Por Clênio Sierra de
Alcântara
Em
muito boa hora, visto que estamos em um ano de eleições para a escolha do
presidente da República, senadores, governadores e deputados, a revista Nova Escola, uma renomada publicação
voltada para a educação que está prestes a completar trinta anos de circulação,
um feito e tanto da Editora Abril e da Fundação Victor Civita, iniciou em sua
edição de fevereiro passado, a divulgação de uma série de cinco reportagens
intitulada Retratos da exclusão,
inspirada na campanha Fora da Escola Não
Pode!, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), nas quais foram
enfocadas várias problemáticas do universo educacional brasileiro encontradas
em pontos diversos do país, cabendo o trabalho de organização dos capítulos à
editora-assistente Elisa Meirelles. Eis em resumo o que se tratou em cada uma
das reportagens:
Capítulo
1: Povos indígenas (Fernanda Salla e Elisa Meirelles. “Povos isolados do
aprendizado”. Nova Escola. São Paulo:
Editora Abril, fevereiro de 2014. Ano 29 – nº 269, p. 82-84). As repórteres,
que estiveram em aldeias em Guaíra (PR) e Santa Luzia do Pará (PA), apuraram o
triste drama de índios que não têm acesso ao aprendizado escolar: escolas de
difícil acesso; falta de professores; ausência de ensino diferenciado, como
determina a lei, porque os índios, além do aprendizado regular precisam ter
conhecimento de sua própria língua e das práticas culturais de seu povo; e
falta de material didático específico e de formação de professores de cada
etnia. No país existem 305 etnias. E de acordo com o Censo Demográfico 2010,
apenas entre os índios de até 10 anos de idade, 30% não possuem qualquer
registro civil. “Na falta de Educação Indígena apropriada, eles deveriam ter
assegurado o acesso à instituição de ensino regular e frequentar as aulas de
conhecimentos e práticas indígenas no outro período, mas em quase todas as
aldeias o ensino é improvisado”, destacou Henrique Gentil Oliveira, promotor do
Ministério Público Federal do Paraná.
Capítulo
2: Negros na pobreza das grandes cidades (Bruna Nicolielo e Beatriz Vichessi.
“Periferias sem aulas e direitos”. Nova
Escola. São Paulo: Editora Abril, março de 2014. Ano 29 – Nº 270, p. 74-76). Fundamentam esse
capítulo realidades constatadas pelas repórteres em bairros periféricos de
Salvador e do Rio de Janeiro. O texto enfoca uma problemática há anos discutida
por especialistas em educação: as altas taxas de evasão escolar. Neste caso em
particular são inúmeros os fatores que fazem com que crianças e adolescentes
pobres abandonem as salas de aula: violência, condições precárias de moradia,
gravidez na adolescência, ensino descontextualizado, situações de racismo e
discriminação, falta de transporte, tráfico de drogas, etc. Sabe-se que 63% das
crianças e dos adolescentes de 4
a 17 anos que estão fora da escola neste país são
afrodescendentes. E some-se àquele rol de dificuldades que essa faixa da
população enfrenta, a percepção que muitos jovens têm de que a escola que eles
frequentam e/ou frequentaram não era nem um pouco atrativa. O depoimento de um
garoto de dezesseis anos, residente em Salvador, é bastante sintomático desse
estado de coisas. Ele afirmou que abandonou a escola no ano passado porque
prefere ir a lan houses ou então
ficar ouvindo músicas com os amigos na Praça Paribe.
Capítulo
3: Moradores do campo, de quilombos e comunidades ribeirinhas (Anna Rachel
Ferreira e Elisa Meirelles. “Campo sem perspectivas”. Nova Escola. São Paulo: Editora Abril, abril de 2014. Ano 29 – Nº
271, p. 84-86). Logo de início, o texto da reportagem destaca que o problema
número um quando se fala em Educação no campo é: como chegar à escola? No
Quilombo de Bombas, no município de Iporanga, em São Paulo , Rachel
Ferreira encontrou a seguinte situação: duas escolas multisseriadas em
condições precárias que só oferecem ensino até o 5º ano. A partir daí é preciso
que os alunos passem a frequentar uma instituição localizada na cidade, que
fica a três horas de caminhada por uma trilha com subidas e descidas íngremes,
alguns trechos de mata fechada e nenhuma segurança. Por conta dessa situação,
muitos alunos abandonam os estudos.
De
acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012,
para cada 5,1 matrículas nos anos iniciais no campo, são feitas 2,8 nos finais
e apenas 0,6 no Ensino Médio. Uma das soluções que se pensou para resolver o
problema foi a nucleação, que consiste em reunir alunos de regiões menos
populosas, até então atendidos por escolas menores, em uma única instituição de
ensino maior. Ocorre que faltam meios de transporte, um serviço que pequenas
prefeituras não têm como financiar. Por esse motivo, segundo apurou a
reportagem, essa política de nucleação foi responsável pelo fechamento de 39
mil escolas do campo no período de 2001 a 2013, sem garantir que todos os alunos
fossem atendidos.
Capítulo
4: Vítimas de exploração e violência (Camila Camilo e Bruna Nicolielo.
“Exploração que afasta da escola”. Nova
Escola. São Paulo: Editora Abril, maio de 2014. Ano 29 – Nº 272, p. 86-88).
Muitas vezes vistas mais como um empecilho do que como uma porta para o futuro,
escolas têm perdido um grande número de jovens que não conseguem se sentir
atraídos pela sala de aula e largam os estudos em busca de algo que eles julgam
ser imediato para as suas vidas. A reportagem que constituiu esse capítulo
expôs o drama de meninos e meninas vitimados pela violência doméstica e pela
exploração como mão de obra e também sexual, que abandonaram a escola ainda
quando eram crianças, como foi o caso de um garoto que nasceu numa periferia de
Belém, foi abusado na infância e aos onze anos já era explorado sexualmente. As
realidades retratadas na matéria são de fazer chorar – eu confesso que chorei
-; e revelam como muitas crianças e adolescentes deste país estão
desprotegidos. Silvio Kaloustian, coordenador do escritório de São Paulo do
Unicef destacou: “Assegurar o direito de aprender é melhorar as condições de
ensino, acompanhar cada um e combater problemas que colocam em risco a
permanência na escola. As crianças sob risco de violência e exploração precisam
de atenção redobradas”.
Capítulo
5: Meninos e meninas com deficiência (Elisa Meirelles e Bruna Nicolielo. “Uma
inclusão só no papel”. Nova Escola.
São Paulo: Editora Abril, junho/julho de 2014. Ano 29 – Nº 273, p. 88-90). A
face mais cruel de uma sociedade é, penso eu, a que tenta excluir a todo custo
os deficientes físicos e/ou os “diferentes” do convívio social. Foi justamente
essa face que o último capítulo da série buscou retratar.
O
artigo 8º da Lei nº 7.853 esclarece que “constitui crime punível com reclusão
de um a quatro anos e multa (...) recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou
fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de
ensino público ou privado por motivos derivados de deficiência”. A realidade,
contudo, é um flagrante desrespeito à letra da lei. A reportagem narra alguns
casos de mães que buscaram matricular seus filhos em escolas regulares e
receberam sucessivas negativas, recusas e cancelamentos de matrículas. O texto
destaca que as leis de inclusão e obrigatoriedade da matrícula não foram
acompanhadas de formação adequada dos educadores nem de condições de trabalho.
De acordo com o Censo Escolar 2011, só 10% das escolas de Ensino Fundamental
têm sala de atendimento educacional especializado, sendo que apenas em 9% dos
estabelecimentos existem profissionais alocados para esses espaços. A
infraestrutura também é mínima: somente 19% têm sanitários adequados e 17%
contam com dependências e vias adaptadas. O pior de tudo é que essas
deficiências servem como desculpas para que diretores recusem a matrícula de um
indivíduo com algum tipo de deficiência.
O
economista Gustavo Ioschpe, que é especialista em educação e colunista da
revista Veja, está a todo tempo
batendo na tecla de que os problemas da educação brasileira vão além das reiteradas discussões de baixos salários pagos aos professores e da
precariedade da infraestrutura das escolas, apontando que, muitas vezes, é a
falta de preparo e de comprometimento de uma porcentagem grande de mestres para
com o aprendizado dos alunos, que agrava a situação; e também a ausência de
envolvimento dos pais no dia a dia da vida escolar dos seus filhos, daí por que
a maioria deles costuma responder que a escola que os rebentos frequentam é boa
e/ou ótima, algo que não condiz com o aprendizado deficiente que eles recebem.
Egresso de escolas públicas, eu bem sei dessas questões que o Gustavo aborda.
Quem
acompanha de perto os debates em torno das políticas educacionais no Brasil
e o que elas têm acarretado para milhões de crianças e adolescentes, sabe que o
quadro não é nada animador. O alunado brasileiro continua tendo desempenho
sofrível no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). As taxas de
evasão escolar permanecem elevadas. O número de analfabetos já atingiu a marca
de uma dezena de milhão – a notícia de que todos os dias várias turmas de
Educação de Jovens e Adultos (EJA) estão sendo encerradas só tende a piorar as
estatísticas (“A cada dia, dez turmas de EJA são fechadas no país”. In Nova Escola. São Paulo: Editora Abril,
junho/julho de 2014. Ano 29 – Nº 273, p. 16-17). E recentemente o Governo
federal viu um dos seus mais alardeados e festejados programas da área
educacional - o Ciência sem Fronteiras
– ser confrontado com a realidade: por não terem fluência em inglês, dezenas de
alunos, que já se encontravam no exterior, tiveram de voltar para casa bem mais
cedo do que o previsto.
Acredito
que quem presta atenção ao noticiário deve ter ouvido, pelo menos uma vez, que, no
Brasil, "todas as crianças estão na escola”. A chamada universalização do Ensino Fundamental propagandeada pelo Ministério da Educação não é tão universal
assim. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012
são 3.366.299 de crianças e jovens de 4 a 17 anos que estão fora da escola. Outra
verdade revelada por dados contabilizados pelo próprio Governo: desde a posse
da presidente Dilma, em 2011, até abril deste ano, os gastos com o programa
Bolsa Família superaram em quase 20% os valores destinados à Educação básica (Cláudio
Humberto. “Bolsa Família à educação”. Jornal
do Commercio, Recife, 20 de abril de 2014, Política, p. 4).
Não
é de hoje que a educação não é tratada como prioridade pelos governantes deste
país, algo que o contingente assombroso de analfabetos totais e analfabetos
funcionais deixa mais do que evidente; e que más notícias que chegam dos quatro
cantos desta nação retratam com tanta fidelidade (ver, por exemplo: “Escola
agoniza em Jaboatão”. Jornal do Commercio,
Recife, 27 de agosto de 2014, Cidades, p. 2). Não está no caminho certo um país
que não prepara com competência seus cidadãos para as demandas do futuro. São
por demais conhecidos os problemas que impedem o avanço da qualidade da
educação no Brasil; e ao não buscarem reverter esse quadro desolador e
preocupante os governantes deste país dão provas mais do que claras de que não
estão realmente comprometidos com o bem-estar e com a melhoria de vida de seus
cidadãos.
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