Por Clênio Sierra de Alcântara
“Mas é preciso ter manha,
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida...”
Maria, Maria. Milton Nascimento/Fernando Brant
Não sei se foi de caso pensado. O fato é que o tradicional Cinema São Luiz, do Recife, pôs em cartaz, em pleno mês dedicado às mães – e perdoe-me o leitor por só agora eu lhe dar conta disso, porque somente anteontem foi que eu tomei conhecimento do evento -, um filme belíssimo, no qual as mulheres figuram com uma força redentora.
Em algum ponto remoto do Líbano, onde só com muito esforço se consegue captar sinal para a única TV do lugar – e note-se o efeito desestabilizador de uma notícia veiculada pela TV e pelos jornais que as mulheres vão de toda forma buscar dissipar -, uma comunidade aldeã, formada por cristãos e muçulmanos, vive em uma harmonia tal a ponto de mesquita e igreja se confundirem na rústica paisagem. Ocorre que, certo dia, a paz entre os moradores do lugarejo é quebrada; e é a partir desse momento que E agora, aonde vamos?, o inspirador filme de Nadine Labaki, começa a revelar sua consistência.
Muito embora aqui e ali a narrativa provoque risos, é a sua carga poderosamente dramática que dá o tom mais intenso ao enredo. Os conflitos entre cristãos e muçulmanos, na então pacata aldeia, provocará embates que deixarão enlutadas mães e esposas de ambos os lados. E o peso descomunal do luto lançará as mulheres daquele pequeno mundo convulsionado numa operação de restauração da paz a partir da deposição das armas.
É preciso tomar partido? É preciso escolher em que lado se vai lutar? As mulheres do filme de Nadine Labaki – é dela também o envolvente Caramelo, de 2007 – encontram um meio surpreendente de apaziguar a intrigas; e reside no expediente de que elas lançam mão para tanto, a força de redenção para toda a comunidade aldeã. Longe dali as coisas podem até continuar desandando, mas não lá; lá o que se quer é fazer com que a vida transcorra livre dos impulsos que levam cristãos e muçulmanos a se destruírem mutualmente.
Em E agora, aonde vamos? concentra-se nas mãos das mulheres a dor, a resignação, mas também o poder de restauração, de restabelecimento da ordem, de recomeço, o que faz com que o filme seja um sopro de vitalidade num mundo – e eu não me refiro apenas ao dos dogmas religiosos – tão propenso à misoginia.
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