30 de agosto de 2014

Nicolau Sevcenko, um grande mestre


Por Clênio Sierra de Alcântara



Foto: internet              Nicolau Sevcenko: clareza e profundidade nos estudos historiográficos como missão                                                        



É inevitável que, em todo e qualquer ofício que abracemos, tenhamos um ou alguns indivíduos aos quais tomamos como mestres, como referências maiores em nossas áreas de atuação, porque são eles, com suas experiências e com seus conjuntos de saberes acumulados que guiam e/ou iluminam os caminhos que pretendemos percorrer. E, mais do que isso, muitas vezes são eles que acabam desencadeando em nós a vontade de seguirmos o mesmo rumo que eles tomaram.


Foi somente no domingo 24 de agosto que eu tomei conhecimento do falecimento do mais que brilhante historiador paulista Nicolau Sevcenko, ocorrido onze dias antes. Lendo o necrológio eu fui tomado de uma profunda tristeza, porque eu o admirava demais; e venho há anos preparando um estudo que eu pretensiosamente gostaria que ele prefaciasse.


Devo à leitura deste livro soberbo que é Literatura como missão: tensões sociais e criação artística na Primeira República, minha gana de querer de toda maneira potencializar os mecanismos de pesquisa dos meus estudos historiográficos e mesmo literários, porque me tenho fundamentalmente como alguém que escreve. Foi também em virtude dessa obra que eu me vi completamente interessado por tudo o que diz respeito a Lima Barreto, um escritor com o qual tanto me identifico. É magistral o modo como Sevcenko reconstroi a atmosfera de um tempo e vai nos apresentando aos personagens por ele tão conhecidos, como o já citado Lima Barreto, Euclides da Cunha, João do Rio e Machado de Assis. E a todo momento sua erudição envolvente e seu fraseado instigante, por mim só comparados, dentro do pouco que conheço nessa seara, aos do mestríssimo Gilberto Freyre, deixam ver quão maravilhoso pode ser o resultado de um labor intenso movido por uma verve singular.


Afora os tantos artigos dispersos aqui e ali e o ótimo volume 3 da História da vida privada no Brasil (República: da Belle Époque à Era do rádio), por ele organizado, eu li ainda dois outros importantes trabalhos referenciais desse autor: Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20 e A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. E em todos eles Sevcenko procurou dissecar com grande perspicácia o assunto do qual tratava, convidando o leitor a ser mais do que um simples leitor: que passasse a ser uma testemunha “ocular” daquele enfoque que estava sendo dado sobre determinado assunto.


Nicolau Sevcenko era, sem dúvida, um luminar entre os mestres do seu ofício; e o seu encantamento, quando ele contava apenas sessenta e uma anos de idade, deixará um vazio imenso na produção historiográfica brasileira, porque os seus estudos de cultura e história contemporânea, bem como a sua atuação pública como intelectual compromissado com os valores que cultivava e não com os modismos castradores de diversidade, serviam como farois para jovens historiadores que, como eu, ansiavam seguir seus passos.


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