28 de outubro de 2016

Personas urbanas (13)

Por Clênio Sierra de Alcântara


Dizer não é dizer sim
Saber o que é bom pra mim
Não é só dar um palpite.
Dizer não é dizer sim
Dar um não ao que é ruim
É mostrar o meu limite.

                                  Dizer não é dizer sim. George Israel/Paula Toller




Também é preciso dizer não. Algumas pessoas que eu conheço bem de perto já me confessaram a dificuldade que elas têm de dizer não em várias circunstâncias: na vida afetiva, no ambiente de trabalho e, principalmente, na esfera das relações de amizade. A maioria delas me disse que o que fundamentalmente pesa na hora decisiva de dar a resposta é um receio de magoar o interlocutor, como se o não fosse sempre algo ruim e desestruturador; e, o que é pior do que o receio de magoar, se sentir culpado em desapontar o outro.

Quem age ou insiste em continuar agindo dessa maneira, como eu em outros tempos agia, sabe como é desgastante – e torturante até – dizer um sim para alguém sobre qualquer mínima coisa – emprestar dinheiro e/ou um objeto, dispor-se a realizar uma tarefa e/ou tomar o lugar da pessoa em determinada situação, etc. – e, logo em seguida, se pôr a remoer a decisão tomada, ficando numa inquietação e numa angústia que beira o arrependimento – e arrependimento, vamos combinar, é um fardo que ninguém merece carregar.

Depois de ter sofrido alguns reveses e algumas contrariedades em razão de sins que eu disse a fulano, a beltrano e a sicrano, eu passei a dizer não com uma facilidade impressionante – e sem nenhum peso na consciência, que é outro fardo indesejável do qual devemos sempre abrir mão. Um dos exercícios que eu venho praticando para o meu bem viver consiste em barrar logo e de imediato qualquer tentativa de fulano, beltrano e sicrano se aproveitarem da minha bondade. Decerto que não se pode acertar todas; mas penso que eu tenho me poupado  de constrangimentos e de aborrecimentos; e isso me deixa aliviado. Não tenho dito mais frequentemente: “Eu vou pensar no seu caso”. Julgo-me hoje com um grau de discernimento que me permite dizer logo no ato da indagação a resposta para o pedido. Por experiência própria eu sei que adiar decisões simples acaba também sendo estressante.

Quanto a isso a vida me ensinou a manter uma postura firme. A um sujeito que teve a petulância de novamente me pedir dinheiro emprestado eu disse: “Não, porque você já me deu um calote e perdeu a minha confiança”. A um outro que queria passar uns dias com um dos meus livros eu disse: Não, porque eu zelo bastante por eles e vejo o quanto que você é relaxado no cuidado para com os seus”. Eu procuro não deixar as coisas no ar e sem clareza. Dias atrás eu disse um sim acompanhado por estes termos: “Eu vou fazer isso por você, mas, desde já, fique ciente de que eu não sou de relevar deslizes e, muito menos, de dar segundas chances. Então, trate de ser correto comigo, como eu tenho sido com você”. E ponto.

Eu já disse não à vergonha pelos fracassos. Eu já disse não aos estereótipos. Eu já disse não ao politicamente correto. Eu já disse não à opressão sexual. Eu já disse não às lições de moral. Eu já disse não aos disfarces. Eu já disse não à paternidade – à minha e à do meu pai. Eu já disse não à timidez. Eu já disse não à indiferença. Eu já disse não à intimidação. Eu já disse não à hipocrisia. Eu já disse não a tentativas de chantagem. Eu já disse não à infelicidade. Eu já disse não ao preconceito. Eu já disse não ao patrulhamento. Eu já disse não à clandestinidade. Eu já disse não a alcoviteiros de plantão. Eu já disse não a propostas de sociedade em negócios – escusos ou não. Eu já disse não à insatisfação. Eu já disse não aos que me foram desleais. Eu já disse não aos pensamentos de destruição. Eu já disse não a falsas amizades. Eu já disse não à covardia. Eu já disse não a aproveitadores. Eu já disse não a quem dizia querer me abrigar em seu coração mas que tinha medo de ser o que era...

A propósito eu conversava com o meu amigo Josenildo Ferreira, o homem mais bem disposto a amar que eu conheço, e ele me disse assim: “Sierra, eu acredito que a minha dificuldade em dizer não às pessoas seja devido ao meu histórico de abandono. No meu íntimo, eu penso que se eu disser não, as pessoas vão me abandonar”. Ouvindo isso eu também lhe dei um testemunho: “Pois comigo, Ferreira, se dá justamente o contrário. Eu digo não para que coisas ruins que aconteceram na minha vida não tornem a se repetir, inclusive o abandono”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário