31 de maio de 2012

Retrocesso em Olinda


Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves


A salvaguarda e a preservação contínua do patrimônio histórico e artístico no Brasil sempre enfrentou dificuldades para se manter ativa. Muito embora o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e os órgãos estaduais criados com vistas a proteger patrimônios não contemplados pela avaliação rigorosa daquela instituição vinculada ao Ministério da Cultura permaneçam atuando bravamente, nós outros que acompanhamos, seja como estudiosos do assunto, seja como leitores de notícias que enfocam o tema, seja, enfim, como turistas e/ou simples curiosos que visitam áreas e edifícios tombados por algumas dessas instituições, continuamos nos deparando com situações que, francamente, meu caro leitor, nos fazem questionar a propalada vigilância que tais instituições e fundações dizem manter com relação a esse patrimônio.






É fato incontestável que o orçamento nanico do Iphan não dá conta de promover a manutenção do tanto que há para preservar por esse país afora. A dificuldade para angariar verbas que viabilizem obras de restauro e/ou ações emergenciais ocasionadas por algum sinistro, como enchentes e incêndios, muitas vezes faz com que o bem tombado atinja um grau tamanho de deterioração, que orçamentos iniciais precisam ser largamente aumentados, o que só piora a situação. Sempre digo que medidas que promovem a manutenção contínua de dado patrimônio histórico e artístico saem bem mais baratas do que as operações que chegam quando esses bens já estão bastante degradados – claro, os eventos provocados por sinistros são casos à parte.


 Em que pese a boa vontade de associações da sociedade civil no que diz respeito à fiscalização do que está se fazendo e/ou deixando de ser feito para promover a proteção dos bens tombados, ainda é muito comum, neste país, encontrar vozes que sustentam discursos que vão de encontro às diretrizes que norteiam a atuação daqueles órgãos. Isso porque, lamentavelmente, é fácil difundir no seio de uma população que, no geral, não tem familiaridade com a temática “patrimônio”, ideias como a que diz que “prédios velhos” só atrapalham o progresso das cidades; e que a conservação deles consome recursos que poderiam ser “melhor empregados”.

Fiz todo esse preâmbulo para falar de um caso particular que vem me inquietando há semanas.



Faz quatro anos que o local conhecido como Largo do Varadouro, no sítio histórico de Olinda, passou por uma ação revitalizadora fruto de uma parceria entre o Programa Monumenta, do Ministério da Cultura, e a Prefeitura Municipal. A revitalização promoveu tratamento paisagístico, a ampliação da praça com instalação de mobiliário urbano – com características arquitetônicas do período entre o século XVII ao XX -, a reforma do estacionamento e a implementação de sistemas de drenagem e iluminação. Quem acompanhou o processo verificou que o local ganhou, de fato, outro encanto. E, a meu ver, foi o sistema de iluminação ali implantado que conferiu a maior graça ao ambiente, porque a fiação dos postes e das luminárias foi embutida, ação essa que há tempos venho defendendo como diretriz para todos os sítios históricos, porque, em certos lugares, a profusão de fios interligados aos imóveis, além de enfear os espaços, atrapalham a visibilidade dos edifícios. O custo total da obra foi de aproximadamente R$ 523.000,00.






Transcorridos apenas quatro anos – a obra foi entregue à população no dia 17 de setembro de 2008 -, eis que aquela ação revitalizadora sofreu um retrocesso: foram implantados três postes de concreto e cinco de ferro, com fiação exposta, em meio aos que já existiam. Salvo engano, isso ocorreu antes do Carnaval deste ano. Não sei por que isso foi feito. Também não sei se o Iphan chegou a ser consultado para tanto. O fato é que mais uma vez assistimos ao descaso para com o patrimônio histórico. E não foi só a implantação de tais postes que deformou e vem deformando o projeto revitalizador. Há pelo menos dois anos placas de revestimento da calçada do bar Ponto Central foram arrancadas e ficou por isso mesmo – sem falar que, águas servidas desse mesmo estabelecimento, continuam escorrendo na passagem dos pedestres, sem que a Municipalidade tome qualquer providência. Além disso, praticamente todas as luminárias que encimam a balaustrada que contorna um trecho do chamado Canal da Malária foram destruídas.




O caso do Largo do Varadouro é apenas um item de um rol de problemas; e um exemplo da falta de cuidado para com o patrimônio histórico que se encontra em Olinda. Dado o fato de que, como eu disse no segundo parágrafo deste artigo, os órgãos responsáveis pela salvaguarda desses bens não têm em mãos vultosos recursos financeiros, é de se esperar que a realização de eventuais serviços, como o que foi levado a cabo nessa cidade pernambucana, mereça a contrapartida da manutenção. Vejo como um verdadeiro acinte, para dizer o mínimo, o ato de instalação de postes na tal área recuperada.



Enquanto escrevia essas linhas recordei a figura sempre diligente e talentosa de Aloísio Magalhães; bem como os seus textos que compõem o livro E Triunfo?: a questão dos bens culturais no Brasil, que herdei de outro Magalhães de saudosa memória, Braz Magalhães Filho. Lembrei do empenho de Aloísio em reunir documentos que pudessem fazer com que a UNESCO reconhecesse o sítio histórico de Olinda como Patrimônio Cultural da Humanidade. Quem conhece essa história sabe que o grande designer brasileiro morreu sem fazer pessoalmente a entrega dos papéis, tarefa essa que acabou sendo realizada por Marcos Vinicios Vilaça. Olinda logrou receber o título almejado. Isso ocorreu há exatamente trinta anos. Faz trinta anos que o sítio histórico de Olinda enfrenta com galhardia o descaso e a indiferença de muitos para com a conservação e proteção de um patrimônio que, como ratificou a UNESCO, não é só dos olindenses e dos pernambucanos, mas de toda a humanidade.





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