Por Clênio Sierra de Alcântara
Foto: internet Nicolau Sevcenko: clareza e profundidade nos estudos historiográficos como missão |
É inevitável que, em todo e
qualquer ofício que abracemos, tenhamos um ou alguns indivíduos aos quais
tomamos como mestres, como referências maiores em nossas áreas de atuação,
porque são eles, com suas experiências e com seus conjuntos de saberes
acumulados que guiam e/ou iluminam os caminhos que pretendemos percorrer. E,
mais do que isso, muitas vezes são eles que acabam desencadeando em nós a
vontade de seguirmos o mesmo rumo que eles tomaram.
Foi somente no domingo 24 de
agosto que eu tomei conhecimento do falecimento do mais que brilhante
historiador paulista Nicolau Sevcenko, ocorrido onze dias antes. Lendo o
necrológio eu fui tomado de uma profunda tristeza, porque eu o admirava demais;
e venho há anos preparando um estudo que eu pretensiosamente gostaria que ele
prefaciasse.
Devo à leitura deste livro
soberbo que é Literatura como missão:
tensões sociais e criação artística na Primeira República, minha gana de
querer de toda maneira potencializar os mecanismos de pesquisa dos meus estudos
historiográficos e mesmo literários, porque me tenho fundamentalmente como
alguém que escreve. Foi também em virtude dessa obra que eu me vi
completamente interessado por tudo o que diz respeito a Lima Barreto, um escritor com o
qual tanto me identifico. É magistral o modo como Sevcenko reconstroi a
atmosfera de um tempo e vai nos apresentando aos personagens por ele tão
conhecidos, como o já citado Lima Barreto, Euclides da Cunha, João do Rio e
Machado de Assis. E a todo momento sua erudição envolvente e seu fraseado
instigante, por mim só comparados, dentro do pouco que conheço nessa seara, aos
do mestríssimo Gilberto Freyre, deixam ver quão maravilhoso pode ser o
resultado de um labor intenso movido por uma verve singular.
Afora os tantos artigos dispersos
aqui e ali e o ótimo volume 3 da História
da vida privada no Brasil (República: da Belle Époque à Era do rádio), por
ele organizado, eu li ainda dois outros importantes trabalhos referenciais
desse autor: Orfeu extático na metrópole:
São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20 e A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. E em todos
eles Sevcenko procurou dissecar com grande perspicácia o assunto do qual
tratava, convidando o leitor a ser mais do que um simples leitor: que passasse
a ser uma testemunha “ocular” daquele enfoque que estava sendo dado sobre
determinado assunto.
Nicolau Sevcenko era, sem dúvida,
um luminar entre os mestres do seu ofício; e o seu encantamento, quando ele contava
apenas sessenta e uma anos de idade, deixará um vazio imenso na produção
historiográfica brasileira, porque os seus estudos de cultura e história
contemporânea, bem como a sua atuação pública como intelectual compromissado
com os valores que cultivava e não com os modismos castradores de diversidade,
serviam como farois para jovens historiadores que, como eu, ansiavam seguir
seus passos.
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