Por Clênio Sierra de Alcântara
Fotos: Ernani Neves |
Embora eu tenha nascido e sido criado numa cidade que está inserida na Região Metropolitana do Recife, a referência da capital era algo que se apresentava como se estivéssemos bem distantes dela; de modo que, ontem, muitíssimo mais do que hoje, ao nos referirmos a ela costumávamos dizer que íamos à “cidade” sem nem precisarmos anunciar o seu nome. A palavra “cidade” era, por assim dizer, sinônimo de Recife, de capital.
No meu tempo de menino - dentro do universo limitado pela condição social em que eu vivia - ir à “cidade” era um grande acontecimento. Pois era lá que existiam as grandes lojas com suas escadas rolantes e suas guloseimas; era lá onde se vendiam as roupas e as coisas mais bonitas; era lá onde víamos os prédios mais altos. Era como se o Recife fosse o centro do mundo. A própria viagem de ônibus até lá era para mim uma aventura. E a minha ida a tal mundo era tão rara que eu só vim a conhecer um shopping center em meados de minha adolescência.
A referência mais antiga que eu guardo de um cinema é a da primeira vez que entrei num, sozinho – eu fui uma criança muito autônoma e corajosa -, o Cine Lux, que existia na Av. Duque de Caxias, em Abreu e Lima; e que fechou as portas nos anos 80, dando lugar a um supermercado. Quanto aos grandes cinemas do Recife eu só cheguei a frequentar o Veneza – uma vez na infância e outra na adolescência – e o Trianon – uma vez na adolescência, quando fui sozinho assistir ao filme Conan, o destruidor. O Cinema São Luiz eu só passei a frequentar quando já era adulto. Foi durante uma fase de minha vida em que eu pensava que poderia conhecer tudo, absorver tudo do Recife e maturar uma porção de coisas que eu carregava dentro de mim: desejos, angústias, dúvidas...
É a existência de equipamentos urbanos como museus, bibliotecas públicas, cinemas, centros culturais, parques e praças com playgrounds que oxigenam a vida social nas cidades, que fazem com que seus habitantes interajam efetivamente com o ambiente em que vivem e nutram por ele um sentimento de pertencimento: a cidade é do homem assim como o homem é da cidade. Mas a existência de tais equipamentos por si só não basta. É necessário que a eles se ligue toda uma infraestrutura que possibilite mobilidade e acessibilidade, conforto e segurança; e que eles sejam permanentemente bem conservados – eles e seus entornos -; do contrário, a população deles se afasta e eles passam a ser alvos ainda mais diretos da ação de vândalos.
Localizado na Rua da Aurora, quase na esquina com a Av. Conde da Boa Vista, no bairro da Boa Vista, na área central do Recife, o Cinema São Luiz é o último remanescente de um tempo em que o centro da capital pernambucana abrigava inúmeros espaços de exibição de filmes. Embora eu não tenha podido frequentar todos eles, cheguei a vê-los em funcionamento: Moderno, Trianon, Art Palácio, Veneza, Ritz, Astor. O Recife possuía mais de uma dezena de cinemas, quando contabilizados outros menores que existiam no centro e os dos subúrbios. Mas a partir de um certo momento – creio que no começo da década de 90 – esses espaços de diversão, cultura e lazer começaram a fechar suas portas, dando lugar aos mais variados estabelecimentos comerciais, e sobretudo a igrejas neopentecostais. Alguns ainda tentaram se reerguer exibindo filmes pornôs, porém, nem isso foi suficiente para atrair um número razoável de espectadores. Enfrentando a concorrência das salas de exibição que foram sendo abertas nos vários shoppings centers que surgiram na cidade, com seus equipamentos modernos e ainda contando com o aparato de segurança existente nesses centros de compras, os cinemas do espaço central do Recife agonizaram, como que acompanhando o processo de degradação urbana que tomou essa área da capital. O próprio São Luiz passou anos fechado, a despeito de ter sido – de ser – uma casa tradicionalíssima e muito querida por um público que às vezes formava filas gigantescas para assistir às produções que nele eram exibidas. Por iniciativa do Governo do estado, o Cinema São Luiz foi comprado, revitalizado – os trabalhos visando o melhoramento das instalações continuam – e reaberto para a alegria de muitos que, como eu, ainda preferem apreciar o mundo das ruas buliçosas do Recife aos ambientes insípidos e sem referências dos shoppings e de suas salas multiplexes. Estive na cerimônia de sua reabertura, ocorrida em dezembro de 2009, durante a qual foi exibido o filme Baile perfumado.
Na noite da última quinta-feira, precisamente no dia em que o Cinema São Luiz completou 60 anos de existência, a casa recebeu uma animada multidão que foi até ali comemorar a longa vida do aniversariante. O burburinho no hall de entrada era enorme. Pipoca foi distribuída em embalagem que celebrava a data. A Companhia Editora de Pernambuco anunciava a edição da revista Continente que trazia na capa o ilustre cinema. Canhões de luz davam um colorido especial ao cenário.
Com quase uma hora de atraso a cerimônia comemorativa teve início. Enquanto a Banda Sinfônica do Recife, sob a regência do pequeno gigante que é o maestro Nenéu Liberalquino, executava temas de filmes como Missão impossível, Os Incríveis, Guerra nas estrelas e Indiana Jones – houve quem reclamasse dizendo à boca pequena que os músicos esqueceram de tocar composições de nomes como o de Nino Horta -, na tela eram exibidas imagens que foram captadas pela Atlândida Cinematográfica daquele 6 de setembro de 1952, ocasião na qual homens, crianças e mulheres superelegantes tomavam o hall do Cinema São Luiz a fim de prestigiar sua inauguração.
Ao término do concerto algumas personalidades e autoridades subiram ao palco para fazer em geral breves pronunciamentos. A esta altura as poltronas estavam quase todas ocupadas; e os painéis de Lula Cardoso Ayres brilhavam como nunca. Estavam por lá, além do Governador Eduardo Campos, mestre Abelardo da Hora, Fátima Quintas, Leda Alves, Rildo Saraiva, Beto Normal e muitos outros.
Falando em nome de todos aqueles que trabalham com o audiovisual em Pernambuco, o cineasta e crítico de cinema Kleber Mendonça Filho destacou quão gratificante era para todos nós estarmos num lugar como aquele: “Preservar este espaço é algo realmente incomum”, ele disse. Kleber fez um resumo do bom momento que as produções cinematográficas pernambucanas vêm atravessando, reconhecendo que o apoio do Governo do estado tem sido fundamental para isso. E em tom de desabafo declarou: “Que a nova Prefeitura que vem aí entenda que o centro do Recife é importante, é belo. Que a nova Prefeitura compreenda que o centro do Recife deve estar à altura do Cinema São Luiz”. Disse isso e foi merecidamente aplaudidíssimo. Parecia comício.
O anunciado prólogo que o escritor Fernando Monteiro faria antes da exibição do clássico O canto do mar, do Alberto Cavalcanti, não ocorreu, muito embora ele estivesse presente.
Certa feita o meu amigo João Maria, um cinéfilo de carteirinha e montador premiado, me disse o seguinte: “Existe diferença entre uma sala de exibição e uma sala de cinema; e o São Luiz é uma sala de cinema”.
Assisti à exibição d’O canto do mar comendo pipoca e amendoim. Ao seu término as horas já eram tantas que eu não pude ficar para provar dos bolos preparados para o aniversariante. Sequência de cena: o Capibaribe correndo manso na noite fria. Outra sequência: eu indo embora como se fosse um espectro desnorteado pelo sereno da madrugada.
Olá Clênio,sou eu,a Cristina!!!Adorei a matéria,até salvei as fotos no meu computador.Muito bom,e agradeço aos elogios à minha pessoa...(risos).Foi uma grande satisfação ter conhecido vocês.O cinema estava lindo e ainda que ele não se perdeu no tempo e no esquecimento como aconteceu aos outros,infelizmente.Sucesso ao seu Blog,eu já adicionei aos favoritos!Abraços!
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