Quando foi concebido, o
Centro Cultural Estrela de Lia (CCEL) pretendia ser apenas um espaço de
difusão, preservação e promoção da ciranda, um canto e uma dança tidos como uma
manifestação da cultura popular e que em Pernambuco ganhou grande expressão através
da atuação de artistas como Antônio Baracho, João Limoeiro, João da Guabiraba
e, principalmente, Lia de Itamaracá, a mulher que ser tornou sinônimo do
folguedo desde muito jovem e que vem ao longo de mais de cinquenta anos levando
a ciranda para além das fronteiras das terras pernambucanas, conjugando sempre
uma vivacidade e um talento enormes com uma alegria e um espírito de comunhão
igualmente intensos. Depois que o CCEL foi inaugurado, as noites de sábado no
bairro de Jaguaribe, na Ilha de Itamaracá, nunca mais foram as mesmas, tamanhas
eram a animação e a interação com o público que acorria para lá.
Os primeiros alunos do projeto entraram em ação no sábado dia 10 de setembro |
Passado algum tempo, Lia e o
seu produtor Beto Hees compreenderam que algo mais poderia ser feito para
atrair e integrar os itamaracaenses naquele local. E assim foi que, para além
do já amplamente importante papel de preservação cultural que estava sendo
vivenciado no CCEL, foi decidido que o clima festivo poderia muito bem fazer
par com ações de cidadania, de modo que a ciranda ganhasse uma amplitude e um
significado ainda maiores, porque celebraria o encontro da arte com uma
proposta de compromisso social a partir da realização e oferecimento à
comunidade de cursos e oficinas de cunho profissionalizante, como gastronomia e
confecção de alfaias, penteados afros e percussão, de modo que, os que tomassem
parte nas aulas, pudessem vislumbrar uma melhoria de vida com tais
aprendizados. Durante anos os esforços de Lia e Beto fizeram essa ciranda
cidadã girar até que, por falta de apoio, a coisa desandou e precisou parar; e
como que para completar o triste quadro, a estrutura física do CCEL veio abaixo
em janeiro de 2014 e tudo ficou paralisado.
Novamente empenhados em pôr
de pé o centro cultural, Lia e Beto tanto lutaram que conseguiram recursos para
começar a reconstruir o CCEL a fim de que ele outra vez voltasse a fervilhar
com pessoas que o procuravam não só para dançar ciranda e outros ritmos que Lia
e o seus convidados cantavam ali, como também para ele se dirigiam em busca de
um aprendizado que pudesse lhes inserir no mercado de trabalho ou mesmo
instruí-las para iniciativas de geração de renda como trabalhadores autônomos.
Em janeiro passado, depois
de três anos desativado, o CCEL, ainda que somente em parte reconstruído,
recomeçou suas atividades artísticas com apresentações de ciranda e de coco. Mas
não tem sido nada fácil manter o CCEL funcionando porque, ainda sem dispor de
recursos próprios, a cirandeira Lia não consegue alugar aparelhagem de som, trazer
músicos e convidados, etc. E tanto isso é verdade que foi somente no último dia
10 de setembro, contando com o apoio da Prefeitura Municipal da ilha, que outra
noitada foi promovida ali, desde aquela havida em janeiro. Seja como for, esse
dia teve algo bastante significativo: à tarde o contramestre Rey, de maneira
muito auspiciosa, deu início à retomada das atividades de cunho social do CCEL
promovendo aulas de capoeira, algo que eu fui conferir bem de perto.
A baiana Neide, capoeirista das boas, prestigiou a ação |
Rinaldo Batista Neves é
pernambucano da cidade do Recife, onde nasceu em maio de 1970. No universo dos
capoeiristas Rinaldo é conhecido como Rey. Ele me contou que seu envolvimento
com a capoeira começou em 1981, no bairro de Arthur Lundgren II, em Paulista,
pelas mãos do contramestre China. Quando eu lhe perguntei o que a capoeira
significava para a sua vida, ele não hesitou: “A capoeira pra mim significa
tudo. A capoeira é esporte, é inclusão social, é vida, é tudo o que a gente
quiser que ela seja”.
Vinculado ao Grupo Birimbau Dourado, dirigido pelo mestre Colorau, Rey tomou parte no projeto “Capoeira na Comunidade”, atuante em várias cidades pernambucanas, como Paulista e Igaraçu. E com qual propósito? É o próprio Rey quem esclarece: “Trabalhar com crianças, adolescentes e jovens em condição de vulnerabilidade social, pra que a gente resgate tanto a cultura da capoeira como esse pessoal do submundo das drogas e do crime, porque a gente vê muitos jovens hoje se voltando pra esse lado. Nossa intenção é que essas pessoas se voltem pra cultura, pro social e pra dignidade pessoal”.
Fundamentalmente é com as
mesmas propostas do “Capoeira na Comunidade” que o contramestre Rey quer
estabelecer no Centro Cultural Estrela de Lia um projeto que ele batizou de “Crianças
Com Pé na Areia”, com aulas de capoeira
acontecendo inicialmente às terças e quintas-feiras pela manhã e à tarde,
ficando os sábados para a prática desportiva da capoeira e ações artísticas e
laborais, como samba de roda, maculelê, percussão e a modalidade de pesca com
puxada de rede. Rey me esclareceu ainda que o ciclo iniciado agora seguirá até
fevereiro do ano que vem, ocasião em que ocorrerá o batizado dos alunos. Ele espera
conseguir apoio para que o CCEL abrigue o “Festival Vem Capoeirar”, a fim de
dar maior visibilidade tanto ao projeto como ao próprio centro cultural: “As
autoridades deveriam olhar pro CCEL com mais atenção, porque há muito tempo Lia
vem lutando para manter a ciranda e a cultura em si”, ele destacou.
Assim como uma ciranda não
se forma com uma só pessoa e, sim, com várias que, de mãos dadas, seguem no
compasso da melodia, igualmente as ações sociais requerem uma participação e
uma integração coletiva. Há tempos o Centro Cultural Estrela de Lia vem
buscando firmar parcerias com as iniciativas pública e privada objetivando a
promoção efetiva não só de práticas artísticas e culturais, mas também de ações
que desencadeiem atitudes de cidadania e que promovam o bem-estar social.
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