11 de novembro de 2016

Eclipse total no império

Por Clênio Sierra de Alcântara


Será que o presidente eleito Donald Trump deixará que os Estados Unidos mergulhem num tenebroso e duradouro eclipse total?


Para quem, mesmo diante de sucessivos casos de lunáticos que, portando armas de fogo, saem matando pessoas aos magotes, pensava que os Estados Unidos, a nação mais odiada e ao mesmo tempo mais admirada e temida do planeta, continuava sendo a terra da promissão, deve ter reavaliado sua perspectiva sobre o american way of life na manhã da última terça-feira, quando tomou conhecimento de que o excêntrico e extravagante bilionário Donald Trump, contrariando não apenas as inúmeras pesquisas de opinião, mas também o bom senso, sagrou-se presidente eleito do império estadunidense.

Reconheça-se que, assim como ocorreu com a eleição do segundo turno para prefeito do Rio de Janeiro, disputada entre dois candidatos que representam duas vertentes nocivas para o verdadeiro amadurecimento de uma democracia – de um lado, Marcelo Freixo (PSOL), com seu arcaico e ultrapassadíssimo arcabouço socialista; do outro, Marcelo Crivella (PRB), candidato das hostes do senhor Edir Macedo, e soldado de um exército  que pretende moldar a sociedade de acordo com os ditos “ensinamentos bíblicos”, quando se sabe que o Estado brasileiro é laico e as pessoas têm liberdade de professar uma religião ou ser descrentes -, os norte-americanos se viram diante de duas personalidades no mínimo controversas: Hillary Clinton, do Partido Democrata, carregando o peso de acusações de misturar as coisas da vida pública, enquanto secretária de Estado, com interesses privados – e ainda sendo mostrada como pessoa de saúde fragilizada -; e Donald Trump, do Partido Republicano, que, enquanto candidato, elevou o politicamente incorreto à enésima potência, destilando um repertório de bravatas e ditos ofensivos num caldeirão que reunia misoginia, xenofobia, prepotência, arrogância e inadequação à geopolítica internacional.

E por que os norte-americanos – ah, não foi culpa da população e, sim, dos delegados do Colégio Eleitoral, porque naquele que é considerado o país “mais democrático do mundo” são uns poucos que decidem quem sai vencedor nos pleitos presidenciais – escolheram justo o lado negro da força?

Andam dizendo por aí que, muito em breve, Donald Trump lançará por terra a montanha de ideias abiloladas e estapafúrdias que pronunciou durante a campanha, tomando uma boa dose de simancol com um choque de realidade. Eu também acredito que isso ocorrerá. Mas o fato relevante discutido aqui é que ele foi eleito portando um saco de maldades e não prmetendo que, caso fosse eleito, poria em revisão todos os seus conceitos. Por que, afinal de contas, apesar do sentimento antiamericano que ronda o mundo, os delegados eleitorais escolheram justamente o candidato cujas propostas eram tidas como as que mais punham os Estados Unidos como o país que é autossuficiente e, sendo assim, não precisa de nenhum outro? Por que os delegados apostaram na eleição de um homem que, além de não ter experiência política, demonstrou o tempo todo que parecia participar de um reality show e não de um evento da magnitude que é a eleição presidencial norte-americana?

Num cenário geopolítico em que acompanhamos estarrecidos os embates sem fim entre israelenses e palestinos; as provocações e os disparates do ditador norte-coreano; a carnificina que segue um curso ininterrupto na Síria; e assistimos atônitos aos ataques sangrentos e insanos de grupos terroristas ditos islâmicos, para ficarmos só nesses exemplos, a eleição de Donald Trump não deixa de ser vista como mais uma ação de retrocesso com relação à disseminação do respeito mútuo, da civilidade, da cooperação econômica e humanitária, enfim, dos valores pacifistas e de união entre os povos.

Enquanto candidato Donald Trump atuou como uma mistura bem enfurecida  e atrapalhada de personagens bastante conhecidos pelos cidadãos estadunidenses: Krusty, o palhaço; Chuck, o boneco assassino; Magneto; Cérebro – aquele que faz dupla com Pink; e Debi e Lóide. Duvido que o senhor Trump manterá a postura de doidivanas que encarnou durante os últimos meses, quando, enfim, chegar à Casa Branca, cair na real e se der conta de que o vale tudo das campanhas políticas não se adequa às exigências sérias, importantes e rígidas que estão intrinsecamente ligadas ao cargo que ele ocupará. Do contrário, mais do que colher impopularidade e assistir ao recrudescimento do antiamericanismo ao redor do mundo, ele manterá, durante quatro anos, o império sob um tenebroso eclipse total.

(Artigo publicado também in Informa Garanhuns [Garanhuns], dezembro de 2016, nº 5, Opinião, p. 2).

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