Por Clênio Sierra de Alcântara
Não escondo de ninguém a minha descrença, o meu ser ímpio, a
minha condição de ateu. E não pensem que digo isso com arrogância, com soberba,
com acento de quem quer “causar”, “aparecer” ou que “se acha”. Digo isso com a
mesma naturalidade de quem, por exemplo, diz que prefere os dias ensolarados
aos chuvosos. E isso não faz de mim alguém melhor ou pior. E nem me desumaniza.
Não entro em discussão a propósito da existência, da
legitimidade e/ou da necessidade de se acreditar numa deidade, num “ser
superior” que criou todas as coisas, o que inclui, certamente, o preconceito e
a intolerância – e quem nos criou ou quem criou a deidade não esqueceu
obviamente de designar o livre arbítrio, para que não nos sentíssemos como uns
completos autômatos. Digo tão somente que não creio e ponto. Não tenho por que
enumerar razões, argumentar, nada disso. Se, como dizem, crer é um dogma, por
que descrer não pode ser um dogma também?
O fato de eu não acreditar no proclamado “ser superior” não
me torna um inimigo da Igreja Católica, essa instituição milenar que tanta
influência exerce sobre a vida de milhões de pessoas. Compêndios bem escritos
de História podem deixar qualquer leitor por dentro do que essa instituição
religiosa realizou ao longo de sua existência: as brigas intestinas para que se
consolidasse como tal; o empreendimento das Cruzadas; a catequese forçada dos
negros escravizados e dos povos pré-colombianos; a monstruosidade da Santa
Inquisição... Acresça-se a isso, que por si só já é de bom tamanho, a conduta
pessoal de muitos dos seus membros envolvidos nesta prática estupidamente
covarde que é o crime de pedofilia. Ah, mas não foi só de “pecados” que a
Igreja Católica se fez. E as ações pastorais em defesa dos despossuídos e marginalizados
da sociedade? E as campanhas da fraternidade? E os lenitivos das palavras
amigas proferidas nas missas? E o servir como norte nos momentos de aflição? E
o ser uma fortaleza contra os desmandos dos poderosos? Oh felix culpa (Ó culpa
feliz).
Não, não foram as práticas execráveis da Igreja Católica que
fizeram de mim um descrente. As religiões, de uma maneira geral, têm, a meu
ver, um grau elevado de desrazão. Para mim é muito claro que os deuses são
criações humanas e não o contrário. Não sinto – e isso me confere em boa medida
uma confortável paz interior – necessidade de um apego ao incognoscível.
Quando a discussão envereda para o campo da legitimidade ou
não de o Brasil ser denominado pela Constituição como um estado laico e, no
entanto, nós vivermos como se tivéssemos a católica como religião oficial, eu
me posiciono peremptoriamente contra. Se o Brasil é um “estado laico”, como
prega a Carta Magna, qual a razão de existir tantos feriados católicos? Se o
Brasil é um “estado laico”, por que tantos donos de poder insistem em expor
crucifixos nas repartições públicas? Se o Brasil é um “estado laico”, por que
as cédulas de sua moeda têm de trazer a inscrição “Deus seja louvado”?
Nenhum cidadão com um mínimo de esclarecimento consegue
ficar indiferente às grandes questões do seu tempo, porque elas de um modo ou
de outro lhes afeta. E quando esse cidadão é alguém que, como eu, busca mais do
que compreendê-las, interpretá-las de alguma maneira, essas questões adquirem o
status de demandas permanentes. Respostas fáceis não dão conta da complexidade
que encerram tais questões. Daí por que os impasses. Daí por que as
inconclusões.
Acompanhei o quanto pude a transmissão televisiva da visita
do Papa Francisco ao Brasil. A mim me parece ser sincero o sorriso meigo de Sua
Santidade. As falas do Papa Francisco têm chegado aos meus ouvidos como um
alento. Num encontro denominado de Jornada Mundial da Juventude o afável e
simples Francisco em mais de uma ocasião falou em defesa dos velhos, dos
idosos, nossos guardiões de memória e sabedoria. Francisco incitou os jovens a
mudar o mundo sem que se esqueçam de amparar essas pessoas mais experientes e
calejadas pela vida que tanto nos ensinaram e protegeram.
Mais de uma vez eu me peguei de olhos marejados ao ver certas
demonstrações de fé nas ruas pelas quais Papa Francisco passava. Não sei por
que a ingenuidade e a simplicidade sempre me comovem. Toda aquela gente exibia
uma alegria verdadeira e contagiante. Uma senhorinha desdentada parecia estar
em êxtase ao descrever a emoção que sentiu ao ver o Sumo Pontífice. Uma noviça
superanimada dava o tom da miríade de sensações que dominava aquele povo: seu
sorriso era de alguém que se comprazia intensamente por ser uma ovelha daquele
imenso rebanho.
Os milhões de católicos que acompanharam a Jornada Mundial
da Juventude deram demonstrações mais do que vigorosas de que a luz da religião
que professam continua lhes guiando. Não querendo isso dizer necessariamente
que a essência da fé deles esteja presa aos fundamentos da Santa sé. A Igreja
Católica continuará pregando contra o uso de contraceptivos, contra o aborto,
contra a homossexualidade, contra o sexo fora do casamento. E ignorando essa
pregação, milhões de católicos - gays, inclusive, que não deixam de ir à missa,
de tomar parte em outras atividades eclesiásticas,e nem de ser ordenados padres
– continuarão realizando seus abortos clandestinos, continuarão fazendo uso de
camisas-de-vênus e pílulas anticoncepcionais, continuarão a constituir “casamentos” não oficializados e mantendo relacionamentos extraconjugais. E por que
isso? Porque nenhuma religião consegue ser, ao fim e ao cabo, mais do que uma
espécie de loja de conveniência; e porque a fé no sobrenatural é algo pessoal,
particular e que independe de ditames e supostos mediadores.
Não é de hoje que ouço que vivemos tempos difíceis e que o
pior está para acontecer. Ah, meus amigos, viver é uma coisa tão boa, tão
maravilhosa. Quem quiser que acredite no pior, porque eu não abro mão dessa
alegria encorajadora que me mantém em caminhada.
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