8 de junho de 2012

Sem meias verdades


Por Clênio Sierra de Alcântara




Desde que houve o anúncio da criação de uma denominada Comissão Nacional da Verdade, com vistas a investigar crimes cometidos por agentes do Estado – e por militantes de grupos de esquerda também, espera-se – no período de 1946 a 1988, setores da sociedade brasileira têm trocado acusações e levantado questionamentos quanto à real necessidade e/ou eficácia de tal Comissão, que acabou sendo instalada pela Presidente Dilma Rousseff no dia 16 de maio passado, numa cerimônia que contou, entre outros, com ex-presidentes da República e com os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

Certa feita, François Guizot declarou que, sob efeito de uma crise violenta, os povos podem momentaneamente negar seu passado, “mas não conseguiriam esquecê-lo, nem desligar-se dele por muito tempo e de forma absoluta”. Foi com essa luz sobre a avaliação do passado, lançada por Guizot, que eu me peguei refletindo enquanto acompanhava as discussões em torno do exercício a ser levado a cabo pelos membros da Comissão da Verdade. Como muitos dos agentes – de ambos os lados – que atuaram no período em questão ainda estão vivos e cada qual se arvorando como “donos da verdade”, o trato com esse passado da história recente do país tem, por vezes, resvalado para o campo da incoerência, para não dizer da insanidade pura e simples.

É fato incontestável que, em nome de ideologias, de dogmas religiosos, de preconceitos de toda ordem e da satisfação pessoal, sob ordens expressas ou por iniciativa individual, os homens somos capazes de perpetrar ações as mais vis e inimagináveis. O período da Ditadura Militar – também denominada por alguns de Revolução -, que vai de 1964 a 1985, continua sendo um dos capítulos inacabados da história do Brasil. Muito do que ocorreu nesse período permanece envolto por uma bruma muito espessa que faz com que fatos e personagens não venham à tona, não deem seu testemunho, não mostrem a cara.

Sim, sobre o período em questão, existe uma bibliografia que é até considerável. Nos últimos anos houve como que um boom de obras enfocando os 21 anos em que vigorou o regime militar neste país. Como jovem historiador que estuda alguns acontecimentos ocorridos naquele período, tenho de declarar aqui que, ainda temos muito o que descobrir, ainda temos muito o que saber sobre esse tempo. E uma das missões da tal Comissão da Verdade, penso eu, será tentar fazer com que mais fatos e/ou documentos cheguem ao conhecimento da sociedade, porque nenhum povo deve ignorar o seu passado, nem ser privado de conhecê-lo.

É evidente que, embora já se saiba que não haverá punições judiciais – claro que, do julgamento da história, eles não escaparão – para os que forem apontados como infratores – a Lei da Anistia, de 1979, não será revogada -, muitos deles, ainda assim, não querem ver seus nomes como autores desta ou daquela atrocidade, daí por que a grita começou logo cedo. Mesmo que seja a contragosto de muitos, deve a Comissão da Verdade realizar o seu trabalho em prol da sociedade como um todo.

Espero que a Comissão da Verdade não caia na tentação de ignorar fatos tendo em vista os grupos de interesses que certamente buscarão pressioná-la com o intuito de, em vez da verdade, que sejam divulgadas meias verdades. Penso que ela não deve se importar com a troca de acusações entre a direita e a esquerda – já repararam que o comportamento de cada um deles é se mostrar como sendo menos sanguinário que o outro? – e nem duelar contra certos órgãos da imprensa que insistem em atuar como a voz da verdade.

Tenho ouvido alguns absurdos do tipo: “Já faz tanto tempo. Não sei para quê que vão mexer nisso. Não vão descobrir nada”. E olhem que eu ouvi isso de uma pessoa superesclarecida. Sob tal raciocínio o passado é reduzido a um tempo morto. Para todos esses que apelam para a grandeza do presente em nome de uma suposta insignificância do passado, eu trago sempre as palavras precisas do filósofo Walter Benjamin contidas no ensaio “Sobre o conceito da História”: “Nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história”.

Irmãos, é preciso coragem!

Nenhum comentário:

Postar um comentário