“Vem
Se eu tiver você no meu prazer,
Se eu pudesse ficar com você,
Todo momento, em qualquer lugar.
Ah, se no desejo você fosse o amor,
Durante o frio fosse o calor
Da minha lua você fosse o mar”.
Dedicado a você. Nando Cordel/Dominguinhos
Imagem da internet |
Durante muito tempo difundiu-se a falsa ideia de que
pernambucano não suporta ver conterrâneo subir e, por isso, de tudo faz para
fazê-lo cair. Divulgava-se tal absurdo recorrendo à imagem de um cesto repleto
de caranguejos no qual, aquele que tentava sair do recipiente, era puxado para
baixo pelos demais.
Quando digo que isso não é verdade faço ver que, tivesse
essa ideia validade, os pernambucanos não se jactavam a todo tempo de possuírem
um rei do baião (Luiz Gonzaga), o maior teatro ao ar livre do mundo (o de
Fazenda Nova), um rei do brega (Reginaldo Rossi), o mais celebrado educador do
Brasil (Paulo Freire), o maior bloco de Carnaval do planeta (o Galo da
Madrugada), o melhor e maior São João que já se viu (o de Caruaru), o mais aclamado
sociólogo do país (Gilberto Freyre), dois dos mais incensados poetas
brasileiros (Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto), o dramaturgo mais
genial que este país concebeu (Nelson Rodrigues). Torcessem os pernambucanos
contra os seus pares, eles não se gabavam de proclamar que foi em Pernambuco
que ocorreram alguns dos maiores movimentos nativistas contra a dominação
portuguesa; e que foi em terras pernambucanas que se deu o primeiro grito de
República no continente americano.
Pernambucano é sujeito teimoso, vaidoso, valente.
Pernambucano é, por natureza, reivindicador; e não gosta de levar desaforo para
casa. Culturalmente Pernambuco não abaixa a cabeça para nenhum outro estado
brasileiro. Somos um povo guerreiro, inventivo, desafiador. Dizem que pernambucano
tem tamanha mania de grandeza que vive a propalar que foi da união dos rios
Beberibe e Capibaribe que nasceu o Oceano Atlântico. Como não ser gabola tendo
um passado a abrigar tantas glórias e um presente tão auspicioso? Como não ser
vaidoso sendo da mesma terra onde nasceram Joaquim Cardozo, Ascenso Ferreira,
Francisco Brennand, Joaquim Nabuco, Abelardo Barbosa, Luiz Inácio Lula da
Silva, Cícero Dias, Hermilo Borba Filho, Mauro Mota, Josué de Castro?
Quando se quer dizer que alguém é enrolão, metido a valentão
ou que diz coisas que não faz, recorre-se muitas vezes ao ditado popular que
esclarece que “cão que ladra, não morde”. Não é o caso dos pernambucanos, minha
gente. Nós não latimos, nós rugimos, porque nós somos os leões do Norte.
Escrevi tudo isso como forma de celebrar um pernambucano dos
mais talentosos que faleceu no último dia 23, depois de passar vários meses
lutando contra um câncer que se alojara em seu pulmão.
José Domingos de Morais, o Dominguinhos, nasceu no dia 12 de
fevereiro de 1941, na cidade de Garanhuns, na aprazível, na mais do que
agradável Garanhuns. Em meio à multidão de esforçados imitadores, Dominguinhos
era um herdeiro legítimo de Luiz Gonzaga, porque Mestre Lula assim o designou.
E Dominguinhos de tudo fez para honrar o legado do padrinho tão adorado pelo povo
nordestino.
Músico refinado que não sabia ler partitura, cantor que
reconhecia suas limitações vocais e compositor dos mais prolíficos entre os
sanfoneiros, Dominguinhos era dono de um sorriso cativante, extremamente
generoso para com os parceiros com os quais firmava composições e, sobretudo,
era muitíssimo grato para com seus mestres.
Em mais de uma ocasião eu ouvi sua fala mansa dando
entrevistas a Geraldo Freire, na Rádio Jornal, do Recife. Dominguinhos às vezes
chorava com facilidade quando recordava certas passagens de sua vida. E falava
com a maior naturalidade de sua arte, de seus amores, de seus dissabores,
porque reunia em sua pessoa aquela força que é tão admirável nos artistas
verdadeiros: o destemor de viver.
Recordo que, numa das entrevistas concedidas a Geraldo
Freire, Dominguinhos disse claramente que gostaria de ser sepultado em sua
cidade natal. Lamentavelmente seus familiares não acataram esse seu desejo.
Infelizmente família é família, não é uma democracia, como bem disse Miguel
Falabella em A partilha.
Nesta hora soturna, em que o fim de uma vida causa tanta
consternação, fixo na memória e no coração a imagem de um Dominguinhos
empunhando sua sanfona e celebrando a vida com o maior dos entusiasmos e a mais
vibrante alegria: “Vem, meu coração se enfeitou de céu/ Se embebedou na luz do
teu olhar/ Queria tanto ter você aqui...”.
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