Por Clênio Sierra de Alcântara
Alguns anos antes da proclamação
da República, ocorrida em 1889, o governo imperial constituiu – precisamente em
1874 – uma Comissão de Melhoramentos da Cidade, que elaborou um projeto de
reformas com vistas a modernizar o Rio de Janeiro, a capital política,
econômica e cultural do país. Duas diretrizes de tal projeto nortearam todo o debate
sobre a modernização da Capital que se desenrolou até o início do século XX:
1ª) a necessidade de eliminar os inúmeros cortiços existentes na cidade, uma
vez que eles eram tidos como focos geradores de epidemias – o que mais se
propagandeou até como justificativa para as reformas foi justamente isso, a
questão da salubridade -; 2ª) aproveitar a ação reformadora para “aformosear” a
cidade, arrancando com picaretas o seu traçado colonial, os seus edifícios démodés: “O Rio de Janeiro, segundo os
membros da Comissão, devia não apenas sofrer profundas transformações em sua
estrutura urbanística – a fim de que estivesse em condições de suportar as
demandas geradas pelo seu acelerado processo de crescimento -, mas também
modificar a imagem inestética que ela projetava sobre os que a contemplavam”,
conforme a avaliação feita por Sérgio Pechman e Lilian Fritsch (“A reforma
urbana e o seu avesso: algumas considerações a propósito da modernização do
Distrito Federal na virada do século” in: Revista
Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Editora Marco Zero, 1985, vol. 5
nº 8/9, p. 150).
O visitante que chegasse ao Rio
de Janeiro nos anos iniciais do século passado encontraria uma cidade como que
virada de ponta cabeça tamanha era a movimentação de homens e máquinas que
levavam adiante as obras de reforma e modernização verificadas, sobretudo,
durante a administração do presidente Rodrigues Alves (1902-1906), que encarregou
o engenheiro Francisco Pereira Passos – nomeado prefeito do Distrito Federal -
para implementar a reforma urbanística; e o médico sanitarista Oswaldo Cruz
para tocar a reforma sanitária. Todo esse período foi um dos mais conturbados
da história do Rio de Janeiro, marcado por inúmeras revoltas e protestos
advindos principalmente das camadas mais carentes da população que, com muita
razão, se sentiam excluídas daquele projeto de modernidade que, como alguém já
disse, tinha mesmo muito de cenográfico. “O Rio de Janeiro civiliza-se!”,
alardeava o cronista Figueiredo Pimentel dando bem a tônica do pensamento dominante
que marcou a belle époque carioca.
(Aos que se interessarem por percorrer o Rio de Janeiro desse tempo, eu sugiro
a leitura de algumas das obras que considero fundamentais para a compreensão da
atmosfera do período: Cidade febril,
do Sidney Chalhoub; Os bestializados,
do José Murilo de Carvalho – Zé Murilo também assina um esclarecedor artigo no
volume acima citado da Revista Brasileira
de História, p. 117-138 -; e Literatura
como missão, do Nicolau Sevcenko.)
Instalado no elegante Ed. Arnaldo
Dubeux – a restauração realçou a sua beleza -, no Bairro do Recife, um prédio
que abrigou durante décadas o Banco de Londres, e depois, a Bolsa de Valores de
Pernambuco e da Paraíba, o Centro Cultural da Caixa Econômica Federal abriu
suas portas no dia 15 de maio passado, com uma exposição do artista plástico
goiano Siron Franco. Desde o dia 19 de julho – e corram porque o evento só vai até
o próximo domingo – esse espaço abriga uma mostra que em parte, faz com que o
visitante compreenda com mais abrangência o que foi narrado nos primeiros
parágrafos deste artigo. Trata-se de 1908
– Um Brasil em Exposição que, sob a curadoria de Margareth da Silva Pereira
– é dela, aliás, o instigante texto do pequeno primor que é o catálogo
distribuído gratuitamente aos visitantes -, faz uma retrospectiva da Exposição
Nacional de 1908 realizada na Praia Vermelha, bairro da Urca, no Rio de
Janeiro, de 11 de agosto a 15 de novembro daquele ano, para comemorar o
centenário da Abertura dos Portos às Nações Amigas, uma das primeiras medidas
tomadas por Dom João VI quando da transferência da Família Real portuguesa para o
Brasil.
De acordo com a curadora da
mostra instalada na Caixa Cultural, o evento que teve lugar no Rio de Janeiro
foi uma versão nacional das famigeradas exposições universais que foram
realizadas em grandes cidades do mundo, cuja primeira edição ocorreu em
Londres, em 1851. Diz-nos ela: “O Brasil participou de todas as Exposições
Universais realizadas na Europa e depois nos Estados Unidos: de início reunindo
seus produtos em algumas vitrines (Londres 1851, 1862; Paris 1855, 1867) e mais
tarde construindo jardins e edifícios admiráveis (Paris: 1889, Chicago: 1893;
Saint Louis 1904; Nova Iorque 1939)”.
Dentro do projeto do Governo
central de promover o engrandecimento da nação a partir do Rio de Janeiro –
havia uma poderosa crença de que o resto do país iria, como que por imitação,
repetir em suas plagas não somente as reformas urbanísticas e sanitárias
levadas a cabo no Distrito Federal, mas também as propaladas modas e mudanças
de costumes -, a Exposição Nacional de 1908 procurou, ainda segundo Margareth
da Silva Pereira, responder a um desafio mais ambicioso: “realizar um
‘inventário’ capaz de mostrar para os próprios brasileiros o desenvolvimento do
país”.
Num primeiro momento eu não simpatizei
com a ambientação e com o que estava em exposição na Caixa Cultural, porque eu
esperava que fosse ver também algo sobre as reformas havidas na área central da
então Capital Federal. Contudo, as imagens mostradas – principalmente fotografias
e reproduções de cartões-postais -, bem como os textos que as acompanham, são
bastante elucidativos. Ver os flagrantes fotográficos do magistral Augusto
Malta causa realmente um espanto. A monumentalidade dos pavilhões que foram
erguidos na Praia Vermelha – poucos estados tiveram seus próprios pavilhões – é
impressionante. É difícil acreditar que tudo aquilo foi construído para durar
só o tempo da exposição. Seja como for, o fato é que a Exposição Nacional de
1908 atraiu um grande número de visitantes; todos eles certamente ávidos por
conhecer um pouco de cada recanto do imenso país que habitavam.
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