia fazer uma coisa dessas, ligar para dar uma notícia ruim?! Chegando a nossa casa, eu chorei copiosamente. Como eu chorei! Chorei acreditando que a culpa pela reprovação era somente minha. Não era culpa da escola e nem da professora. Era única e exclusivamente minha, que não fora capaz de aprender a matéria ensinada.
Quando minha mãe chegou, à noite, eu tornei a chorar. No meu entendimento eu dera um grande desgosto a ela. Assim como eu, ela também se conformou com a ideia de que eu era o culpado pelo meu fracasso. E tanto foi assim que ela tomou uma decisão radical: mandou-me, no ano seguinte, para a casa dos meus padrinhos, em Olinda, cidade onde cursei novamente a 6ª série, em 1987.
A experiência da reprovação foi muito dolorosa para mim. Felizmente eu não me vi desmotivado em rever todos os assuntos que eu já conhecera. Curiosamente eu fui um dos mais destacados alunos daquela turma da Escola Polivalente Compositor Antônio Maria. Saul, Alberto, Roberval, Lindomar, André Henrique, André Aleixo... Os campeonatos de vôlei e de handebol. A ida ao Parque Zoobotânico Dois Irmãos, no Recife... Eu ainda considero que em 1987 eu vivenciei o ano mais feliz de toda  a minha vida escolar.
Eu sei que fui uma das exceções. Normalmente o que ocorre com os alunos que repetem de ano, é que eles percam o interesse pela escola; e, às vezes, dela se afastem definitivamente, como leio em matérias publicadas por uma importante revista de Educação. Não é fácil o recomeço de quem repete de ano. Permanecem muito vivas nas minhas recordações, as pilhérias que me lançavam durante as aulas.
Olhando para trás eu continuo maldizendo a reprovação que sofri, porque, hoje, eu não consigo aceitar que um aluno perca todo um ano letivo em virtude de não ter alcançado determinados pontos numa única disciplina, tendo ele tido um bom desempenho nas demais . Não faço apologia da ignorância. E nem admito que um estudante avance de ano desconhecendo inteiramente os conteúdos desta ou daquela matéria - no Brasil existem casos absurdos de alunos que avançam sucessivamente sem nem saber ler -; mas eu penso que, caso um professor diagnostique que tal e tal aluno apresenta dificuldade em compreender determinado assunto, a ele sejam oferecidas e/ou recomendadas aulas de reforço; o que não se deve fazer é deixá-lo entregue à própria sorte, como foi o meu caso, que não tinha ninguém que me auxiliasse nos estudos, uma vez que, em casa, éramos só eu e minha mãe, que passava o dia todo fora, e ela não sabia resolver tais conteúdos matemáticos. Não tenho vergonha de dizer que vivenciei essa pesarosa experiência da reprovação. Por outro lado, também afirmo que ela me foi muito daninha.
Acabei de ler na edição do mês passado da Nova Escola que, segundo dados calculados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil ainda tem mais de 730 mil crianças e jovens de 6 a 14 anos fora das salas de aula, pelos mais variados motivos. É vergonhoso? É, e muito. E mais ainda quando se toma conhecimento de que o país possui milhões de analfabetos e mantém algumas escolas públicas em petição de miséria, condenando à reprovação outros tantos Clênios, Joões, Marias, Júlias, Robertos...

                                                          
(Artigo publicado também in: O Monitor [Garanhuns], dezembro de 2011, Opinião, p. 02).


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