Eu
ouço as vozes
eu
vejo as cores
eu
sinto os passos
de
outro Brasil que vem aí.
O outro Brasil que
vem aí. Gilberto Freyre
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I
Vem de longe a crença generalizada
de que, em sua maioria, as unidades prisionais brasileiras estão sob o controle
da bandidagem, embora o Estado continue mantendo o discurso estúpido de que não
é bem isso. Como não é se a cada revista que se faz nesses porões são
encontrados armas, drogas e telefones celulares? Como não é se de vez em quando
vaza um vídeo em que prisioneiros aparecem curtindo cervejinha e churrasco
dentro da cadeia?
II
As investigações prosseguem
e o recém-eleito senador Flávio Bolsonaro permanece sustentando explicações
nada satisfatórias para justificar movimentações financeiras incompatíveis com
os seus rendimentos, ao mesmo tempo em que se veem como pessoas próximas a ele,
como o ex-assessor Fabrício Queiroz, um verdadeiro prodígio da multiplicação de
reais como só Jesus Cristo o foi com peixes e pães, e um major da Polícia
Militar do Rio de Janeiro, senhor Ronald Paulo, apontado como chefe de uma das
inúmeras milícias que tocam o terror em certos estratos da população carioca,
aparecem, também elas, com movimentações que não são nada republicanas, para
dizer o mínimo. O major foi preso nesta semana; já o ex-assessor continua convalescente.
III
Na última quinta-feira o
senhor Jean Wyllys, deputado federal reeleito pelo PSOL do Rio de Janeiro para
um terceiro mandato e um destemido militante defensor dos direitos dos
homossexuais e de outros segmentos sociais marginalizados como os negros e as
mulheres, anunciou que não irá assumir o mandato conquistado no pleito ocorrido
no ano passado, porque, ainda que ele venha sendo escoltado pela polícia
legislativa, anda temendo pela perda de sua vida, tantas são as ameaças de
morte que não é de hoje ele vem recebendo. O deputado Jean Wyllys fez
acertadamente um paralelo de sua condição com o caso Marielle Franco/Anderson
Gomes; e sabe que não dá para confiar em proteção policial alguma neste país,
porque, assim como se matam juízes e agentes de segurança pública honestos e
cumpridores dos seus deveres, assassinam vereadores e deputados e a coisa fica
por isso mesmo, uma vez que o Estado não protege os cidadãos da ação dos
assassinos e nem se esforça para elucidar os crimes por eles cometidos.
IV
Segundo tudo o que se apurou
até agora, foi no comecinho da tarde de ontem que uma barragem de resíduo de
minério de ferro da gigante mineradora do setor Vale, rompeu na cidade de
Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, causando mortes de
pessoas e de animais, cujos números não param de crescer, devastando paisagens
e provocando um prejuízo ambiental cuja dimensão ainda será avaliada ao longo
dos anos, porque isso não é algo de definição imediata.
V
Durante mais de uma semana,
em que pese a pirotecnia do Estado para fazer o cidadão perplexo e indefeso
acreditar que ele, o Estado, estava controlando a situação, bandidos fizeram e
aconteceram em várias cidades cearenses ateando fogo em veículos e prédios
públicos e privados, lançando bombas em tudo quanto é canto e, de certa forma,
tirando onda, zombando da atuação dos agentes da segurança pública e como que
dizendo que não tem Polícia Militar, não tem Força Nacional e não tem Exército,
porque quem manda naquele pedaço é o poder do crime organizado, poder esse que promove
carnificinas, decapitações e decreta toques de recolher. Ao que parece o lema
que há anos vigora no Ceará e em outras praças deste país imenso é este: onde o
Estado está ausente ou é ineficiente, a bandidagem está presente e manda e
desmanda.
VI
O senhor Flávio Bolsonaro em
vez de dar explicações plausíveis e convincentes, age como se fosse vítima de
perseguições impetradas por inimigos políticos e pelos órgãos da imprensa, em
especial pela Rede Globo, essa Geni em quem todos os investigados por
malfeitorias costumam jogar pedras, porque a Rede Globo, a Folha de S. Paulo, a Veja
e Reinaldo Azevedo, segundo eles, são entidades malignas que não querem ver o Brasil
crescer e ficam o tempo todo investigando, apurando e denunciando maracutaias e
conluios montados para subtrair dos cofres públicos os montantes que eles
quiserem. O senhor Flávio Bolsonaro age e/ou vem agindo como se os fatos
levantados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras fossem
mentirosos e inventados para denegrir a sua imagem de homem probo, íntegro e
honesto. Só que de gente proba, íntegra e honesta que atuava na vida pública a
Papuda está quase cheia.
E em meio a isso, o que foi
que fez o senhor Jair Bolsonaro, um sujeito que parece que ainda não se deu
conta de que expirou o seu mandato de deputado bravateiro e doidivanas, que a
campanha eleitoral acabou e que ele agora é o Presidente da República? Ele saiu,
claro, em defesa do filho dizendo “Não é justo usar um garoto para me atingir”.
Não é gozado o uso do termo “garoto” na fala do Presidente? É gozado porque o
tal “garoto” não é uma criança e nem um adolescente; é um homenzarrão de 37 anos de idade que, antes de ser eleito senador, era deputado estadual desde de 2003, conhece como poucos o covil que é o Palácio Tiradentes e
que sabe até onde o diabo mora, como diria a minha avó. A fala de Seu Jair
Bolsonaro me fez recordar o inesquecível e arguto Chico Anysio que, em parceria
com Castrinho, num dos seus inúmeros quadros de humor, dizia assim: “Meu garoto”.
E o outro respondia: “Meu paipai”. É isso, Jair Bolsonaro e o seu “garoto” são
os novos Cascata e Cascatinha da política nacional.
Seu Jair, desculpe-me pelo tom da pilhéria, mas esses episódios que vieram à tona envolvendo o nome do seu amado
filho estão me levando a crer que todo o seu moralismo, toda a sua ética, toda
a sua honestidade e todo o seu caxiísmo militar não foram bem absorvidos pelo
seu filhão, não. Seu Jair, é bom o senhor já ir se acostumando porque as “entidades
malignas” não irão lhe dar sossego, ainda mais agora que Sua Excelência deixou
de ser pedra e virou vidraça; e, como o senhor detesta a cor vermelha, é bem
capaz que, por causa delas, o senhor venha a ficar diversas vezes vermelho de
raiva.
VII
Ao abrir mão do seu mandato
como forma de preservar a sua vida – e eu creio que as ameaças contra ele
permanecerão -, o deputado Jean Wyllys, a meu ver, admitiu não apenas que o
Estado não conseguirá de fato protegê-lo, porque, penso eu, ele acredita que
agentes do próprio Estado podem vir a dar cabo de sua existência por supor,
mirando o caso Marielle/Anderson, que esse crime não foi “elucidado” porque as
autoridades, o Estado, na verdade, não querem que o seja e/ou, pelo menos, não
querem que a elucidação que, talvez, eles já tenham em mãos, por alguma razão,
não chegue ao público.
Vou continuar na torcida
para que o senhor Jean Wyllys reconsidere e repense a sua decisão e continue
firme e forte na frente de batalha de um Congresso Nacional onde abundam
senhores e senhoras de pensamento retrógrado que acreditam piamente que podem e
que têm um poder supremo de mudar e/ou domar a natureza íntima das pessoas que
não se vestem somente com roupas cor de rosa e azul; e, mais do que isso, que
creem verdadeiramente que conseguirão barrar a transformação ora em curso no
campo comportamental e existencial das pessoas no que diz respeito à identidade
sexual delas. Lei nenhuma e nem vontade e crença religiosa alguma irão
interromper essa realidade que é uma das marcas do zeitgeist deste nosso tempo.
VIII
Somado ao outro terrível
episódio havido três anos atrás no distrito de Bento Rodrigues, na cidade de
Mariana, também em Minas Gerais, onde uma barragem de resíduos de mineração
igualmente a de agora rompeu deixando mortos, feridos e sobreviventes
desestruturados até hoje, espalhando dor, angústia e sofrimento, a companhia
Vale além de ter deixado evidente que os lucros bilionários e a sua expansão é
o que importam e a vida das pessoas vale muito pouco ou nada, novamente se viu
no olho do furacão como empresa que pratica o chamado “capitalismo selvagem”, que
não se preocupa com a integridade e o bem-estar das pessoas e nem com a preservação
do meio ambiente, porque, tudo leva a crer, ela não compartilha do que se
convencionou chamar de desenvolvimento sustentável.
Ao lado disso, espíritos de
porco vêm aproveitando o episódio para atacar a política de privatização de
estatais. Ora, gente, se o Estado brasileiro fosse um gerenciador eficiente dos
recursos financeiros que subtrai de nós na forma de impostos de todo tipo, nós não
teríamos escolas e hospitais públicos caindo aos pedaços e nem viveríamos sob
essa disseminada insegurança pública que faz com que todos os dias centenas de
cidadãos percam suas vidas nas mãos de marginais. As privatizações devem e
precisam ser levadas adiante. O que aconteceu com as barragens da Vale foi resultado, eu diria, das mesmas práticas que nos levam a consumir, sem que saibamos, leite batizado com soda cáustica e a comprarmos carnes infectadas com salmonella
e gasolina misturada com solvente; a vermos prédios e viadutos desabarem
porque foram mal construídos e/ou construídos com material de terceira e/ou não
passaram por manutenção; a assistirmos a cenas de boates e museus pegando fogo sem
aparato de sistema de segurança algum; e a sermos informados que esta e
aquela empresa estavam mantendo “funcionários” em regimes de trabalho análogos
à escravidão.
O que eu estou querendo
dizer é que, seja por incompetência dos órgãos públicos fiscalizadores, seja
por falta de contingente para tanto, seja por compra e/ou pagamento a funcionários
públicos corruptos, fiscalizações não são feitas, laudos falsos são emitidos,
licenças ambientais são concedidas, alvarás de funcionamento são liberados
ainda que os estabelecimentos não tenham atendido as exigências previstas em
normas e leis, e por aí vai. Ou seja, não se pode baixar a guarda no campo da
fiscalização esperando e/ou acreditando que todos os empresários são honestos e
se preocupam com o nosso bem; e, claro, deve-se punir rigorosamente os
infratores, sejam eles funcionários públicos, sejam privados, o que, infelizmente,
não é o se vê acontecendo nas esferas judiciais de modo frequente. Somos, ao
fim e ao cabo, reféns de um Estado paquidérmico, ineficiente e sugador de
recursos por vias nem sempre legais; e, por conta disso, amargamos a dura realidade de vez por outra sermos vitimados por "acidentes" e "fatalidades" dignos de crônicas de tragédias anunciadas.
IX
Não sou de abrir mão da
esperança, mas, desde há muito, eu venho me esforçando para não me ver
prisioneiro de ilusões.
X
Meus sentimentos a todos os que perderam parentes e amigos na terrível tragédia de Brumadinho.
Enquanto não pararmos para refletirmos sobre a vida, o meio ambiente, estaremos sempre aprisionados a barbárie do capitalismo exacerbado. A troca de favores, pratica ainda, bem atuante no Brasil, onde grandes empresas são isentas de tudo literalmente e favorecidas com concessões de licenciamento, sem nenhuma fiscalização pelo poder publico, ou por assim dizer, os empresários, que são de fato a grande maquina financiadora da corrupção, é por sua vez que sustenta e banca todas as regalias, destes como: câmara, senado, ficaremos sempre reféns da massa de corruptos, que não tem cor nem endereço, engenheiros ambientais, juizes, diretores de multinacionais, presidentes, representante de orgãos internacionais, Deputados, senadores, enfim. "meu brasil brasileiro".
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