2 de fevereiro de 2019

Fazendo desenhos com a luz: entrevista com Eduardo Tropia


Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Arquivo do Autor
Meu encontro com Eduardo Tropia me proporcionou outra descoberta de Ouro Preto, uma cidade fascinante


A primeira vez que eu dividi, por assim dizer, o mesmo espaço com o brilhante fotógrafo mineiro Eduardo Tropia foi na noite do dia 16 de outubro, do ano passado, no auditório do anexo do Museu da Inconfidência, na imática Ouro Preto, aonde fomos para prestigiar uma palestra da professora Yeda Pessoa de Castro e o relançamento do livro dela intitulado A língua mina-jeje no Brasil: um falar africano em Ouro Preto do século XVIII. Três dias depois – também à noite e agora no Museu Casa Guignard – nos encontramos no vernissage da exposição Urban Sketchers e Passos de Guignard – USB Inconfidentes, de André Perdigão e Pedro Porto. Foi nessa ocasião que nos apresentamos um ao outro, trocamos figurinhas e ele me convidou para ir conhecer o seu ateliê.


Natural da cidade de Pedro Leopoldo, onde nasceu em 1º de novembro de 1956, Eduardo Augusto Magalhães Tropia, é um ouro-pretano de coração que não esconde de ninguém o seu apreço desmesurado pela sob muitos aspectos encantadora e fascinante cidade histórica mineira; apreço esse constantemente revelado em sua produção fotográfica com a qual ele registra cantos e recantos do sítio urbano e também cria e/ou recria cenários fazendo sobreposições de imagens.


Integrante do Coletivo Olho de Vidro, surgido em julho de 2007, Eduardo Tropia mantém um diálogo permanente com o lugar onde mora fotografando, promovendo exposições e workshops e dizendo o tempo todo da importância da “formação plástica do olhar”.


Na tarde da segunda-feira 22 de outubro eu me dirigi até o imóvel de nº 165 da icônica Rua São José – ele foi morada do poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens -, que é um misto de residência, galeria, ateliê e loja, para conhecer o ambiente e entrevistar Eduardo Tropia. Em meio a uma infinidade de referências – fotografias, objetos de decoração e garrafas de licor de jabuticaba: “Papai perdeu a vista esquerda, por causa de um AVC, e desencantou da fotografia. Foi quando pegou a receita da mãe e começou a fazer o licor, que hoje é preparado por minhas irmãs Maria José e Adelina”, ele me disse -, Eduardo traçou um panorama de sua convivência com o universo fotográfico à medida que foi trazendo à tona lembranças de fatos e de pessoas, deixando-me ver, entre outras coisas, a sua grande reverência ao artista plástico polonês  naturalizado brasileiro Frans Krajcberg.









No clássico Sobre fotografia, a nova-iorquina Susan Sontag nos diz que “as fotos são indícios não só do que existe mas daquilo que um indivíduo vê; não apenas um registro mas uma avaliação do mundo” (Susan Sontag. “O heroísmo da visão”. In Sobre fotografia. Trad, Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 105). De alguma maneira foi esta mesma lição que Eduardo Tropia me deu naquela tarde em que ele gentilmente me recebeu em sua casa.




Eduardo, eu sei ou pelo menos eu presumo que o seu pai Milton Tropia, que também era fotógrafo, seja a sua maior referência no universo da fotografia. Além dele que outros nomes você tem como influência?


Cartier-Bresson, como referência internacional, desde o início. Nomes nacionais: Walter Firmo e Alair Gomes. Os dois com uma formação de fotojornalismo, agressividade e qualidade na formação final da imagem. Emidio Luisi, com formação em Artes Cênicas e Dança, eu conheci aqui no Festival de Inverno. Walter vem há trinta anos na Semana Santa. Somos amigos. Conheci todos aqui. Frans Krajcberg eu também conheci aqui em Ouro Preto, acompanhei-o por uma semana. Aprendi com ele a formação plástica do olhar. Minha fotografia é instintiva e presencial. Não fiz leituras sobre fotografia. Fiz editoriais para a revista IstoÉ e o jornal O Tempo. O meu aprendizado foi na prática.



Ambiente de trabalho, morada, lojinha... A ambientação do imóvel tem um quê de nostalgia que creio que encanta qualquer visitante















Por que a fotografia e não outra expressão artística?


Por causa da influência do meu pai. Eu nasci num laboratório fotográfico, em casa. Depois, tivemos uma loja-estúdio. A gente conversava muito. A fotografia entrou na vida dele, não tenho dúvida, por causa do cinema. Meu avô teve sete cinemas em sete cidades. O último foi o Cine Vila Rica. Fizemos de tudo para que o prédio não fosse transformado em igreja e nem em supermercado. Ele tomava conta do cinema em Pedro Leopoldo; e começou a fotografar no início da década de 1950.


Qual a sua relação com o centro histórico de Ouro Preto?


A minha criação foi no centro histórico. Cheguei aqui com um ano. Toda a minha referência de cidade é o centro histórico. Estamos com esta casa na família há setenta anos. Meu avô comprou quatro casas nesta rua para fazer cinema, mas o Patrimônio não permitiu. Eu tinha três anos quando ele faleceu.


O Coletivo Olho de Vidro, do qual você faz parte [ os outros integrantes atuais são os fotógrafos Antônio Laia, Heber Bezerra e Alexandre Martins; e o poeta Alexandre Mansur ] já tem doze anos de existência. Qual o propósito da formação do grupo e em que medida ele conegue se inserir na cena cultural da cidade?


Surge da ideia do Laia para provocar uma discussão de que a fotografia de Ouro Preto não era vista e nem reconhecida. Quem batizou o grupo foi o Mansur. Fizemos uma primeira exposição num bar chamado Lero Lero, no Largo do Rosário, em 2007. No segundo ano gostamos da ideia. Não tenho dúvida de que impactamos a cena cultural com uma produção diferenciada de Ouro Preto. Algumas exposições foram co-patrocinadas. De 2012 para cá eu comecei a fazer um trabalho individual, mas ainda me mantendo no Coletivo. Comecei a ter retorno financeiro a partir de 2012. Comecei a vender obras e fazer workshops. E comecei a finalizar o trabalho em papel algodão e pigmento mineral. É o que a gente chama de fine art. As obras são catalogadas e numeradas. E fiz algumas exposições. A Murus, por exemplo, já passou por oito galerias.


Retomando a questão que eu lancei para todos os presentes no vernissage do André Perdigão e do Pedro Porto: por que a insistência em mostrar e “vender” a cidade de Ouro Preto apenas retratando o casario, becos e ladeiras do sítio histórico?


É uma tendência natural. Eu sempre vendi a cidade como o centro histórico. É fazer do sítio histórico um produto. A arte, para mim, tem que vir acompanhada de valor comercial, porque eu sou autônomo. Mas também tem coisa invendável, como a instalação Memonóculos, uma parede com duzentos monóculos, que eu apresentei dentro da exposição de 2016 do Coletivo.


















Talvez mais do que em qualquer outro período da existência humana a fotografia, o autorretrato, a selfie, a imagem em si, se tornou um signo ao mesmo tempo de modernidade e comunicação de massa que acontece de maneira instantânea e imediata nas chamadas redes sociais. A mim me parece que cada vez mais pessoas tendem a fazer mais uso de imagens e, por outro lado, pouquíssimo uso da palavra escrita e mesmo falada. Como você enxerga esse, digamos, novo paradigma de sociabilidade?


A verdade é que o mundo virou fotógrafo. As pessoas perderam o sentido de apreciar e só querem fotografar. Eu acho que estamos perdendo dois movimentos: a leitura e o olhar. As pessoas vão aos museus para fotografar e se fotografar. É o olhar e não o ver, e não apreciar. O princípio dos meus workshops é fotografar menos e olhar mais.


O que é a fotografia e/ou o fotografar para você?


Para mim, fotografar é desenhar com a luz. E registrar um momento e relatos de histórias a serem contadas. Para mim, cada fotografia tem uma história para contar.






Eduardo Tropia por Eduardo Tropia.


Eu acho que sou autêntico, verdadeiro e um aprendiz eterno.


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