Por Clênio Sierra de Alcântara
Desde que houve o anúncio da
criação de uma denominada Comissão Nacional da Verdade, com vistas a investigar
crimes cometidos por agentes do Estado – e por militantes de grupos de esquerda
também, espera-se – no período de 1946 a 1988, setores da sociedade brasileira
têm trocado acusações e levantado questionamentos quanto à real necessidade
e/ou eficácia de tal Comissão, que acabou sendo instalada pela Presidente Dilma
Rousseff no dia 16 de maio passado, numa cerimônia que contou, entre outros,
com ex-presidentes da República e com os comandantes da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica.
Certa feita, François Guizot
declarou que, sob efeito de uma crise violenta, os povos podem momentaneamente
negar seu passado, “mas não conseguiriam esquecê-lo, nem desligar-se dele por
muito tempo e de forma absoluta”. Foi com essa luz sobre a avaliação do
passado, lançada por Guizot, que eu me peguei refletindo enquanto acompanhava
as discussões em torno do exercício a ser levado a cabo pelos membros da
Comissão da Verdade. Como muitos dos agentes – de ambos os lados – que atuaram
no período em questão ainda estão vivos e cada qual se arvorando como “donos da
verdade”, o trato com esse passado da história recente do país tem, por vezes,
resvalado para o campo da incoerência, para não dizer da insanidade pura e
simples.
É fato incontestável que, em nome
de ideologias, de dogmas religiosos, de preconceitos de toda ordem e da
satisfação pessoal, sob ordens expressas ou por iniciativa individual, os
homens somos capazes de perpetrar ações as mais vis e inimagináveis. O período
da Ditadura Militar – também denominada por alguns de Revolução -, que vai de 1964 a 1985, continua sendo
um dos capítulos inacabados da história do Brasil. Muito do que ocorreu nesse
período permanece envolto por uma bruma muito espessa que faz com que fatos e
personagens não venham à tona, não deem seu testemunho, não mostrem a cara.
Sim, sobre o período em questão,
existe uma bibliografia que é até considerável. Nos últimos anos houve como que
um boom de obras enfocando os 21 anos em que vigorou o regime militar neste
país. Como jovem historiador que estuda alguns acontecimentos ocorridos naquele
período, tenho de declarar aqui que, ainda temos muito o que descobrir, ainda
temos muito o que saber sobre esse tempo. E uma das missões da tal Comissão da
Verdade, penso eu, será tentar fazer com que mais fatos e/ou documentos cheguem ao
conhecimento da sociedade, porque nenhum povo deve ignorar o seu passado, nem ser
privado de conhecê-lo.
É evidente que, embora já se
saiba que não haverá punições judiciais – claro que, do julgamento da história,
eles não escaparão – para os que forem apontados como infratores – a Lei da
Anistia, de 1979, não será revogada -, muitos deles, ainda assim, não querem
ver seus nomes como autores desta ou daquela atrocidade, daí por que a grita
começou logo cedo. Mesmo que seja a contragosto de muitos, deve a Comissão da
Verdade realizar o seu trabalho em prol da sociedade como um todo.
Espero que a Comissão da Verdade
não caia na tentação de ignorar fatos tendo em vista os grupos de interesses
que certamente buscarão pressioná-la com o intuito de, em vez da verdade, que
sejam divulgadas meias verdades. Penso que ela não deve se importar com a troca
de acusações entre a direita e a esquerda – já repararam que o comportamento de
cada um deles é se mostrar como sendo menos sanguinário que o outro? – e nem
duelar contra certos órgãos da imprensa que insistem em atuar como a voz da
verdade.
Tenho ouvido alguns absurdos do
tipo: “Já faz tanto tempo. Não sei para quê que vão mexer nisso. Não vão
descobrir nada”. E olhem que eu ouvi isso de uma pessoa superesclarecida. Sob
tal raciocínio o passado é reduzido a um tempo morto. Para todos esses que
apelam para a grandeza do presente em nome de uma suposta insignificância do
passado, eu trago sempre as palavras precisas do filósofo Walter Benjamin
contidas no ensaio “Sobre o conceito da História”: “Nada do que um dia
aconteceu pode ser considerado perdido para a história”.
Irmãos, é preciso coragem!
Nenhum comentário:
Postar um comentário