4 de outubro de 2010

Pardieiros? Que pardieiros?!


Por: Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves             Av. Martins de Barros vista da Ponte Maurício de Nassau
           
Em diferentes épocas de suas histórias, grandes cidades brasileiras detentoras de casario que remontam aos períodos Colonial e Imperial, como o Rio de Janeiro, São Luís e o Recife, só para ficarmos nesses exemplos, viram esse patrimônio ganhar epítetos os mais medonhos – “pardieiros”, “prédios velhos”, “sinais de atraso”, “propagadores de doenças”, “obstáculos para o progresso”, etc. -, dados e postos nos discursos daqueles governantes que tinham, em suas pranchetas, algum projeto de remodelação urbana.

Rua do Bom Jesus

Rua José Mariano

Rua José Mariano


O advento da República neste país foi pródigo nisso, porque buscou-se disseminar, em âmbito nacional, a noção de que era preciso sepultar, apagar e destruir os sinais e vestígios do ancien régime, a fim de que a nação pudesse ingressar, de fato, na modernidade.


Rua da Moeda

Rua Tomazina
Sob essa perspectiva as grandes cidades foram os espaços mais atacados por essa fúria à la Haussmann, que não poupava “sentimentalismos provincianos” e nem “arroubos passadistas”.
Rua Mariz E Barro
Dentro desse quadro, a grande obra de remodelação do Rio de Janeiro, durante a administração do prefeito Francisco Pereira Passos (1902-1906), representou como que um modelo a ser seguido por outras capitais. O barulho das picaretas do “bota-abaixo” do Rio ressoou em diferentes pontos do país durante todo o século XX, atropelando até mesmo as políticas de preservação do patrimônio que, muito tardiamente, foram surgindo – o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por exemplo, só foi criado em 1937 – em nível federal e estadual.

Rua Velha



 
Atualmente não se veem mais discursos “higienistas” e “modernizantes” sendo alardeados por aqueles que enxergam nos prédios antigos das cidades um obstáculo ao seu desenvolvimento. Agora, o que prevalece, é a “política do descaso”, do “isso não me pertence”, do “não tenho dinheiro para fazer a manutenção”. De modo que, entregues à própria sorte – quem pode negar que o objetivo precípuo desse desleixo é ver o edifício atingir um grau tal de deterioração que chegue ao ponto de ser mesmo necessário demoli-lo, para que no local se erga “um grande lançamento imobiliário”? -, sobrados de belas feições estão em iminência de desaparecer da paisagem multissecular do Recife.

Rua Primeiro de Março
Av. Martins de Barros
Em pelo menos seis das principais vias integradas no núcleo primitivo da capital pernambucana – Av. Martins de Barros, Rua 1º de Março e Rua do Imperador (bairro de Santo Antônio), Rua da Aurora e Rua Velha (bairro da Boa Vista) e Rua do Bom Jesus (Bairro do Recife) – encontramos sobrados abandonados e em risco de ruírem. Ao que parece nem o executivo municipal e nem o estadual estão atentos ao fato do valor que tem esses sobrados para a história do desenvolvimento urbano recifense. No trecho da Av. Martins de Barros e da Rua do Imperador, em particular, estão localizados aqueles que são os derradeiros exemplares de um tipo de sobrado bem estreitinho que, na feliz expressão de Gilberto Freyre, parecem estar grudadinhos, como pessoas que se juntam para sair numa fotografia.

Rua Mariz E Barros

Rua Tomazina

Desrespeito à fisionomia da cidade; e uma como que emasculação de seus aspectos mais vigorosos, o abandono e deterioração desses prédios constituem, ainda, um dos capítulos mais tristes do processo de degradação por que vem passando o Recife.
Rua do Bom Jesus
Por que a Municipalidade e/ou o Governo estadual não adquirem tais imóveis e instalam neles repartições públicas? Por que os instrumentos legais não conseguem fazer com que seus proprietários promovam sua recuperação, afinal, esses prédios, assim abandonados e em vias de desabarem, não representam, também, um risco para a população que transita nos seus entornos diariamente?

Rua Tomazina


Em tese o meu ofício não me permite tecer comentários parciais a respeito de assuntos de ordem histórica. Mas eu não consigo me furtar aos meus sentimentos de adoração ao Recife. Não foi apenas a respeito de um traço da história do Recife que eu tratei neste artigo. Não foi somente um aspecto de sua paisagem histórica que eu busquei descrever. Foi, também, e, principalmente, a descrição de uma paisagem sentimental que me é muito cara.
Rua Velha
(Com o título "Cidade e História" o mesmo artigo foi publicado em O Monitor [Garanhuns],  30 de outubro de 2010, Opinião, p. 02).


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