Por Clênio Sierra de Alcântara
A despeito de querer, desde
o início do seu governo, envergar o manto e a postura de progressista e
reformista, o senhor Presidente da República Michel Temer, em que pese o que
foi estabelecido pela chamada “reforma trabalhista”, é um político neanderthal que encarna alguns dos
piores vícios da fauna política brasileira, vide as investigações sobre a prática
de crimes que envolvem a sua impoluta pessoa e as figuras igualmente nada
honestas que estão com ele e não abrem porque, assim como ele, são alvos de
diligências policiais. Brasília não é uma ilha da fantasia, como muitos dizem;
é a terra da promissão dos malfeitores deste país.
Quando se pensava que esse
governo que aí está já nos tinha perturbado e envergonhado o bastante com seus
conluios e com seus toma-lá-dá-cá para se salvar das garras da Justiça, eis que
fomos surpreendidos com o anúncio sob todos os aspectos impactante de uma
intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro no mês
passado; intervenção essa que alguns veem como um mal necessário dado o
completo descontrole da ordem pública que se verificava por ali.
Não é de hoje que o Rio de
Janeiro vem apresentando sinais e dando demonstrações inegáveis de que, se em
algum momento existiu um plano, uma estratégia, um projeto de segurança pública
vigorando no território fluminense e/ou algo que o valha que tenha sido pensado
e aplicado por lá, ele desde há muito fracassou, não deu certo, faliu, sucumbiu
diante da inépcia dos tantos governantes que ocuparam o Palácio da Guanabara e
do apetite voraz por dinheiro de políticos e de policiais desonestos, fazendo
com que no Rio de Janeiro jamais tenha vigorado uma política de segurança pública de
fato, e sim, algo do tipo da brincadeira “polícia e ladrão”, durante a qual a
bandidagem cada dia mais se aparelhava protegida que era por policiais que com
ela estavam mancomunados. E enquanto eles “brincavam”, a população era vitimada
por balas perdidas, assaltos a toda hora e arrastões. Até aí o Rio de Janeiro
quis emular Brasília, deixando os bandidos à solta para que eles continuassem a
aprontar das suas.
Quem examina o panorama da
segurança pública em âmbito nacional, não precisa ser nenhum doutor formado
pela Sorbonne para se certificar de que no mínimo tem alguma coisa errada ao se
deparar com estatísticas estarrecedoras que contabilizam anualmente milhares de
assassinatos – considerando apenas os que são motivados por latrocínios, por
ação de grupos de extermínio e assassinos de aluguel e por disputas entre
facções criminosas, os números são bastante elevados. O governo federal
resolveu intervir no Rio de Janeiro parecendo não saber que em estados como
Pernambuco, Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pará o avanço da
criminalidade tomou tamanha proporção que para muita gente que reside nesses
lugares não existe a presença do Estado e está-se entregue à própria sorte, em
terras sem lei.
Uma das maiores enganações
da segurança pública deste país é aquilo que os mestres do marketing de Brasília chamam de Força Nacional. E o que é a Força
Nacional, afinal, à qual o governo federal recorre principalmente para, vejam
só, socorrer estados que estão enfrentando um completo distúrbio social,
sobretudo quando seus policiais militares entram em greve? A Força Nacional é
constituída basicamente por policiais e bombeiros militares e por policiais
civis das diversas unidades da federação que ao serem convocados para uma dada
missão evidentemente desfalcam os efetivos aos quais pertencem; ou seja, é a
típica ação de descobrir um santo para cobrir outro; e sem esquecer que isso
tem um custo financeiro elevadíssimo. Agora vá você, leitor, procurar saber
qual é o estado brasileiro que não apresenta déficit de efetivo de policiais e
de bombeiros militares e que pode se dar ao luxo de liberar parte do seu
contingente para compor essa tal Força Nacional. Como diz o José Simão este é
mesmo o país da piada pronta: vejam vocês que para compor a bendita Força
Nacional o governo federal trata de enfraquecer um pouco mais os efetivos
estaduais.
Os que se interessam em
acompanhar a dinâmica das políticas públicas que envolvem as discussões em
torno da segurança pública sabem e/ou pelo menos tem noção de que, já faz algum
tempo, vem crescendo em diversos setores – academia, entidades da sociedade
civil e entre representantes dos próprios militares – uma ampla abordagem dessa
questão, de modo que ocorra um avanço no entendimento de que neste país algum
dia encontraremos e veremos em atuação policias militares verdadeiramente
conscientes do papel que lhes cabe como agentes da lei e representantes do Estado
no estabelecimento da ordem. Não compactuo com a ideia de que para humanizar,
como dizem, as nossas polícias, é preciso emasculá-las e só enxergar os
delinquentes como coitadinhos e “vítimas do sistema”. Não, para mim bandido é
bandido e ponto. Agora, por outro lado, compreendo que não podem ser
considerados legítimos mantenedores da ordem indivíduos que pensam que, por
trajarem uma farda de policial militar podem sair por aí como “fodões”,
ignorando a letra da lei e cometendo todo tipo de arbitrariedade e acreditando
que isso é justo e correto e é assim que tem de ser. Ora, se passarmos a
acreditar, também, que a barbárie e a criminalidade se atacam com mais
barbárie, ignorando os direitos e deveres individuais, estaremos
definitivamente condenando ao fracasso o nosso processo civilizatório, porque é
o império da lei – e leis podem sim ser discutidas e reelaboradas - que deve
prevalecer e não a selvageria e a barbárie travestida de ordem social e de
remédio para todos os nossos males que se enquadram na esfera da segurança
pública.
Infelizmente, ao decretar a
intervenção federal no Rio de Janeiro, o presidente Michel Temer além de
desprezar, digamos assim, as discussões que eu elenquei no parágrafo anterior,
errou tremendamente ao querer nos fazer crer que o caos na segurança pública
que assola aquele estado – e, repita-se, não só ele – será resolvido assim de
supetão e sem planejamento de longo prazo; e o que é talvez mais grave, nos
apresentar o Exército como única e verdadeira tábua de salvação contra esse
gravíssimo problema social que é a criminalidade desenfreada e impune.
Num ano em que serão
lembrados os cinquenta anos da decretação do tenebroso Ato Institucional Nº 5,
o AI-5, marco indicativo do início do período mais feroz da Ditadura Militar
(1964-1985), o Presidente Michel Temer vem com essa de decretar intervenção no
Rio de Janeiro, pondo justamente o Exército na linha de frente, o nobre
Exército brasileiro que já deu demonstrações de que a ordem democrática neste
país está consolidada e é uma conquista de toda a sociedade.
Para quem tinha a pretensão
de entrar para a História como um presidente reformista e progressista, o
senhor Michel Temer está findando os seus dias de ocupante do Palácio do
Planalto como a própria encarnação do retrocesso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário