23 de março de 2013

A ponte da vida

Por Clênio Sierra de Alcântara




“E no mistério solitário da penugem

Vejo a vida correndo parada

Como se não existisse chegada

Na tarde distante

Ferrugem ou nada”

A rota do indivíduo (Ferrugem). Djavan/Orlando Moraes



                                                            Para Emílio Santiago, cantor magistral




Depois de duas tentativas frustradas – os horários das sessões divulgados em sites não estavam corretos -, finalmente eu consegui assistir ao incensado filme Amor, do diretor alemão Michael Haneke, na última terça-feira, no Cinema da Fundação, no Recife, na sessão das 16:20 h.

Narrativa muito intensa e direta, Amor focaliza a relação de Anne e Georges. Idosos e desfrutando de um certo conforto material, eles se veem imersos numa mudança de rumo a partir do momento em que Anne é vitimada por um AVC que paralisa, em princípio, o lado direito do seu corpo e que vai se agravando um pouco a cada dia. Buscando demonstrar o grande amor que sente por sua esposa, Georges não mede esforços para que a vida dela não se transforme num completo pesadelo. Mas, nada será como antes. Nem poderia sê-lo. A vida é dura demais. A velhice pesa demais. E não há bom sentimento que seja páreo para a rudeza da realidade.

Alguém toca um piano. A morada dos Laurent é agora tão-somente um cenário que aflige e sufoca. Um pombo insistentemente entra pela janela por não saber que não se quer mais visitantes naquela casa; o que se quer é esconder dos olhos alheios tudo aquilo que o transcurso do tempo construiu e então passou a consumir. Anne já não consegue articular uma frase compreensível. Georges não tem mais força para suportar o peso dos escombros que desmoronam sobre ele. “Sobre a ponte, sobre a ponte todos passam...”. Anne e Georges. Defronte à ponte eles se separam: Anne fica num lado e Georges no outro. Há coisas na vida que de maneira alguma podem ser remediadas.

Desde A balada de Narayama, do diretor japonês Shohei Imamura, que eu não via um enfoque tão incisivo e pungente da velhice como o que é mostrado em Amor. Exercício primoroso de cinema, o filme de Michael Haneke – dele eu já tinha visto os desconcertantes Violência gratuita (1997) e Caché (2005) – é, em grande medida, um retrato do inconformismo com a perda – e não só do ser amado, mas de tudo de bom – que habita em cada um de nós. Por mais que amasse a esposa – e talvez justamente por isso -, Georges não conseguia se conformar com o fato de ter de acompanhar a degradação física e mental dela, porque, no fundo, o que lhe confortava e animava – e o que nos conforta e anima em nosso cotidiano – era a vida pulsando inteira, mas sem quaisquer anormalidades.

Chorei bastante durante boa parte da exibição do filme pensando nos idosos que estão ao meu redor e que me são muito caros. E saí do cinema numa apreensão medonha.

O filme Amor deve ser visto por todos, e , principalmente, por nós, que somos jovens e estamos imersos numa sociedade que está a todo tempo a nos dizer que a única parte boa da vida é a juventude.

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