Por Clênio Sierra de Alcântara
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Estou aqui sozinho em pleno
Dia dos Namorados todo borocoxô – me encontro em baixa temporada, em
entressafra: sem namorada e sem namorado. E embalado por esta cantiga: “Ninguém
me ama, ninguém me quer/ Ninguém me chama de meu amor/ A vida passa e eu sem
ninguém...” do saudoso Antônio Maria – e com cara de paisagem. E, como todos
nós sabemos que, “mente desocupada é oficina para o Diabo”, resolvi duelar
contra o Tinhoso.
Sinto de imediato o odor
insuportável da intolerância. A brisa é
muito forte aqui onde moro. E o cheiro me chega querendo tomar todos os cômodos
da minha humilde residência. Escancaro portas e janelas. E aciono logo o
ventilador para que o olor de enxofre se dissipe rapidamente. E ainda digo
assim: “Vade retro, Satanás!”. E rio fazendo pouco da para mim inócua ameaça
luciferiana.
A artimanha é velha
conhecida de todos nós: a fala, o discurso, o texto, o protesto de indignação
principia repetindo a mesmíssima cantilena: “Eu não sou preconceituoso,
mas...”. E depois do “mas”, meus amigos, o que vem é uma série de ataques,
ofensas e julgamentos eivados do mais vil preconceito que é aquele que tenta
negar-se, afirmando-se. O senhor Silas Malafaia, o impoluto, o incorruptível, o
eleito, o bom pastor, o baluarte, o mais que sapiente senhor Silas Malafaia
que, se pudesse, se fosse detentor de superpoderes como os heróis da Marvel
baniria os homossexuais da face da Terra, odeia, tem verdadeira ojeriza contra
os gays, contra os “invertidos”, mas nega isso afirmando até que os ama (?). E
continua firme na sua cruzada ininterrupta para que a família brasileira não
seja contaminada por essas pessoas que se relacionam sexualmente com seus
iguais porque, segundo o senhor Silas Malafaia, o benigno, elas desconhecem os
verdadeiros valores cristãos.
Julgando-se defensor supremo
da moralidade e dos bons costumes da sociedade, em geral, e da comunidade
evangélica, em particular, Silas Malafaia, o magnânimo, vem lançando seus olhos
aquilinos sobre todos os aspectos da vida cotidiana a fim de detectar qualquer
“sinal de ameaça” que os degenerados homossexuais possam estar tramando contra
a manutenção da “normalidade”. Ao menor movimento suspeito, os fios de cabelo
implantados do senhor Silas Malafaia, o vaidoso, se eriçam. O Congresso
Nacional vai pôr tal e tal e tal projeto em pauta para votação?, ele se põe a
rosnar, a bradar, a convocar seus asseclas para que eles intimidem os
congressistas com protestos reais e virtuais. Um governador propôs certo
benefício social para os casais homossexuais?, ele se manifesta, dedo em riste,
dizendo impropérios contra o político.
A mais recente ofensiva do
senhor Silas Malafaia, o escolhido, foi contra O Boticário. E por quê? Porque,
querendo honestamente angariar mais consumidores para os seus produtos, a rede
de perfumaria e cosméticos pôs no ar, no último dia 24 de maio, um comercial
alusivo ao Dia dos Namorados no qual casais héteros e homossexuais aparecem
presenteando as suas caras-metades tendo “Toda forma de amor”, do Lulu Santos,
como fundo musical. Tudo bonito, correto e nada ofensivo. E o que fez o senhor
Silas Malafaia, o destemido? Subiu à sua tribuna para convocar seus cruzados e
orientá-los a não consumir os produtos d’O Boticário, porque “ela é uma das
empresas que apoiam” esse tipo de união de pessoas que atenta contra a família
tradicional.
Além de serem profundamente
arrogantes, líderes religiosos como o senhor Silas Malafaia, o incansável, são
de uma pretensão descomunal. Eles se portam como donos da verdade e creem que
são capazes de a todo momento influenciar os gostos pessoais, as vontades e o
pensar dos seus seguidores. Eu sei que toda religião abriga um contingente de
manada, de pessoas que seguem tudo sem refletir e sem questionar o seu líder;
mas, acreditar que todo e qualquer indivíduo que abraça uma doutrina religiosa
o faz para tornar-se um fundamentalista, alguém sem vontade própria que frequenta
um templo apenas para receber comandos é ser de uma ingenuidade tamanha. Silas
Malafaia, o brioso, está a todo tempo evocando os preceitos bíblicos para
disseminar o ódio, a discriminação e o preconceito contra os homossexuais,
muito embora ele negue que o faça. Eu fico me perguntando: por que tanta
aversão sente o senhor Silas Malafaia, o correto, contra os homossexuais? Será
que ele sofreu algum abuso sexual quando criança e considerou que o agressor
era homossexual? Será que ele é um enrustidão daquele tipo que se masturba
vendo vídeos pornôs gays na internet? Humm... Mistério.
Como alguém se agarra a um
livro religioso para professar tanta discriminação e tanta aversão? Qual será o
tipo de conselho que o senhor Silas Malafaia, o profeta da salvação do mundo,
oferece aos casais evangélicos que têm filhos homossexuais? Creio que ele
aconselha esses pais a levarem os filhos para tratamento clínico. Ou mantê-los
na igreja para curá-los. Ou escondê-los da vista da sociedade, como fazem
tantos que possuem filhos portadores de verdadeiras doenças e/ou deficiências mentais
e motoras. Ou, quem sabe, em último caso, deva ele sugerir que a prole
degenerada seja lançada numa fogueira santa.
Silas Malafaia, o senhor não
pode alterar a realidade e, muito menos, deter a marcha do tempo. Não adianta
grasnar com sua voz de corvo agourento e caduco contra a existência de pessoas
que têm uma vida sexual diferente da sua, porque, quer o senhor repudie,
execre, condene, rejeite, maldiga e abomine com todo o vigor de sua retórica
estúpida, feroz e patética os relacionamentos homossexuais, quer não, as coisas
vão continuar exatamente como sempre foram desde que o mundo é mundo: mulheres
vão prosseguir amando mulheres e homens vão permanecer amando homens,
constituindo famílias e fazendo sexo com muito prazer, desejo, gosto e vontade.
Sua voz pode até fazer barulho; o senhor pode até formar mais e mais
prosélitos; mas ao fim e ao cabo, não haverá nada de novo sob o sol que, como o
senhor deve muito bem saber, nasce para todos. E de nada adianta que o senhor
utilize uma Bíblia como escudo para querer impor a sua tacanha visão de mundo,
porque esse livro não torna o senhor melhor do que ninguém. A sua luta é uma
luta vã.
Bom, quem quiser que ofereça
a outra face; quem quiser que ore, reze, bata bombo, acenda vela e faça o escambau para que a alma do senhor Silas Malafaia, o inquisidor, seja salva, porque, por
mim, ele vai seguir direto para o inferno – sem fazer escalas. Amém! Amém!
Amém!
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