4 de outubro de 2010

Fachadas

Por: Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: Ernani Neves                     Pátio do Livramento


             
Não posso negar: eu sou um flâneur. Ou pelo menos penso sê-lo. Em "O flâneur", Walter Benjamin descreve essa quase entidade urbana. Ele é aquela criatura para quem a “rua se torna moradia”; e que, “entre as fachadas dos prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes”. Se eu não sou em essência um flâneur – confesso que tem dias em que percorro as ruas das cidades com uma velocidade veicular, sem o vagar manso e descompromissado típico da flânerie -, eu devo ter algo de um.



Rua Imperatriz Tereza Cristina

Pátio do Livramento


Entre os muitos elementos que constituem o cenário urbano, as fachadas de seus prédios são, talvez, aqueles que mais me fascinam. Os meus olhos buscam-nas como quem se vê diante de uma pintura. Um estudioso enxerga nelas estilos arquitetônicos, modismos artísticos de uma determinada época; examina com acuidade os materiais que as constitui. Já o flâneur olha as fachadas à procura do belo, do inusitado, do inesperado – há toda uma fetichização em sua mira contemplativa.



Pátio do Livramento



Numa cidade cujo processo de degradação caminha, sob certos aspectos, a passo de gigante, o fato de uma lei que visa à remoção do excesso de publicidade irregular dos principais corredores de tráfego do Recife estar sendo firmemente posta em vigor, é algo realmente digno de aplausos.

Antes, fugindo a qualquer regulação da Diretoria de Controle Urbano (Dircon), comerciantes e empresas de propaganda ocupavam a seu bel-prazer espaços e fachadas prediais com placas de publicidade irregulares e, não raro, superdimensionadas.



Rua do Hospício

Rua do Hospício


Ao que parece inspirada numa medida que entrou em vigor em janeiro de 2007, na capital paulista, dentro do projeto Cidade Limpa, que buscou eliminar todo tipo de propaganda do espaço público – outdoors, faixas, painéis eletrônicos, banners – e redimensionar letreiros e totens de estabelecimentos comerciais, a lei recifense nº 17.521, de 2008, ambiciona alcançar os mesmos objetivos do que se pretendeu em São Paulo.




Rua do Hospício



O efeito que essa lei está provocando em algumas vias da capital pernambucana é mesmo de encher os olhos. A despoluição visual tem permitido que traços arquitetônicos e aspectos outros dos edifícios, que antes estavam escondidos atrás de um sem-número de placas e outros tipos de propaganda, sejam descobertos e/ou redescobertos pelos passeantes dessas artérias.




Rua Floriano Peixoto/ Praça Joaquim Nabuco
Rua do Imperador Dom Pedro II




Como se sabe nenhuma metrópole está livre de conflitos entre o bem comum e os interesses comerciais; algo que não se resume aos anúncios publicitários, mas também à restauração e à padronização da altura de prédios, de praças e demais espaços públicos.




Rua Floriano Peixoto/ Pç. Joaquim Nabuco


A partir do momento em que marcos legais, como a Lei de Uso e Ocupação do Solo, não são respeitados e a Municipalidade não intervém coibindo os abusos, o crescimento urbano desordenado mina toda e qualquer iniciativa que vise a busca de melhorias para o habitante da urbe. As placas exageradas, os outdoors fora de lugar, não constituem tão-somente poluição visual; assim como as barracas que ocupam desordenadamente vários logradouros da área central da capital, elas denigrem a paisagem urbana. Não é demais dizer que a Dircon precisa também determinar que, juntamente com a adequação das placas indicativas das lojas e demais estabelecimentos comerciais, seja exigido que as fachadas, antes cobertas, passem ao menos por uma pintura. 





 
Certa feita Joseph Rykwert, professor de História da Arte da Universidade da Pensilvânia, declarou: “O sucesso de uma cidade não deve ser medido pelo seu crescimento econômico, e sim pela capacidade de fazer com que seus habitantes se sintam comprometidos com ela”.
Agora eu vou embora, porque as ruas estão a me esperar.

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