Por Clênio Sierra de
Alcântara
Fotos: Arquivo do Autor Meu encontro com Eduardo Tropia me proporcionou outra descoberta de Ouro Preto, uma cidade fascinante |
A primeira vez que eu dividi,
por assim dizer, o mesmo espaço com o brilhante fotógrafo mineiro Eduardo Tropia
foi na noite do dia 16 de outubro, do ano passado, no auditório do anexo do
Museu da Inconfidência, na imática Ouro Preto, aonde fomos para prestigiar uma
palestra da professora Yeda Pessoa de Castro e o relançamento do livro dela
intitulado A língua mina-jeje no Brasil:
um falar africano em Ouro Preto do século XVIII. Três dias depois – também à
noite e agora no Museu Casa Guignard – nos encontramos no vernissage da
exposição Urban Sketchers e Passos de
Guignard – USB Inconfidentes, de André Perdigão e Pedro Porto. Foi nessa
ocasião que nos apresentamos um ao outro, trocamos figurinhas e ele me convidou
para ir conhecer o seu ateliê.
Natural da cidade de Pedro
Leopoldo, onde nasceu em 1º de novembro de 1956, Eduardo Augusto Magalhães
Tropia, é um ouro-pretano de coração que não esconde de ninguém o seu apreço
desmesurado pela sob muitos aspectos encantadora e fascinante cidade histórica
mineira; apreço esse constantemente revelado em sua produção fotográfica com a
qual ele registra cantos e recantos do sítio urbano e também cria e/ou recria
cenários fazendo sobreposições de imagens.
Integrante do Coletivo Olho de Vidro, surgido em julho
de 2007, Eduardo Tropia mantém um diálogo permanente com o lugar onde mora
fotografando, promovendo exposições e workshops e dizendo o tempo todo da
importância da “formação plástica do olhar”.
Na tarde da segunda-feira 22
de outubro eu me dirigi até o imóvel de nº 165 da icônica Rua São José – ele foi
morada do poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens -, que é um misto de
residência, galeria, ateliê e loja, para conhecer o ambiente e entrevistar
Eduardo Tropia. Em meio a uma infinidade de referências – fotografias, objetos
de decoração e garrafas de licor de jabuticaba: “Papai perdeu a vista esquerda,
por causa de um AVC, e desencantou da fotografia. Foi quando pegou a receita da
mãe e começou a fazer o licor, que hoje é preparado por minhas irmãs Maria José
e Adelina”, ele me disse -, Eduardo traçou um panorama de sua convivência com o
universo fotográfico à medida que foi trazendo à tona lembranças de fatos e de
pessoas, deixando-me ver, entre outras coisas, a sua grande reverência ao
artista plástico polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg.
No clássico Sobre fotografia, a nova-iorquina Susan
Sontag nos diz que “as fotos são indícios não só do que existe mas daquilo que
um indivíduo vê; não apenas um registro mas uma avaliação do mundo” (Susan
Sontag. “O heroísmo da visão”. In Sobre fotografia.
Trad, Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 105). De alguma
maneira foi esta mesma lição que Eduardo Tropia me deu naquela tarde em que ele
gentilmente me recebeu em sua casa.
Eduardo,
eu sei ou pelo menos eu presumo que o seu pai Milton Tropia, que também era
fotógrafo, seja a sua maior referência no universo da fotografia. Além dele que
outros nomes você tem como influência?
Cartier-Bresson, como
referência internacional, desde o início. Nomes nacionais: Walter Firmo e Alair
Gomes. Os dois com uma formação de fotojornalismo, agressividade e qualidade na
formação final da imagem. Emidio Luisi, com formação em Artes Cênicas e Dança,
eu conheci aqui no Festival de Inverno. Walter vem há trinta anos na Semana
Santa. Somos amigos. Conheci todos aqui. Frans Krajcberg eu também conheci aqui
em Ouro Preto, acompanhei-o por uma semana. Aprendi com ele a formação plástica
do olhar. Minha fotografia é instintiva e presencial. Não fiz leituras sobre
fotografia. Fiz editoriais para a revista IstoÉ
e o jornal O Tempo. O meu aprendizado
foi na prática.
Ambiente de trabalho, morada, lojinha... A ambientação do imóvel tem um quê de nostalgia que creio que encanta qualquer visitante |
Por
que a fotografia e não outra expressão artística?
Por causa da influência do
meu pai. Eu nasci num laboratório fotográfico, em casa. Depois, tivemos uma
loja-estúdio. A gente conversava muito. A fotografia entrou na vida dele, não
tenho dúvida, por causa do cinema. Meu avô teve sete cinemas em sete cidades. O
último foi o Cine Vila Rica. Fizemos de tudo para que o prédio não fosse
transformado em igreja e nem em supermercado. Ele tomava conta do cinema em
Pedro Leopoldo; e começou a fotografar no início da década de 1950.
Qual
a sua relação com o centro histórico de Ouro Preto?
A minha criação foi no
centro histórico. Cheguei aqui com um ano. Toda a minha referência de cidade é
o centro histórico. Estamos com esta casa na família há setenta anos. Meu avô
comprou quatro casas nesta rua para fazer cinema, mas o Patrimônio não
permitiu. Eu tinha três anos quando ele faleceu.
O
Coletivo Olho de Vidro, do qual você
faz parte [ os outros integrantes atuais são os fotógrafos Antônio Laia, Heber
Bezerra e Alexandre Martins; e o poeta Alexandre Mansur ] já tem doze anos de existência. Qual o propósito da formação
do grupo e em que medida ele conegue se inserir na cena cultural da
cidade?
Surge da ideia do Laia para
provocar uma discussão de que a fotografia de Ouro Preto não era vista e nem
reconhecida. Quem batizou o grupo foi o Mansur. Fizemos uma primeira exposição num
bar chamado Lero Lero, no Largo do Rosário, em 2007. No segundo ano gostamos da
ideia. Não tenho dúvida de que impactamos a cena cultural com uma produção
diferenciada de Ouro Preto. Algumas exposições foram co-patrocinadas. De 2012
para cá eu comecei a fazer um trabalho individual, mas ainda me mantendo no
Coletivo. Comecei a ter retorno financeiro a partir de 2012. Comecei a vender
obras e fazer workshops. E comecei a finalizar o trabalho em papel algodão e
pigmento mineral. É o que a gente chama de fine art. As obras são catalogadas e
numeradas. E fiz algumas exposições. A Murus,
por exemplo, já passou por oito galerias.
Retomando
a questão que eu lancei para todos os presentes no vernissage do André Perdigão
e do Pedro Porto: por que a insistência em mostrar e “vender” a cidade de Ouro
Preto apenas retratando o casario, becos e ladeiras do sítio histórico?
É uma tendência natural. Eu sempre
vendi a cidade como o centro histórico. É fazer do sítio histórico um produto. A
arte, para mim, tem que vir acompanhada de valor comercial, porque eu sou
autônomo. Mas também tem coisa invendável, como a instalação Memonóculos, uma parede com duzentos
monóculos, que eu apresentei dentro da exposição de 2016 do Coletivo.
Talvez
mais do que em qualquer outro período da existência humana a fotografia, o
autorretrato, a selfie, a imagem em si, se tornou um signo ao mesmo tempo
de modernidade e comunicação de massa que acontece de maneira instantânea e
imediata nas chamadas redes sociais. A mim me parece que cada vez mais pessoas
tendem a fazer mais uso de imagens e, por outro lado, pouquíssimo uso da
palavra escrita e mesmo falada. Como você enxerga esse, digamos, novo paradigma
de sociabilidade?
A verdade é que o mundo
virou fotógrafo. As pessoas perderam o sentido de apreciar e só querem
fotografar. Eu acho que estamos perdendo dois movimentos: a leitura e o olhar. As
pessoas vão aos museus para fotografar e se fotografar. É o olhar e não o ver,
e não apreciar. O princípio dos meus workshops é fotografar menos e olhar mais.
O
que é a fotografia e/ou o fotografar para você?
Para mim, fotografar é desenhar
com a luz. E registrar um momento e relatos de histórias a serem contadas. Para
mim, cada fotografia tem uma história para contar.
Eduardo
Tropia por Eduardo Tropia.
Eu acho que sou autêntico,
verdadeiro e um aprendiz eterno.
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