7 de setembro de 2019

Revitalização do entorno do Mercado de São José


Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: Arquivo do Autor
O reordenamento do entorno do tradicional Mercado de São José, um dos locais mais pitorescos da capital pernambucana, deve ser tomado como mais uma chance de a Municipalidade disciplinar o comércio ambulante que, muitas vezes, avança pelas artérias da cidade prejudicando e/ou dificultando enormemente a mobilidade das pessoas sem respeitar qualquer princípio legal



Sem entrar em maiores detalhes, um vendedor de frutas secas, cereais e oleaginosas, cuja barraca ficava na Travessa do Macedo, lateral esquerda do Mercado de São José, no bairro homônimo, na área central do Recife, me falou, há cerca de um ano, num dia em que eu estive em seu ponto comercial, que ele já estava com mercadorias também dentro de um box naquele Mercado, “porque há uma conversa de que vão tirar a gente daqui” – o “daqui” ao qual ele se referia era justamente o espaço da rua ocupado por dezenas de barracas e por bancos de feirantes, assim como no trecho da Rua da Praia, que fica por trás do tradicional Mercado de São José.

Travessa do Macedo: é de se esperar que a remoção e realocação dos vendedores que ocupavam de maneira desordenada essa artéria não tenha sido para dar espaço a estacionamento de carros e motos. Chega disso, de a cidade ser convertida em um amplo estacionamento!






Não acredito que se tratasse apenas de “uma conversa”; e que aquele meu conhecido vendedor, na verdade, sabia claramente que a Prefeitura Municipal do Recife havia notificado e feito saber com antecedência que todos os ocupantes de barracas e os feirantes seriam removidos daquela área. No último sábado, conforme fora anunciado pela imprensa, funcionários da Municipalidade iniciaram o trabalho de remoção de tudo o que era considerado ocupação irregular do espaço público, ou seja, tudo o que se via naqueles logradouros.

Carro de som que na ocasião de minha visita ao local fazia saber aos desavisados das mudanças que foram feitas no comércio de rua daquela área. Atrás do carro, o sobrado que está abrigando os vendedores de ervas, defumadores e demais produtos consumidos principalmente pelos adeptos das religiões de matriz africana




Ao que parece, o funcionário da Prefeitura que vemos nesta foto abordou o motociclista para dizer da proibição de circulação na área que, como vemos lá atrás, estava com cavaletes



Na manhã da segunda-feira, por volta das 09:30 h, eu percorri todo o entorno do Mercado de São José com os olhos arregalados de espanto, porque, a não ser em bancos de imagens, pessoalmente eu não conhecia aquele cenário desprovido daquela ocupação desordenada. Na ocasião da minha visita, além de fiscais da Secretaria de Mobilidade que estavam ali certamente para coibir a presença de eventuais vendedores ambulantes, havia homens lavando as calçadas e as ruas. E, claro, ainda eram visíveis os restos das bases de tijolos revestidos de cerâmica sobre as quais as barracas eram assentadas.









Naquela manhã que principiara com bastante chuva na capital – que toró danado em pleno setembro! -, eu fui até aquela parte do velho e maltratado e cobiçado bairro de São José para ver se a remoção realmente se concretizara e para comprar castanha-do-pará. Um dos atendentes do estabelecimento no qual eu entrei comentou que durante a retirada das barracas o que mais se viam eram insetos e roedores: “Rato e barata era boia aqui. Só o senhor vendo”, ele me disse. Já a mulher que me atendeu no caixa lamentou que, àquela hora, o movimento estivesse fraco como ela nunca vira: “Muitas pessoas que vinham pra cá era por causa da feira. Elas faziam uma viagem só. Agora que a feira foi pra longe, não sei como vai ficar aqui”, ela completou desanimada. Cheguei a comentar que ainda era cedo, que chovera forte e que certamente o pessoal iria começar a aparecer, quem sabe até mais gente do que antes. As minhas palavras em nada alteraram a cara de desânimo da criatura.











No dia seguinte, logo depois de eu almoçar na Rua da Imperatriz, no bairro da Boa Vista, eu fui novamente conferir como estavam as coisas por ali. O burburinho sobre as mudanças continuavam na boca de uns e outros. Fiscais da Municipalidade permaneciam vigilantes na área. Um carro de som fazia saber aos desavisados que os vendedores de frutas e verduras e de outros produtos estavam agora ocupando um grande espaço construído pela Prefeitura no Cais de Santa Rita, bem pertinho dali. Afora o carro de som, faixas faziam também anúncio das mudanças. 










Naquela terça-feira o movimento de clientes nos estabelecimentos localizados no entorno do secular Mercado de São José já era intenso, inclusive, de turistas. E só naquela tarde foi que eu verifiquei que a Municipalidade instalara os vendedores de ervas, defumadores e de uma porção de produtos bastante comuns nas cerimônias e rituais da umbanda e do candomblé, que ocupavam aquele trecho da Rua da Praia, num bonito sobrado bem defronte ao Mercado e naquela mesma artéria, ou seja, eles, os vendedores, só foram retirados da rua, mas continuaram no endereço no qual durante anos comercializavam as suas mercadorias.


É verdade que vários dos antigos sobrados e prédios simples do entorno do Mercado de São José tiveram não apenas os seus interiores como também as suas fachadas deformadas. A remoção das barracas e dos bancos dos feirantes possibilitou ao transeunte enxergar edificações que estavam em grande parte escondidas






Processos de reordenamento de espaços públicos, principalmente quando eles são/estavam sendo ocupados de maneira irregular, sem obedecer às leis municipais de uso e ocupação do solo, quase sempre causam celeumas, porque os infratores veem o trinômio remoção+reordenamento+limpeza=exclusão. Mas não há o que se discutir, porque, tal qual nas nossas casas, no espaço público também existem regras, sejam elas de ocupação, de convivência e/ou de uso. O espaço público, por ser público, não deve, por outro lado, ser visto como uma terra de ninguém. Muitos vendedores informais não querem apenas se fixar em determinados espaços; muitos tratam logo de deformá-los, não se importando se estão obstruindo a passagem de pedestres ou desobedecendo a leis, ou se estão contribuindo para a degradação dos cenários que ocupam.









Regras de ocupação do espaço público, todos nós sabemos, devem valer para a população de um modo geral; e não era ordenamento urbano o que até a semana passada se via no entorno do Mercado de São José, muito pelo contrário, era o desordenamento em grau muitíssimo elevado. A Praça Dom Vital, por exemplo, perdera completamente a funcionalidade de lazer e de espaço de convivência, convertida que fora numa feira livre permanente. Muito lixo, muita bagunça, enfim, era o caos que reinava ali. E a Prefeitura do Recife ainda não completou o serviço na área, porque falta remover as inúmeras barracas de roupas, calçados e utensílios domésticos que ocupam a calçada da Rua do Porão, na lateral direita do Mercado de São José.


Uma das coisas mais interessantes que o reordenamento urbano daquele pedacinho do bairro de São José proporcionou ao transeunte foi a possibilidade de ele poder enxergar vistosas fachadas de alguns dos antigos prédios que existem ali e que as barracas em grande parte escondiam.


Basílica de Nossa Senhora da Penha e Praça Dom Vital: até o mês passado esse cenário estava permanentemente ocupado por uma feira livre. Era um horror. A praça sumira, por assim dizer. Agora, como eu vi na última terça-feira, ela voltou a ser um espaço de lazer e de convivência com a livre circulação de pessoas que até passaram a se sentar em seus bancos novamente






 






Pelo que eu vi na tarde da terça-feira, parece que parte dos vendedores de frutas, legumes e verduras que foram retirados dali passaram a vender seus produtos na já caótica Av. Dantas Barreto – trecho que vai da esquina da Rua Nova até a esquina da Av. Nossa Senhora do Carmo – e na Av. Guararapes, no bairro de Santo Antônio. Sobre este aspecto específico, a Prefeitura do Recife poderia promover, tal qual ocorre na cidade do Rio de Janeiro e em São Luís do Maranhão, um circuito itinerante de feiras livres, daquele tipo tradicional das feiras livres nordestinas, em que os bancos e as barracas dos vendedores ocupam determinados espaços apenas temporariamente. Em São Luís, como no Rio de Janeiro, a Municipalidade se encarrega de transportar, montar e desmontar os bancos e barracas ao longo da semana em diferentes bairros da cidade, de modo que, todos os dias, uma feira livre está em funcionamento em algum bairro. Na capital maranhense, por exemplo, eu vivenciei uma experiência para mim até então inédita: circulei por uma feira livre cujo ápice do movimento ocorre à noite, no bairro da Praia Grande. Não é legal isso? Quem sai do trabalho pode frequentar uma feira livre que acontece à noite.


A Municipalidade também fará a remoção dessas barracas localizadas na Rua do Porão. Quando isso acontecer, o entorno do Mercado de São José estará livre de todo o comércio informal que durante anos o deformou 
  






Outra coisa que me chamou a atenção naquela tarde foi a presença de muitas motos e de pelo menos três carros estacionados na Travessa do Macedo. Será que a Municipalidade recifense retirou o comércio informal daquela área para que ela passasse a ser ocupada como estacionamento? Quero crer que não.


Andar, andar: é claro que não se pode ser inteiramente contra o comércio informal, ainda mais num cenário socioeconômico no qual mais de 12 milhões de pessoas estão desempregadas. Agora outra coisa é permitir que as regras de uso e ocupação do solo sejam ignoradas e a cidade se converta em terra de ninguém



Não duvido que os críticos do reordenamento urbano que a Prefeitura do Recife por ora anda empenhada em fazer no entorno do Mercado de São José dirão que, também ali, o que a Municipalidade anda fazendo é um processo de limpeza e arrumação tendo em vista o grande empreendimento imobiliário privado que daqui a alguns dias começará a erguer torres de altura estonteante não muito distante dali. A meu ver a Municipalidade acertou em cheio ao reordenar um espaço tão bonito como aquele do bairro de São José, um bairro que tem sido alvo, quase que em igual medida, de uma degradação e de um abandono em larga escala e de uma feroz e incansável especulação imobiliária que vê e que toma justamente a degradação e o abandono como justificativas maiores para reocupá-lo.

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