20 de abril de 2012

Manifesto da Cidade do Recife

Por Clênio Sierra de Alcântara




                                                                                            Luna Markman - G1 -PE



Tendo em vista os últimos acontecimentos em torno do projeto de construção de edifícios na área do Cais José Estelita, no bairro de São José, resolveu este articulista lançar um manifesto em defesa da Cidade do Recife.  E pedir aos seus leitores que o faça chegar ao maior número possível de pessoas. Se a cidade não fala, falemos por ela.

Não se vai aqui reproduzir testemunhos de uma gente que com sua vida e com sua obra como que construiu a alma dessa cidade: Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista; Joaquim Nabuco; Mario Sette; Pereira da Costa;  Joaquim Cardozo; Manuel Bandeira; Gilberto Freyre; Austro-Costa; Mauro Mota; Ascenso Ferreira; Mário Melo; Gilberto Amado; Clarice Lispector; Chico Science; etc.

Não se vai aqui evocar as lições de Camillo Sitte, Lewis Mumford,  Giulio Carlo Argan, Jane Jacobs, Leonardo Benevolo e de nenhum outro.

Não se vai aqui dizer que o progresso é um monstro devorador de tradições e de coisas tidas como ultrapassadas e provincianas.

Não se vai aqui estabelecer-se comparações entre esta e aquela administração municipal, entre este e aquele burgomestre, entre esta e aquela cidade.

Não se vai aqui fazer acusações de conluios de qualquer tipo.

O que se vai dizer aqui é que o Recife não merece de maneira alguma ser vilipendiado, ser desfigurado e, principalmente, ser vendido como são vendidos, a preço de banana, os objetos de uma família que está precisando partir urgentemente em viagem.



Manifestemo-nos!


1º - O discurso da degradação é uma das artimanhas do poder decisório para legitimar seus faustosos empreendimentos imobiliários que promovem a demolição de edifícios antigos e a ocupação de terrenos de interesse histórico.

2º - Há tempos que o Recife vem sofrendo com um acelerado processo de abandono de seus espaços tradicionais, o que fica patente no estado deplorável em que se encontram diversos sobrados em logradouros como a Rua 1° de Março, a Rua da Aurora, a Rua Velha e a Rua Martins de Barros. Abandono esse que se verifica também em calçadas esburacadas que estão há anos nessa condição, como trechos da Rua do Príncipe e da Rua do Riachuelo.

3º - A Municipalidade tem teimado em reduzir a questão da acessibilidade aos corredores de ônibus e carros, como se na cidade não houvesse trânsito de pedestres e de cadeirantes.

4º - Continuam sendo investidas quantias vultosas em projetos que em nada ou quase nada contribuem para o bem estar da população. O horrendo Parque Dona Lindu é o exemplo cabal disso: a grife Niemeyer fez erguer uma obra esteticamente repulsiva  e funcionalmente controversa que custou dezenas de milhões de reais aos cofres da Prefeitura. O Parque Dona Lindu é como uma prótese dentária muito malfeita que não se encaixa perfeitamente na boca.

5º - Como se pode alegar que a construção dos edifícios na área do Cais José Estelita vai revitalizar aquele espaço, se o que se vai levar para lá será a completa desfiguração do local?

6º - Por que não se incentivam empreendimentos imobiliários reformando os vários prédios abandonados que existem na área central da cidade?

7° - No Recife, há anos,  vem sendo vendida a ilusão de que erguer empreendimentos imobiliários em seus bairros primitivos – Recife Antigo, Santo Antônio, São José e Boa Vista - fará com que a cidade seja revitalizada, quando ocorre justamente o contrário: tais empreendimentos, além de  descaracterizarem o entorno de monumentos históricos, levam para essas áreas de circulação de veículos cada vez mais problemáticas, um número maior de carros.

8º - Os arrabaldes do Recife continuam entregues à sua própria sorte, porque os investimentos de peso da Prefeitura continuam sendo maciçamente direcionados para a Zona Sul da cidade.

9º - A Municipalidade  parece ignorar o fato de que certos grupos de interesses não pensam no todo coletivo; que seus interesses têm um foco muito específico e restrito.

10º - O Recife, em sua parte primitiva, não está carente de novos empreendimentos imobiliários. Está, sim, necessitando de cuidados, de manutenção, de restauração de seus monumentos históricos, da conservação e limpeza de suas ruas e praças. O Recife está, em suma, querendo manter-se vivo.

A cidade não pode reclamar. Reclamemos por ela. A cidade não pode gritar. Gritemos por ela.






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