Por Clênio Sierra de Alcântara
À primeira vista a figura delicada
da cantora irlandesa Dolores O’Riordan
poderia fazer pensar que, tal qual um passarinho, ela tinha uma voz
miúda e suave. Ledo engano. Empunhando um microfone de maneira absolutamente
segura de si, Dolores soltava a voz e então quem a mirava percebia que ela era
uma dessas gratas surpresas que o mundo do show business por vezes traz à tona.
Em meio a tantas vozes
parecidas umas com as outras, Dolores O’Riordan, vocalista do The Cranberries,
era não só um reconhecido talento vocal, mas também uma compositora de
acentuada sensibilidade para transformar inquietações íntimas em canções bem
como era capaz de manter olhos e ouvidos bem abertos a fim de captar a
realidade que lhe envolvia e dela extrair também matéria para as suas composições.
Conheci e comecei a me interessar
pelas Dolores e pelo The Cranberries a
partir da audição da música “Ode to my family”, que me tocou profundamente com
sua junção harmoniosa de beleza e delicadeza – esses mesmos elementos eu encontraria
depois em composições como “Linger”, “Just my imagination” e “When you’re gone”
- numa melodia que deixava sua voz ser o elemento a coordenar todos os
instrumentos, como se além de cantora ela assumisse o papel de maestrina,
destacando sua capacidade ímpar de conduzir a canção como se ela fosse algo
palpável que se pega com a mão e se vai levando em caminhada a passos marcados
e sem pressa de chegar ao seu destino. É precisamente isso, Dolores cantava como
se principiasse algo que parecia não ter fim, como um vento que sopra
ininterruptamente sobre as campinas de certos lugares.
Mas Dolores também sabia se
transformar em outras. E disso eu tomei conhecimento quando me chegaram
petardos como “Zombie”, “Salvation” e “Hollywood”, canções que evidenciavam uma
postura de afirmação e de combate.
No dia 22 de outubro de
2010, eu fui, junto com Ernani Neves, assistir à apresentação do The
Cranberries na casa de shows Chevrolet Hall – atualmente o estabelecimento atende por Classic
Hall, seu nome inicial -, em Olinda. Foi uma noite incrível. Muito próximo ao
placo eu vi bem de perto e acompanhei com imenso entusiasmo a performance de
Dolores O’Riordan, que cantou todos os grandes sucessos da carreira e deixou a
plateia superempolgada. Foi um dos melhores shows que eu vi até aqui. No palco,
Dolores era de uma potência ainda mais elevada da que se ouvia nos discos; e
estar ali, presenciando e constatando isso, foi de uma satisfação poucas vezes
sentida.
No último dia 14 de janeiro
o mundo tomou conhecimento da morte de Dolores O’Riordan, que contava somente
quarenta e seis anos de idade. Sempre lamento quando uma rara ave canora tem
seu canto silenciado. Meu tributo a ela consistiu em chegar a minha casa,
apanhar um dos discos do The Cranberries e colocá-lo para tocar em alto e bom
som, de modo que a voz dela invadisse o ambiente e o extrapolasse. Por um
instante, enquanto a música rolava, eu pensei ter visto Dolores de pé, na sala,
olhando para a rua através das janelinhas da porta. Certamente foi “just my
imagination”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário