18 de fevereiro de 2017

De viver e celebrar

Por Clênio Sierra de Alcântara

Vida, vida, vida
Que seja do jeito que for [...]
Quero no meu peito repleto
De tudo que possa abraçar
Quero a sede e a fome eternas
 De amar e amar e amar...
                                          Maravida. Gonzaguinha.


                          Especialmente para Ernesto de Souza Andrade Júnior, o Netinho




Foto: reprodução/TV Globo     O cantor Netinho       


Eu sei que o momento é bastante propício para que se fale em alegria, descontração e tal, porque o Carnaval já está aí batendo em nossa porta. Mas não é particularmente dessa alegria passageira que eu quero falar aqui hoje; é daquela potência motivadora que a nós nos imprimimos como demonstração de nosso apego inabalável à vida, seja em que circunstância – boa ou ruim – nós estivermos.

Há quem por um motivo e outro – e às vezes por vários deles juntos – intente pôr fim à sua vida porque uma reflexão e/ou perturbação mental lhe faz pensar que viver perdeu a razão de ser. E não é difícil de compreender isso quando essa ação parte ou é desejada – não esqueçamos que existe algo chamado eutanásia e todas as discussões que ela encerra – por alguém que é acometido por doenças degenerativas, por casos de depressão crônica e de insanidade mental. Mas como entender que alguém possa ter decidido abreviar a sua vida porque perdeu o emprego ou fortuna; ou porque acabou o relacionamento afetivo; ou porque ficou sem a guarda dos filhos; ou porque foi descoberto que estava praticando fraudes; ou porque teve fotos íntimas divulgadas na internet? Não tenho cabedal nenhum para continuar especulando a respeito de algo tão complexo como a mente humana, que é um labirinto ainda não de todo conhecido.

Voltemos para a instância do apego entusiasmado à vida. Não falo de fazer de conta que tudo vai bem, que tudo é bonito e maravilhoso, porque pensar assim é alienação e escapismo da realidade. Eu falo da disposição de encarar as circunstâncias com coragem, dizendo para nós mesmos que não há alternativa: é viver ou viver. Deixar-se abater inteiramente pelas adversidades decididamente não é o melhor a ser feito, até porque elas sempre vêm.

Viver como se fosse uma obrigação deve ser um negócio tremendamente torturante, porque estar na vida essencialmente requer de nós um traquejo para lidar com uma sucessividade de ocorrências previsíveis e imprevisíveis e com um emaranhado de sentimentos bons e ruins que nos completam e nos definem. E quem maldiz a sua vida porque pensa que tudo e a todo tempo deveria ser suave e sereno e nunca tormentoso e brusco, infelizmente, é do tipo que ainda não conseguiu abrir inteiramente os olhos para perceber que viver é um conjunto de sensações e uma jornada repleta de obstáculos que temos de enfrentar por vezes com toda a força de que dispomos.

Não é incomum, muito pelo contrário, é praticamente determinante que em nosso viver estabeleçamos metas e conquistas; e que entre nessa verdadeira roda-viva aquilo que denominamos de desejo, porque o desejo, como a necessidade, é algo que nos impele a seguir adiante, que nos anima e que nos dá de alguma maneira a compreensão de que, afinal, temos muitos e variados motivos para viver – mesmo considerando que aquilo que desejamos com tanto afã às vezes pode nos fazer um mal danado. Mas, e daí?

Devo dizer a você, caro leitor, que o que me motivou a escrever este texto foi a comovente entrevista que Ernesto de Souza Andrade Júnior, o Netinho, cantor baiano de axé music, concedeu ao programa Video Show e que foi exibida na última quinta-feira. Tenho certeza de que quem, assim como eu, procura encarar a vida com ânimo, alegria e disposição para constantemente se rebelar contra os infortúnios, os preconceitos, a discriminação, o ódio, a inveja, enfim, contra a tristeza, deve ter sentido uma emoção intensa e verdadeira enquanto acompanhava o Netinho narrar a dureza que foi atravessar um longo período de internações hospitalares, passando por inúmeros exames e cirurgias. O cantor não escondeu que chegou a atentar contra a sua vida em duas ocasiões quando tamanho era o seu sofrimento e a sua inconformidade para com a situação que enfrentava. Ah, mas ele fez uso de anabolizantes e está pagando o preço por isso, como dizem alguns. Sim e quantas vezes agimos contra a saúde do nosso corpo, seja por falta de esclarecimento, seja por escolha pessoal, seja porque isso nos confere prazer, como um cigarro repleto de substâncias cancerígenas, uma bebida que consome o nosso fígado, uma droga que nos causa alucinações? Depois que eu tomei conhecimento de tudo o que se passou ver o Netinho disposto a querer retomar a carreira com uma garra e uma perseverança e uma força de superação admiráveis foi algo que me tocou muito e que só fez reforçar o meu entusiasmo para com a grande aventura que é viver. E viver com intensidade, o que é mais desafiador ainda.

Há quem tolamente insista em querer viver a vida dos outros e não propriamente a sua. Há quem diga que viver não vale o esforço. Há quem viva afugentando de si toda e qualquer ideia de alegria e felicidade. Há quem ignore a necessidade de celebrar a existência. Há quem não consiga suportar o peso de viver. Há quem acredite que exista vida para além desta vida. Há quem diariamente trame contra vidas alheias. Há quem tem como missão proteger e salvar vidas. Há quem fique esperando que a sua vida aconteça. E há quem de modo destemido, corajoso, caloroso, entusiasmador e contagiante faz a sua vida acontecer.

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