26 de outubro de 2012

Além dos canaviais de Itambé

Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro: há muita história para ser conhecida da encantadora Itambé
                   


Eu permaneço olhando com espanto para o mundão de terra que é tomado pela monocultura da cana de açúcar na Zona da Mata Norte de Pernambuco. 


O canavial marcando o território:  a civilização do açúcar é um traço muito relevante da história do Brasil Colonial










Aprendi com Mário Lacerda de Melo, lendo o seu bem documentado livro Paisagens do Nordeste em Pernambuco e Paraíba, que essa área tem esse nome – Zona da Mata – porque, antes do início da introdução da cana, esse vasto espaço era todo ele coberto por uma luxuriante mata, a Mata Atlântica. E quando eu digo que continuo olhando com espanto para essa paisagem, apesar de estar com ela já bastante familiarizado, é porque ela por vezes me dá a sensação de ser quase infinita; daí por que vejo como confortantes oásis as pequenas povoações e cidades que encontramos aqui e ali em meio a esse universo verdejante.

 





 

Deixando Goiana para trás – em alguns trechos a estrada está quase que intransitável – comecei a percorrer o território itambeense subindo e descendo as ruas singelas do povoado de Caricé, que está localizado relativamente distante – a cerca de 20 km – da sede do município. Atravessando os logradouros dessa comunidade se percebe muito claramente como as ocupações desordenadas de alguns espaços deformam pouco a pouco o sítio onde se instalam. 


                      

              
Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Caricé





Em Caricé a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, de traços bem simples, impõe-se na paisagem, como que dizendo: este lugar é importante porque fui edificada aqui com o intuito de lhe imprimir alguma ordem.




De acordo com as narrativas históricas, o capitão-general André Vidal de Negreiros, um dos heróis da lutas contra os invasores holandeses, mandou levantar uma capela sob a invocação de Nossa Senhora do Desterro, no território que hoje compreende a cidade de Itambé, e doou para patrimônio da mesma todo o terreno da atual freguesia, e vinculando ainda à referida capela o Engenho Novo de Goiana e o de Palha, além de várias fazendas de gado, com extensão superior a 120 quilômetros. Tal doação foi confirmada por um alvará de janeiro de 1681 e permitiu-lhe a graça de padroeiro para nomear, por si e pelos administradores que sucedessem, o pároco da freguesia, conforme consta de uma carta de apresentação passada em Lisboa em 2 de outubro de 1746, pela Mesa de Consciência e Ordens. Ocorreu que esta graça veio recair na Casa de Misericórdias de Lisboa, à qual ficou pertencendo a eleição simples do pároco, com a dependência da aprovação régia. Por provisão do 1º bispo da Diocese, Dom Estevão Brioso de Figueredo, de 2 de janeiro de 1789, foi elevada à igreja paroquial curada, desmembrando-se da freguesia de Goiana, a que pertencia. Extinto o vínculo, em 1842, passou a freguesia à capela curada de Itambé. Pela lei provincial nº 1055, de 6 de junho de 1872, foi transferida da povoação de Nossa Senhora do Desterro a sede da freguesia para Itambé, ficando como Matriz a Igreja de Santo Antônio. Em seu Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco, onde colho preciosas informações – o volume 1 foi publicado primeiramente pela Imprensa Nacional do Rio de Janeiro em 1908 -, Sebastião de Vasconcellos Galvão registrou o seguinte: “Desde o desapparecimento das igrejas, e depois da mudança da séde da freg., começou a decadencia da povoação, o que foi progressivo até o abandono e quase extincção em que se acha. Pela proximidade da feira de Pedras de Fogo, logar da Parahyba, começou a nascer Itambé, primeiro em habitações de palha, depois transformadas em casas alinhadas e de pedra e cal, cobertas de telhas”. Com o crescimento da população e da quantidade de habitações, a lei provincial nº 720, de 20 de maio de 1867, elevou o lugar à categoria de vila e cabeça de comarca de seu nome, tendo sido posteriormente, pela lei nº 1318, de 4 de fevereiro de 1879, classificada como cidade. Dentro já do regime republicano, de acordo com a lei nº 52 de 3 de agosto de 1892, constituiu-se município autônomo em 8 de fevereiro de 1893.


Em Itambé aqui e ali o visitante se depara com construções que remetem ao passado  distante da cidade



Monumento comemorativo ao 50º aniversário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição



                                     


 
Retornei à estrada rumo à sede da cidade, ansioso por me encontrar pela primeira vez naquela longa artéria que separa Pernambuco da Paraíba: prestando atenção no desenho das pedras do calçamento, verifica-se que há uma disposição delas em linha reta bem no meio do logradouro, dividindo o chão. 


No centro do calçamento vem-se pedras de paralelepípedo formando duas retas paralelas; elas marcam, por assim dizer, a fronteira que separa a pernambucana Itambé da paraibana Pedras de Fogo






É curioso isso: atravessando a artéria de um lado para o outro, passamos também de um estado para outro: da pernambucana Itambé para a paraibana Pedras de Fogo. Essa via recebe diferentes nomes a partir de determinados trechos, em ambos os lados.



Marco indicativo da existência do Areópago de Itambé








É na Rua Desembargador Vieira de Melo que está fincado um marco que informa que ali, segundo os manuais de História, existiu uma sociedade secreta que viria a ser conhecida como Areópago de Itambé – na Grécia antiga, areópago era o tribunal supremo de Atenas -, fundada pelo português Manuel Arruda Câmara, que cursou Medicina na Universidade de Montepelier, na França, na época em que ocorreu a Revolução Francesa. Nas reuniões que aconteciam em Itambé Arruda Câmara proferia discursos nos quais proclamava ideias de liberdade; seu pensamento influenciou movimentos como a Revolta dos Suassuna, a Revolução Pernambucana de 1817 e a Confederação do Equador de 1824.

                           
 A área central de Itambé pode-se dizer que está bem conservada. Existem várias edificações que mantêm em suas fachadas o desenho de épocas passadas, o que confere a elas certa graciosidade.


Câmara Municipal de Itambé


Uma visita à Praça Monsenhor Júlio Maria Câmara põe o turista em contato com vários edifícios antigos, como a Igreja de Nossa Senhora do Desterro, que estava passando por uma ação revitalizadora quando a visitei. Ainda nessa praça eu me deparei com uma construção religiosa bastante incomum; é uma espécie de torre em cuja base pode-se entrar; trata-se do monumento comemorativo ao 50º aniversário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, que foi benzido em 22 de dezembro de 1905 pelo bispo de Olinda Dom Luiz Raymundo da Silva Brito.








                
 
Foi numa rua entre as praças Dom Vital e Getúlio Vargas que eu comi uma galinha à cabidela deliciosa – alguns conhecem esse prato como galinha ao molho pardo – no simples e bom Restaurante Opção.

                             




















Andei por outras ruas. Passei defronte à Câmara Municipal. Percorri a área comercial. Enfim, vi a cidade de Itambé para além dos canaviais que a envolvem.

20 de outubro de 2012

Feiras livres (3)

Por Clênio Sierra de Alcântara


Centro (Igaraçu – PE). Trabalhei em Igaraçu durante mais de dez anos. E, como para chegar ao meu local de trabalho, eu quase sempre escolhia o caminho que atravessava a área comercial onde está instalada a feira livre de seu espaço central, fiquei mais do que familiarizado com seu ambiente, porque, não raro, era também nele que eu fazia minhas compras.


Fotos: o autor do texto
              








Denominado por uma das gestões municipais como “maior centro comercial do litoral norte”, o espaço que acomoda a feira – o dia da feira propriamente dita é o sábado, ocasião na qual todo o pessoal que não possui  bancos fixos, comercializa seu produto disposto no chão e em bancos por vezes improvisados, principalmente ao longo da Rua José Gerônimo C. Júnior -, abriga ainda um mercado público, açougues, supermercados, armarinhos, farmácias, enfim, uma variedade enorme de estabelecimentos comerciais.









Na entrada do pátio, como que dando boas-vindas ao público em geral, está assentada uma estátua representando o português Duarte Coelho, o donatário da Capitania de Pernambuco que fundou a então Vila de Igaraçu no século XVI. Falando nisso, não custa lembrar que o principal centro comercial dessa cidade – que é o que está sendo enfocado neste texto – dista cerca de 500 m do seu sítio histórico que, no dizer do jornalista Ernesto Paglia – eu considero a definição graciosamente perfeita –,  “parece uma caixinha de joias”.








Faz vários anos que a Prefeitura Municipal tratou de reestruturar a área comercial padronizando os bancos dos feirantes – a estrutura é feita de cimento armado e coberta com telhas tipo Brasilit – e os bares; e construindo um grande espaço coberto onde são comercializados principalmente roupas e calçados.















A dinâmica dos negócios fez com que certas posturas municipais não se estabelecessem. Por exemplo: o grande galpão tido como “mercado da carne” está com boa parte de sua área subutilizada. Nesse espaço a falta de gerência permitiu que alguém instalasse ali, imaginem, uma oficina de conserto de televisores. Outro ponto onde o descaso se estabeleceu fica próximo ao comércio de roupas, onde alguns bancos estão em completo estado de abandono.






Dada a quantidade de pessoas que percorrem toda a extensão desse centro de comércio – em particular aos sábados -, seria mais do que providencial que a Municipalidade coibisse o tráfego de automóveis e motocicletas na área que compreende a entrada e o contorno dos primeiros boxes que antecedem os bancos, porque, além de impedirem o livre trânsito de pedestres, eles ocupam um espaço que não é apropriado para a sua circulação.

Há uma gama enorme de quitutes à espera do visitante nesse teritório igaraçuense, afinal, uma feira livre tem também essa coisa de nos conquistar pelos aromas e sabores de comidinhas e bebidas feitas na hora: tapioca e beiju quentinhos; bolos a valer; sucos variados e caldo de cana; feijoada e galeto; dobradinha e churrasco... O cardápio certamente atende a todos os gostos.









Por vezes fico a imaginar onde terão ocorrido as primeiras feiras livres dessa cidade tão antiga. Ainda não pesquisei a respeito; mas sou levado a crer que seu espaço primitivo talvez tenha sido no mesmo sítio na qual ocorre atualmente, ou muito próximo a ele, dado que sua localização fica a poucos metros da BR 101, onde, provavelmente, existia a velha estrada que levava a Goiana, à Paraíba e às outras províncias do Norte; pois é sabido que lugares de passagem significam fluxo de pessoas e produtos, ou seja, de prováveis compradores e vendedores de mercadorias e víveres.

 Feiras livres são fundamentalmente lugares de convívio social aos quais as pessoas vão não apenas para comprar produtos, mas também para ver o movimento e as novidades, para encontrar velhos conhecidos, para bater papo, para comer, para, enfim, vivenciar a cidade que habitam e/ou estimam. E esse negócio de estima é tão verdadeiro que algumas feiras livres atraem pessoas de outros municípios; uma gente que se acostumou com o bulício do lugar, com certos feirantes e até mesmo com certas mercadorias de sua predileção que ela acha que só vai encontrar ali.




Não canso de repetir que sou ligado por liames muito fortes a esse pedaço de Igaraçu, onde vivi alguns dos meus melhores dias.