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O ministro Sérgio Sá Leitão com o grupo Coco de Selma e Lia de Itamaracá |
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Isa Melo e Dona Glorinha aproveitando os comes e bebes |
O modo precário como a
cultura, em sentido macro, é tratada neste país pelo Estado é revelado, por
exemplo, pelas dezenas de edificações históricas, protegidas por lei, que estão
em avançado processo de desgaste e em vias de desaparecer da paisagem. E o que
dizer do Museu do Ipiranga, em São Paulo, que está fechado há anos e a previsão
mais otimista nos diz que ele será reaberto em 2022? E o Cine-teatro do Parque,
no Recife, que “comemorou” o seu centenário, em 2015, de portas fechadas e que permanece
assim até hoje? E o Centro Cultural Estrela de Lia, na Ilha de Itamaracá, que, desde
2014, não consegue efetivamente sair do papel? E a infinidade de documentos –
fotografias, mapas, cartas, etc. – de instituições como a Biblioteca Nacional,
no Rio de Janeiro, que a memória da nação está correndo o risco de perder para
sempre por falta de verbas que possibilitem a promoção de restauro e
acondicionamento adequado? Bem, infelizmente, é essa a realidade que
enfrentamos; e ela por si mesma expressa a dificuldade que é tratar da
manutenção da cultura em todas as suas dimensões no Brasil.
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Raquel Marta dando entrevista |
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Duas joinhas: Dona Glorinha e Leda Alves |
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Foto: Marcos Paulo Eu é que não ia perder a oportunidade de me ver flagrado ao lado delas |
Ontem, pela manhã, no Centro
Cultural Cais do Sertão – ele próprio um equipamento cultural cujas obras vêm
se arrastando há anos e que inclui um museu dedicado à cultura nordestina e à
obra de Luiz Gonzaga que já chegou a ficar dias fechado, em 2016, porque teve o
fornecimento de energia elétrica cortado por falta de pagamento e também porque
os funcionários estavam sem receber os salários -, localizado na Av. Alfredo
Lisboa, no Bairro do Recife, na capital pernambucana, ocorreu o lançamento do
edital da sexta edição do Prêmio Culturas Populares, do Ministério da Cultura
(MinC) que, vejam só, havia cinco anos não era lançado e foi retomado no ano
passado, outra evidência de como a cultura popular é relegada para segundo
plano pelas políticas públicas até mesmo pelo ministério que, em tese, deveria
promovê-la incondicionalmente.
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Milton Costa, irmão de Beto Hees e produtor do grupo Coco de Selma |
Depois de um regionalíssimo
e bom café da manhã – cuscuz, canjica, bolo, tapioca, munguzá, sucos de caju,
mangaba e graviola – que foi servido no vão do prédio, todos os participantes
do evento subiram até o segundo andar para ocupar os assentos do auditório. E,
pouco depois das 11:00 h, a cerimônia do MinC realmente teve início.
Como a edição deste ano do
Prêmio Culturas Populares homenageia a saudosa coquista Dona Selma do Coco, que
atravessou as fronteiras brasileiras cantando “A rolinha” e que faleceu em maio
de 2015, a cerimônia foi aberta com a apresentação do grupo Coco de Selma, do
qual fazem parte netas daquela artista, e que contou com a participação luxuosa
de outras três grandes representantes da cultura popular pernambucana: Lia de
Itamaracá, Dona Glorinha do Coco e Aurinha do Coco. Em seguida, subiram ao
palco o grupo Papanguarte, da cidade de Bezerros, que pôs o ministro da Cultura
Sérgio Sá Leitão para frevar, e o respeitadíssimo produtor musical Robertinho
do Recife que, acompanhado pelo cordelista e rabequeiro Beto Brito, tocou o
clássico “Asa branca”, composição de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
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Esta e a foto seguinte são de Marcos Paulo |
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Eu, o ministro da Cultura Sérgio Sá Leitão e a rainha da ciranda Lia de Itamaracá |
De posse do microfone o
ministro Sérgio Sá Leitão, sem nenhum floreio e se atendo ao que era pertinente
e necessário esclarecer, apresentou as diretrizes do edital destacando a
importância da iniciativa; o aumento do valor da premiação, que passou de R$
10.000,00 para R$ 20.000,00, para cada uma das quinhentas propostas que forem
contempladas; e reconhecendo a necessidade de promoção das expressões
culturais, em geral, que, segundo ele, contribuem imensamente para a elevação do
Produto Interno Bruto do país, porque estão atreladas a uma cadeia enorme de
produção. Com uma sinceridade pouco comum, o ministro disse que o MinC está
empenhado não em promover novos projetos e, sim, em concluir obras e em pagar a
quem foi contemplado há tempos em editais e vinha aguardando o dinheiro sem
nenhuma perspectiva. E, como não poderia deixar de ser, ele exibiu um breve
histórico da homenageada e um vídeo com depoimentos que foi gravado no Alto da
Sé, em Olinda, na última terça-feira, local esse onde Dona Selma, durante certo
período, ganhava a vida vendendo tapioca. Sérgio Sá Leitão destacou ainda que “Aquilo
que a política tem separado, a cultura une”, sem que ninguém que estava ali
presente tenha gritado “Fora Temer!” nem “Lula livre!”, o que corroborou a sua
fala, que foi bastante aplaudida.
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O grupo Papanguarte |
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Robertinho do Recife e Beto Brito |
Antes que a secretária de
Cultura da cidade do Recife, Leda Alves, se dirigisse ao microfone para, entre
outras coisas, dizer do seu desconforto com o fato de o Carnaval recifense ter
perdido a espontaneidade das folias de rua e ter se transformado em “Carnaval
de palco”, o Maracatu Estrela Brilhante, de Igaraçu, pôs o batuque dos seus
tambores para fazer vibrar as paredes do auditório.
E ainda teve mais: em forma
de cortejo, fomos deixando aquele espaço ao som do Afoxé Omô-Inã, seguindo para
o vão, onde a quadrilha junina mirim Fusão, do Morro da Conceição, zona norte
do Recife, fez uma apresentação insossa e sem graça – quem quer ver quadrilha
junina que não se apresenta devidamente paramentada? – encerrando o evento.
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Beto Hees, produtor de Lia de Itamaracá, foi uma das pessoas que gravaram depoimento sobre Dona Selma, artista com a qual também trabalhou |
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Maracatu Estrela Brilhante |
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Robertinho do Recife, um dos grandes nomes da produção musical deste país |
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O Afoxé Omô-Inã |
Às vezes, em conversas com
mestres e brincantes da cultura popular, eu ouço deles palavras de desânimo e
de desesperança com relação ao futuro de suas práticas artísticas. E não é só
por causa de um pequeno cachê que, não raro, eles demoram meses para receber; e
não é só pela falta de espaço e oportunidade para eles mostrarem com mais
frequência os seus brinquedos. É muito mais do que isso; é, fundamentalmente,
de dignidade que eles me falam, porque, convenhamos, que dignidade pode ter
alguém que, às vezes, não tem necessidades sociais mínimas atendidas, como a
garantia da alimentação diária e que sobrevive sem amparo algum? Que dignidade
pode ter alguém que tem de ir inúmeras vezes bater na porta de uma secretaria para
cobrar o que estão lhe devendo? Que dignidade, enfim, tem um artista cuja arte
é “valorizada” e considerada “coisa importante” nos discursos oficiais e nas
elucubrações teóricas de teses e dissertações acadêmicas se, na realidade da
vida prática, na labuta do cotidiano, lhe falta o mínimo e o básico para ele
sobreviver?
Na calmaria daquele já
começo de tarde, eu deixei o Cais do Sertão acompanhando Lia de Itamaracá e sentindo a voz de Luiz Gonzaga ecoar nos meus ouvidos ateus: “Eu perguntei a
Deus do céu, ai/ Por que tamanha judiação?”.
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