Por Sierra
Desde que, ainda na época da minha graduação no curso de bacharelado em História, eu comecei a me interessar pelos temas da história da formação das cidades e pelas políticas de proteção do patrimônio histórico edificado; desde que eu tratei de organizar a minha biblioteca particular com obras que abordam tais assuntos; e desde que eu tive condições de ir além de uma cultura apenas livresca e passei a viajar para ir conhecer cidades que eu só via em livros e revistas especializados, eu tratei de visitar e circular por lugares que me pusessem em contato direto com diferentes realidades de promoção, conservação, proteção e uso do nosso patrimônio histórico edificado.
Para além do Recife, Olinda, Igaraçu, Paudalho, Goiana e da Ilha de Itamaracá, onde eu moro, aqui em Pernambuco, eu já visitei cidades históricas, com acervos imóveis tombados pela Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na Paraíba, na Bahia, em Alagoas, no Rio Grande do Norte, em Minas Gerais, no Maranhão, no Amazonas, no Pará, no Distrito Federal, em Goiás, em Sergipe e no Rio de Janeiro. E, em cada um desses lugares, eu me deparei com realidades que me encheram de satisfação e de regozijo e, também, com quadros inteiramente lamentáveis e tristes que me faziam perguntar a mim mesmo onde é que estava o Iphan, onde é que estavam os órgãos do poder público que não conseguiam impedir que tantas casas e tantos sobrados ficassem em estado de abandono e ruína, prestes a desabar e desaparecer dos cenários onde eles foram erguidos.
Ai de nosso patrimônio histórico e artístico se não existissem os órgãos de proteção das esferas federal, estadual e municipal para lutar por sua proteção e permanência, porque não são poucos os seus inimigos, indivíduos que fazem de tudo para, como é o caso específico do patrimônio edificado, deixá-los arruinados para que eles desabem no próximo temporal, porque, se é bem verdade que existem proprietários de imóveis localizados em áreas de preservação rigorosa que não dispõem de recursos financeiros para promover a manutenção e a conservação da edificação seguindo o que determinam as leis de proteção, também é verdade que não são poucos os indivíduos endinheirados, proprietários de algum ou de alguns desses imóveis que nada fazem para a proteção e a conservação desses bens com suas características construtivas e arquitetônicas, porque, o que eles real e verdadeiramente querem e ambicionam é fazer outro tipo de investimento no terreno, seja eles mesmos ocupando o espaço do prédio com outra edificação ou simplesmente vendendo o terreno para uma grande construtora erguer apartamentos de alto padrão, visto que, em alguns casos, áreas de centros históricos e/ou antigos das cidades são muito valorizados e cobiçados pelos mercados imobiliários e comerciais, inclusive, por proprietários de estacionamentos de automóveis.
Anteontem, no centro da cidade do Rio de Janeiro, num perímetro onde existem vários edifícios antigos, na esquina da Rua Senador Pompeu com a Rua Visconde da Gávea, um enorme sobrado de dois andares, que é tombado pela Municipalidade, desabou parcialmente e provocou a morte de um homem que estava dentro de um carro estacionado na Rua Senador Pompeu.
De acordo com o que foi divulgado pela imprensa, o proprietário do sobrado já tinha sido notificado pela Defesa Civil, que esteve no local em 2023 e 2024; as notificações se deram por conta do estado de abandono do imóvel. Ou seja, o cidadão não estava nem aí para as ações do poder público. E isso é muito mais comum do que você imagina, como deixam ver edificações caindo aos pedaços em cidades como Natal, Belém, Recife, Laranjeiras, Salvador e outras mais.
Contando, talvez, com uma provável falta de fiscalização e com a cultura da impunidade que norteia a sociedade brasileira, muitos proprietários de imóveis localizados em centros históricos desdenham notificações e multas e fazem o que bem querem nos edifícios e/ou nada fazem, para que eles atinjam um estado de ruína tal que o melhor a se fazer é demolir o imóvel. Eu vi obra embargada pelo Iphan em Alcântara (MA). Em João Pessoa, do prédio onde funcionou o Hotel Luso-brasileiro, no bairro do Varadouro, restam apenas algumas paredes de pé. No Bairro do Recife sobrados exibem em suas fachadas marcas denunciadoras do seu abandono. Na cidade de Areia (PB), que é patrimônio histórico cultural nacional, a Prefeitura Municipal destruiu parte de um piso de mais de 200 anos do Casarão José Rufino, em janeiro do ano de 2023: destaque-se isto: a Municipalidade não contatou os técnicos do Iphan antes de iniciar as obras criminosas; e estava ocupando, por cessão, um prédio que pertence ao Tribunal de Justiça da Paraíba.
Por este país afora são vários e gritantes os casos de edificações históricas que estão entregues à própria sorte, ameaçando a vida de pessoas que circulam nos seus entornos e aguardando o dia em que desaparecerão para sempre do cenário urbano e ficarão "eternizadas" nas páginas dos sites de notícias e perambulando por aí na velocidade e frivolidade das redes sociais.
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