13 de julho de 2013

Miséria moral

Por Clênio Sierra de Alcântara



“Enquanto existir pobreza em larga escala neste país, nós teremos o nosso garantido”. Imagino que essa deva ser a filosofia de vida dos maus políticos brasileiros. Foi o que se passou pela minha cabeça quando eu assisti, em maio passado, ao espetáculo grotesco de pessoas empurrando umas às outras em diversas agências bancárias com o fito de sacar aquela que seria “a última parcela do Bolsa Família”. A balbúrdia fora motivada por um boato que se espalhou rapidamente por várias cidades do Norte e do Nordeste – por onde mais seria? -, que dizia que o principal programa de amparo social do Governo chegara ao fim.

Confesso que quando o presidente Fernando Henrique Cardoso lançou o Bolsa Escola – foi a partir dele que os petistas lançaram o Bolsa Família -, eu me enquadrei na primeira fila dos que repudiavam tal iniciativa, porque enxergava nela puro e retrógrado assistencialismo populista. Creio que o meu repúdio se devia também a um misto de despeito, revolta e lamento porque no tempo em que, criança e adolescente nas ruas de Abreu e Lima, eu e o meu irmão não tivemos um apoio como esse; o máximo de amparo governamental que minha mãe alcançou foi poder comprar leite subsidiado no hoje inexistente Centro Social Urbano. (Há momentos em que olho para trás e me entristeço recompondo episódios vivenciados naqueles tempos difíceis. Mas, como ainda hoje diz minha avó Maria da Conceição, quem não quer padecer nasce morto. Ou, como eu costumo dizer, viver é aguentar as consequências.) Posteriormente eu compreendi que programas como o Bolsa Família, em que pese o viés eleitoreiro, têm o mérito de alguma maneira tirar da “invisibilidade” um contingente de miseráveis que, sem emprego e sem um teto para se abrigar, não tem recursos sequer para comprar comida. E, convenhamos, manter-ser invisível numa sociedade é não dispor da condição de cidadão.

A grande dificuldade de manter a contento um programa como o Bolsa Família num país gigantesco como o Brasil, no qual, infelizmente, ainda impera de forma vigorosa uma cultura da corrupção e da obtenção a todo custo de vantagens, em todos os níveis sociais, é fazer com que o benefício chegue a quem realmente dele precisa.

Não é necessário fazer uso de lupa e de nenhum outro recurso para ver nas imagens que foram registradas dos tumultos havidos nas agências bancárias, que aquelas pessoas – vá lá, a maioria delas – não são miseráveis coisíssima nenhuma, muito embora os áulicos do Governo apregoem o contrário. Miseráveis não têm como se vestir decentemente. Miseráveis não possuem celulares. Miseráveis de verdade não têm nem o que comer. Alguém aí acredita que toda essa gente que se apresenta como dependente – que palavra forte! – do Bolsa Família, vivia na miséria absoluta e dela foi resgatada por esse programa de assistência social como propagandeiam os cortesãos do Governo? Não vou nem dizer que conheço gente que possui casa de aluguel e ainda assim tem um cartão para sacar o benefício, porque se eu disser isso os benfeitores exigirão que eu prove a denúncia e eu não poderei fazê-lo; além do que, não me cabe fiscalizar tais falcatruas, não é mesmo?

Utilizado como forte peça de propaganda pelo Governo, o Bolsa Família foi alvo de um ato mesquinho e irresponsável; e provocou uma avalanche de mentiras oriundas justamente de autoridades que deveriam esclarecer a origem do boato que levou os “dependentes” da mesada governamental a correrem apavorados para os bancos. É provável que nunca venhamos a saber qual foi o real propósito do tal boato. Mas quando um Ministro da Justiça – um Ministro da Justiça, caro leitor! – vem a público fazer uma declaração a respeito do assunto – ele divulgou que uma central de telemarqueting do Rio de Janeiro teria disseminado o boato – para no dia seguinte ser desmentido por seu ministério, dá, se não uma exata medida, uma dimensão da capacidade que têm os donos do poder de falsear a verdade.

Talvez a grande lição que eu aprendi no meu tempo de faculdade foi a de que devemos sempre – sempre, sempre – desconfiar do noticiário e dos documentos que são produzidos pelos administradores públicos, porque eles não têm compromisso com a verdade verdadeira, mas sim, com uma verdade que lhes seja conveniente; e, como se sabe, verdade forjada não é verdade, é mentira.

Não se trata aqui de separar o joio do trigo. Para mim estão no mesmo patamar as autoridades que abusam de suas posições e buscam subverter a realidade; e as pessoas que recorrem a meios ilícitos para se enquadrarem no perfil dos aptos a ingressar nos programas sociais do Governo.
 
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Agora mesmo assistimos a mais um espetáculo execrável protagonizado por essa gente que não pensa em outra coisa que não seja em se dar bem ilicitamente. Poucos dias depois das passeatas que encheram as ruas deste país exigindo principalmente o fim da corrupção e do mau uso da coisa pública, eis que os presidentes da Câmara dos Deputados – não é demais lembrar que o presidente desta casa é o terceiro nome na linha sucessória da Presidência da República – e do Senado foram flagrados fazendo uso privado de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). E o que dizer do governador do Rio de Janeiro, Sérgioo Cabral, que utiliza o helicóptero do estado a seu bel-prazer, como se fosse propriedade sua? Essa gente não tem limites. Essa gente não tem escrúpulos. Essas pessoas não estão nem aí para o resto da população. O negócio delas é se aproveitarem ao máximo dos cargos que ocupam, beneficiando a elas e aos seus. Elas cometem suas arbitrariedades e delitos e, quando são pegas com a boca na botija, pensam que podem ser remidas por um singelo pedido de desculpas e pelo ressarcimento aos cofres públicos das despesas extras que lançaram aos contribuintes. Fosse o Brasil um país sério no qual as instituições figurassem como entidades que merecessem todo o respeito, pessoas como os senhores Henrique Alves e Renan Calheiros seriam definitivamente defenestradas da vida pública.


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Muitíssimo maior do que a nossa miséria material é essa ostensiva miséria moral que se disseminou de modo irrefreável por este país afora.



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