12 de junho de 2015

Será que Silas Malafaia, o hétero, vai para o céu?

Por Clênio Sierra de Alcântara




Enquanto isso, nas profundezas do inferno, o Diabo segue arrumando a casa para bem receber os que chegarão


Estou aqui sozinho em pleno Dia dos Namorados todo borocoxô – me encontro em baixa temporada, em entressafra: sem namorada e sem namorado. E embalado por esta cantiga: “Ninguém me ama, ninguém me quer/ Ninguém me chama de meu amor/ A vida passa e eu sem ninguém...” do saudoso Antônio Maria – e com cara de paisagem. E, como todos nós sabemos que, “mente desocupada é oficina para o Diabo”, resolvi duelar contra o Tinhoso.

Sinto de imediato o odor insuportável da intolerância.  A brisa é muito forte aqui onde moro. E o cheiro me chega querendo tomar todos os cômodos da minha humilde residência. Escancaro portas e janelas. E aciono logo o ventilador para que o olor de enxofre se dissipe rapidamente. E ainda digo assim: “Vade retro, Satanás!”. E rio fazendo pouco da para mim inócua ameaça luciferiana.

A artimanha é velha conhecida de todos nós: a fala, o discurso, o texto, o protesto de indignação principia repetindo a mesmíssima cantilena: “Eu não sou preconceituoso, mas...”. E depois do “mas”, meus amigos, o que vem é uma série de ataques, ofensas e julgamentos eivados do mais vil preconceito que é aquele que tenta negar-se, afirmando-se. O senhor Silas Malafaia, o impoluto, o incorruptível, o eleito, o bom pastor, o baluarte, o mais que sapiente senhor Silas Malafaia que, se pudesse, se fosse detentor de superpoderes como os heróis da Marvel baniria os homossexuais da face da Terra, odeia, tem verdadeira ojeriza contra os gays, contra os “invertidos”, mas nega isso afirmando até que os ama (?). E continua firme na sua cruzada ininterrupta para que a família brasileira não seja contaminada por essas pessoas que se relacionam sexualmente com seus iguais porque, segundo o senhor Silas Malafaia, o benigno, elas desconhecem os verdadeiros valores cristãos.

Julgando-se defensor supremo da moralidade e dos bons costumes da sociedade, em geral, e da comunidade evangélica, em particular, Silas Malafaia, o magnânimo, vem lançando seus olhos aquilinos sobre todos os aspectos da vida cotidiana a fim de detectar qualquer “sinal de ameaça” que os degenerados homossexuais possam estar tramando contra a manutenção da “normalidade”. Ao menor movimento suspeito, os fios de cabelo implantados do senhor Silas Malafaia, o vaidoso, se eriçam. O Congresso Nacional vai pôr tal e tal e tal projeto em pauta para votação?, ele se põe a rosnar, a bradar, a convocar seus asseclas para que eles intimidem os congressistas com protestos reais e virtuais. Um governador propôs certo benefício social para os casais homossexuais?, ele se manifesta, dedo em riste, dizendo impropérios contra o político.

A mais recente ofensiva do senhor Silas Malafaia, o escolhido, foi contra O Boticário. E por quê? Porque, querendo honestamente angariar mais consumidores para os seus produtos, a rede de perfumaria e cosméticos pôs no ar, no último dia 24 de maio, um comercial alusivo ao Dia dos Namorados no qual casais héteros e homossexuais aparecem presenteando as suas caras-metades tendo “Toda forma de amor”, do Lulu Santos, como fundo musical. Tudo bonito, correto e nada ofensivo. E o que fez o senhor Silas Malafaia, o destemido? Subiu à sua tribuna para convocar seus cruzados e orientá-los a não consumir os produtos d’O Boticário, porque “ela é uma das empresas que apoiam” esse tipo de união de pessoas que atenta contra a família tradicional.

Além de serem profundamente arrogantes, líderes religiosos como o senhor Silas Malafaia, o incansável, são de uma pretensão descomunal. Eles se portam como donos da verdade e creem que são capazes de a todo momento influenciar os gostos pessoais, as vontades e o pensar dos seus seguidores. Eu sei que toda religião abriga um contingente de manada, de pessoas que seguem tudo sem refletir e sem questionar o seu líder; mas, acreditar que todo e qualquer indivíduo que abraça uma doutrina religiosa o faz para tornar-se um fundamentalista, alguém sem vontade própria que frequenta um templo apenas para receber comandos é ser de uma ingenuidade tamanha. Silas Malafaia, o brioso, está a todo tempo evocando os preceitos bíblicos para disseminar o ódio, a discriminação e o preconceito contra os homossexuais, muito embora ele negue que o faça. Eu fico me perguntando: por que tanta aversão sente o senhor Silas Malafaia, o correto, contra os homossexuais? Será que ele sofreu algum abuso sexual quando criança e considerou que o agressor era homossexual? Será que ele é um enrustidão daquele tipo que se masturba vendo vídeos pornôs gays na internet? Humm... Mistério.

Como alguém se agarra a um livro religioso para professar tanta discriminação e tanta aversão? Qual será o tipo de conselho que o senhor Silas Malafaia, o profeta da salvação do mundo, oferece aos casais evangélicos que têm filhos homossexuais? Creio que ele aconselha esses pais a levarem os filhos para tratamento clínico. Ou mantê-los na igreja para curá-los. Ou escondê-los da vista da sociedade, como fazem tantos que possuem filhos portadores de verdadeiras doenças e/ou deficiências mentais e motoras. Ou, quem sabe, em último caso, deva ele sugerir que a prole degenerada seja lançada numa fogueira santa.

Silas Malafaia, o senhor não pode alterar a realidade e, muito menos, deter a marcha do tempo. Não adianta grasnar com sua voz de corvo agourento e caduco contra a existência de pessoas que têm uma vida sexual diferente da sua, porque, quer o senhor repudie, execre, condene, rejeite, maldiga e abomine com todo o vigor de sua retórica estúpida, feroz e patética os relacionamentos homossexuais, quer não, as coisas vão continuar exatamente como sempre foram desde que o mundo é mundo: mulheres vão prosseguir amando mulheres e homens vão permanecer amando homens, constituindo famílias e fazendo sexo com muito prazer, desejo, gosto e vontade. Sua voz pode até fazer barulho; o senhor pode até formar mais e mais prosélitos; mas ao fim e ao cabo, não haverá nada de novo sob o sol que, como o senhor deve muito bem saber, nasce para todos. E de nada adianta que o senhor utilize uma Bíblia como escudo para querer impor a sua tacanha visão de mundo, porque esse livro não torna o senhor melhor do que ninguém. A sua luta é uma luta vã.


Bom, quem quiser que ofereça a outra face; quem quiser que ore, reze, bata bombo, acenda vela e faça o escambau para que a alma do senhor Silas Malafaia, o inquisidor, seja salva, porque, por mim, ele vai seguir direto para o inferno – sem fazer escalas. Amém! Amém! Amém!

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