10 de setembro de 2014

Educar com competência é promover bem-estar social

Por Clênio Sierra de Alcântara


Imagem da internet




Em muito boa hora, visto que estamos em um ano de eleições para a escolha do presidente da República, senadores, governadores e deputados, a revista Nova Escola, uma renomada publicação voltada para a educação que está prestes a completar trinta anos de circulação, um feito e tanto da Editora Abril e da Fundação Victor Civita, iniciou em sua edição de fevereiro passado, a divulgação de uma série de cinco reportagens intitulada Retratos da exclusão, inspirada na campanha Fora da Escola Não Pode!, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), nas quais foram enfocadas várias problemáticas do universo educacional brasileiro encontradas em pontos diversos do país, cabendo o trabalho de organização dos capítulos à editora-assistente Elisa Meirelles. Eis em resumo o que se tratou em cada uma das reportagens:

Capítulo 1: Povos indígenas (Fernanda Salla e Elisa Meirelles. “Povos isolados do aprendizado”. Nova Escola. São Paulo: Editora Abril, fevereiro de 2014. Ano 29 – nº 269, p. 82-84). As repórteres, que estiveram em aldeias em Guaíra (PR) e Santa Luzia do Pará (PA), apuraram o triste drama de índios que não têm acesso ao aprendizado escolar: escolas de difícil acesso; falta de professores; ausência de ensino diferenciado, como determina a lei, porque os índios, além do aprendizado regular precisam ter conhecimento de sua própria língua e das práticas culturais de seu povo; e falta de material didático específico e de formação de professores de cada etnia. No país existem 305 etnias. E de acordo com o Censo Demográfico 2010, apenas entre os índios de até 10 anos de idade, 30% não possuem qualquer registro civil. “Na falta de Educação Indígena apropriada, eles deveriam ter assegurado o acesso à instituição de ensino regular e frequentar as aulas de conhecimentos e práticas indígenas no outro período, mas em quase todas as aldeias o ensino é improvisado”, destacou Henrique Gentil Oliveira, promotor do Ministério Público Federal do Paraná.

Capítulo 2: Negros na pobreza das grandes cidades (Bruna Nicolielo e Beatriz Vichessi. “Periferias sem aulas e direitos”. Nova Escola. São Paulo: Editora Abril, março de 2014. Ano  29 – Nº 270, p. 74-76). Fundamentam esse capítulo realidades constatadas pelas repórteres em bairros periféricos de Salvador e do Rio de Janeiro. O texto enfoca uma problemática há anos discutida por especialistas em educação: as altas taxas de evasão escolar. Neste caso em particular são inúmeros os fatores que fazem com que crianças e adolescentes pobres abandonem as salas de aula: violência, condições precárias de moradia, gravidez na adolescência, ensino descontextualizado, situações de racismo e discriminação, falta de transporte, tráfico de drogas, etc. Sabe-se que 63% das crianças e dos adolescentes de 4 a 17 anos que estão fora da escola neste país são afrodescendentes. E some-se àquele rol de dificuldades que essa faixa da população enfrenta, a percepção que muitos jovens têm de que a escola que eles frequentam e/ou frequentaram não era nem um pouco atrativa. O depoimento de um garoto de dezesseis anos, residente em Salvador, é bastante sintomático desse estado de coisas. Ele afirmou que abandonou a escola no ano passado porque prefere ir a lan houses ou então ficar ouvindo músicas com os amigos na Praça Paribe.

Capítulo 3: Moradores do campo, de quilombos e comunidades ribeirinhas (Anna Rachel Ferreira e Elisa Meirelles. “Campo sem perspectivas”. Nova Escola. São Paulo: Editora Abril, abril de 2014. Ano 29 – Nº 271, p. 84-86). Logo de início, o texto da reportagem destaca que o problema número um quando se fala em Educação no campo é: como chegar à escola? No Quilombo de Bombas, no município de Iporanga, em São Paulo, Rachel Ferreira encontrou a seguinte situação: duas escolas multisseriadas em condições precárias que só oferecem ensino até o 5º ano. A partir daí é preciso que os alunos passem a frequentar uma instituição localizada na cidade, que fica a três horas de caminhada por uma trilha com subidas e descidas íngremes, alguns trechos de mata fechada e nenhuma segurança. Por conta dessa situação, muitos alunos abandonam os estudos.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012, para cada 5,1 matrículas nos anos iniciais no campo, são feitas 2,8 nos finais e apenas 0,6 no Ensino Médio. Uma das soluções que se pensou para resolver o problema foi a nucleação, que consiste em reunir alunos de regiões menos populosas, até então atendidos por escolas menores, em uma única instituição de ensino maior. Ocorre que faltam meios de transporte, um serviço que pequenas prefeituras não têm como financiar. Por esse motivo, segundo apurou a reportagem, essa política de nucleação foi responsável pelo fechamento de 39 mil escolas do campo no período de 2001 a 2013, sem garantir que todos os alunos fossem atendidos.

Capítulo 4: Vítimas de exploração e violência (Camila Camilo e Bruna Nicolielo. “Exploração que afasta da escola”. Nova Escola. São Paulo: Editora Abril, maio de 2014. Ano 29 – Nº 272, p. 86-88). Muitas vezes vistas mais como um empecilho do que como uma porta para o futuro, escolas têm perdido um grande número de jovens que não conseguem se sentir atraídos pela sala de aula e largam os estudos em busca de algo que eles julgam ser imediato para as suas vidas. A reportagem que constituiu esse capítulo expôs o drama de meninos e meninas vitimados pela violência doméstica e pela exploração como mão de obra e também sexual, que abandonaram a escola ainda quando eram crianças, como foi o caso de um garoto que nasceu numa periferia de Belém, foi abusado na infância e aos onze anos já era explorado sexualmente. As realidades retratadas na matéria são de fazer chorar – eu confesso que chorei -; e revelam como muitas crianças e adolescentes deste país estão desprotegidos. Silvio Kaloustian, coordenador do escritório de São Paulo do Unicef destacou: “Assegurar o direito de aprender é melhorar as condições de ensino, acompanhar cada um e combater problemas que colocam em risco a permanência na escola. As crianças sob risco de violência e exploração precisam de atenção redobradas”.

Capítulo 5: Meninos e meninas com deficiência (Elisa Meirelles e Bruna Nicolielo. “Uma inclusão só no papel”. Nova Escola. São Paulo: Editora Abril, junho/julho de 2014. Ano 29 – Nº 273, p. 88-90). A face mais cruel de uma sociedade é, penso eu, a que tenta excluir a todo custo os deficientes físicos e/ou os “diferentes” do convívio social. Foi justamente essa face que o último capítulo da série buscou retratar.

O artigo 8º da Lei nº 7.853 esclarece que “constitui crime punível com reclusão de um a quatro anos e multa (...) recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado por motivos derivados de deficiência”. A realidade, contudo, é um flagrante desrespeito à letra da lei. A reportagem narra alguns casos de mães que buscaram matricular seus filhos em escolas regulares e receberam sucessivas negativas, recusas e cancelamentos de matrículas. O texto destaca que as leis de inclusão e obrigatoriedade da matrícula não foram acompanhadas de formação adequada dos educadores nem de condições de trabalho. De acordo com o Censo Escolar 2011, só 10% das escolas de Ensino Fundamental têm sala de atendimento educacional especializado, sendo que apenas em 9% dos estabelecimentos existem profissionais alocados para esses espaços. A infraestrutura também é mínima: somente 19% têm sanitários adequados e 17% contam com dependências e vias adaptadas. O pior de tudo é que essas deficiências servem como desculpas para que diretores recusem a matrícula de um indivíduo com algum tipo de deficiência.

O economista Gustavo Ioschpe, que é especialista em educação e colunista da revista Veja, está a todo tempo batendo na tecla de que os problemas da educação brasileira vão além das reiteradas discussões de baixos salários pagos aos professores e da precariedade da infraestrutura das escolas, apontando que, muitas vezes, é a falta de preparo e de comprometimento de uma porcentagem grande de mestres para com o aprendizado dos alunos, que agrava a situação; e também a ausência de envolvimento dos pais no dia a dia da vida escolar dos seus filhos, daí por que a maioria deles costuma responder que a escola que os rebentos frequentam é boa e/ou ótima, algo que não condiz com o aprendizado deficiente que eles recebem. Egresso de escolas públicas, eu bem sei dessas questões que o Gustavo aborda.

Quem acompanha de perto os debates em torno das políticas educacionais no Brasil e o que elas têm acarretado para milhões de crianças e adolescentes, sabe que o quadro não é nada animador. O alunado brasileiro continua tendo desempenho sofrível no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). As taxas de evasão escolar permanecem elevadas. O número de analfabetos já atingiu a marca de uma dezena de milhão – a notícia de que todos os dias várias turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) estão sendo encerradas só tende a piorar as estatísticas (“A cada dia, dez turmas de EJA são fechadas no país”. In Nova Escola. São Paulo: Editora Abril, junho/julho de 2014. Ano 29 – Nº 273, p. 16-17). E recentemente o Governo federal viu um dos seus mais alardeados e festejados programas da área educacional - o Ciência sem Fronteiras – ser confrontado com a realidade: por não terem fluência em inglês, dezenas de alunos, que já se encontravam no exterior, tiveram de voltar para casa bem mais cedo do que o previsto.

Acredito que quem presta atenção ao noticiário deve ter ouvido, pelo menos uma vez, que, no Brasil, "todas as crianças estão na escola”. A chamada universalização do Ensino Fundamental propagandeada pelo Ministério da Educação não é tão universal assim. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012 são 3.366.299 de crianças e jovens de 4 a 17 anos que estão fora da escola. Outra verdade revelada por dados contabilizados pelo próprio Governo: desde a posse da presidente Dilma, em 2011, até abril deste ano, os gastos com o programa Bolsa Família superaram em quase 20% os valores destinados à Educação básica (Cláudio Humberto. “Bolsa Família à educação”. Jornal do Commercio, Recife, 20 de abril de 2014, Política, p. 4).

Não é de hoje que a educação não é tratada como prioridade pelos governantes deste país, algo que o contingente assombroso de analfabetos totais e analfabetos funcionais deixa mais do que evidente; e que más notícias que chegam dos quatro cantos desta nação retratam com tanta fidelidade (ver, por exemplo: “Escola agoniza em Jaboatão”. Jornal do Commercio, Recife, 27 de agosto de 2014, Cidades, p. 2). Não está no caminho certo um país que não prepara com competência seus cidadãos para as demandas do futuro. São por demais conhecidos os problemas que impedem o avanço da qualidade da educação no Brasil; e ao não buscarem reverter esse quadro desolador e preocupante os governantes deste país dão provas mais do que claras de que não estão realmente comprometidos com o bem-estar e com a melhoria de vida de seus cidadãos.




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