15 de setembro de 2017

A capoeira do contramestre Rey entrou na roda da ciranda da cidadania do Centro Cultural Estrela de Lia

Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: do autor      Capoeira e ação cidadã: contramestre Rey deu início às aulas no Centro Cultural Estrela de Lia pondo em prática sua larga experiência e compromisso social no trato com crianças, adolescentes e jovens


Quando foi concebido, o Centro Cultural Estrela de Lia (CCEL) pretendia ser apenas um espaço de difusão, preservação e promoção da ciranda, um canto e uma dança tidos como uma manifestação da cultura popular e que em Pernambuco ganhou grande expressão através da atuação de artistas como Antônio Baracho, João Limoeiro, João da Guabiraba e, principalmente, Lia de Itamaracá, a mulher que ser tornou sinônimo do folguedo desde muito jovem e que vem ao longo de mais de cinquenta anos levando a ciranda para além das fronteiras das terras pernambucanas, conjugando sempre uma vivacidade e um talento enormes com uma alegria e um espírito de comunhão igualmente intensos. Depois que o CCEL foi inaugurado, as noites de sábado no bairro de Jaguaribe, na Ilha de Itamaracá, nunca mais foram as mesmas, tamanhas eram a animação e a interação com o público que acorria para lá.


Os primeiros alunos do projeto entraram em ação no sábado dia 10 de setembro




Passado algum tempo, Lia e o seu produtor Beto Hees compreenderam que algo mais poderia ser feito para atrair e integrar os itamaracaenses naquele local. E assim foi que, para além do já amplamente importante papel de preservação cultural que estava sendo vivenciado no CCEL, foi decidido que o clima festivo poderia muito bem fazer par com ações de cidadania, de modo que a ciranda ganhasse uma amplitude e um significado ainda maiores, porque celebraria o encontro da arte com uma proposta de compromisso social a partir da realização e oferecimento à comunidade de cursos e oficinas de cunho profissionalizante, como gastronomia e confecção de alfaias, penteados afros e percussão, de modo que, os que tomassem parte nas aulas, pudessem vislumbrar uma melhoria de vida com tais aprendizados. Durante anos os esforços de Lia e Beto fizeram essa ciranda cidadã girar até que, por falta de apoio, a coisa desandou e precisou parar; e como que para completar o triste quadro, a estrutura física do CCEL veio abaixo em janeiro de 2014 e tudo ficou paralisado.

Novamente empenhados em pôr de pé o centro cultural, Lia e Beto tanto lutaram que conseguiram recursos para começar a reconstruir o CCEL a fim de que ele outra vez voltasse a fervilhar com pessoas que o procuravam não só para dançar ciranda e outros ritmos que Lia e o seus convidados cantavam ali, como também para ele se dirigiam em busca de um aprendizado que pudesse lhes inserir no mercado de trabalho ou mesmo instruí-las para iniciativas de geração de renda como trabalhadores autônomos.

Em janeiro passado, depois de três anos desativado, o CCEL, ainda que somente em parte reconstruído, recomeçou suas atividades artísticas com apresentações de ciranda e de coco. Mas não tem sido nada fácil manter o CCEL funcionando porque, ainda sem dispor de recursos próprios, a cirandeira Lia não consegue alugar aparelhagem de som, trazer músicos e convidados, etc. E tanto isso é verdade que foi somente no último dia 10 de setembro, contando com o apoio da Prefeitura Municipal da ilha, que outra noitada foi promovida ali, desde aquela havida em janeiro. Seja como for, esse dia teve algo bastante significativo: à tarde o contramestre Rey, de maneira muito auspiciosa, deu início à retomada das atividades de cunho social do CCEL promovendo aulas de capoeira, algo que eu fui conferir bem de perto.











A baiana Neide, capoeirista das boas, prestigiou a ação





Rinaldo Batista Neves é pernambucano da cidade do Recife, onde nasceu em maio de 1970. No universo dos capoeiristas Rinaldo é conhecido como Rey. Ele me contou que seu envolvimento com a capoeira começou em 1981, no bairro de Arthur Lundgren II, em Paulista, pelas mãos do contramestre China. Quando eu lhe perguntei o que a capoeira significava para a sua vida, ele não hesitou: “A capoeira pra mim significa tudo. A capoeira é esporte, é inclusão social, é vida, é tudo o que a gente quiser que ela seja”. 


Vinculado ao Grupo Birimbau Dourado, dirigido pelo mestre Colorau, Rey tomou parte no projeto “Capoeira na Comunidade”, atuante em várias cidades pernambucanas, como Paulista e Igaraçu. E com qual propósito? É o próprio Rey quem esclarece: “Trabalhar com crianças, adolescentes e jovens em condição de vulnerabilidade social, pra que a gente resgate tanto a cultura da capoeira como esse pessoal do submundo das drogas e do crime, porque a gente vê muitos jovens hoje se voltando pra esse lado. Nossa intenção é que essas pessoas se voltem pra cultura, pro social e pra dignidade pessoal”.
















Fundamentalmente é com as mesmas propostas do “Capoeira na Comunidade” que o contramestre Rey quer estabelecer no Centro Cultural Estrela de Lia um projeto que ele batizou de “Crianças Com Pé na Areia”, com aulas  de capoeira acontecendo inicialmente às terças e quintas-feiras pela manhã e à tarde, ficando os sábados para a prática desportiva da capoeira e ações artísticas e laborais, como samba de roda, maculelê, percussão e a modalidade de pesca com puxada de rede. Rey me esclareceu ainda que o ciclo iniciado agora seguirá até fevereiro do ano que vem, ocasião em que ocorrerá o batizado dos alunos. Ele espera conseguir apoio para que o CCEL abrigue o “Festival Vem Capoeirar”, a fim de dar maior visibilidade tanto ao projeto como ao próprio centro cultural: “As autoridades deveriam olhar pro CCEL com mais atenção, porque há muito tempo Lia vem lutando para manter a ciranda e a cultura em si”, ele destacou.

Assim como uma ciranda não se forma com uma só pessoa e, sim, com várias que, de mãos dadas, seguem no compasso da melodia, igualmente as ações sociais requerem uma participação e uma integração coletiva. Há tempos o Centro Cultural Estrela de Lia vem buscando firmar parcerias com as iniciativas pública e privada objetivando a promoção efetiva não só de práticas artísticas e culturais, mas também de ações que desencadeiem atitudes de cidadania e que promovam o bem-estar social.





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