16 de outubro de 2021

O mau gosto do mau gosto

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
Para quem não sabe, Jampa é João Pessoa, capital da Paraíba. Antes a placa era esta, agora mudaram. Mas a procura de gente querendo posar ao lado dela continua. Não se pense que esse mau gosto é exclusividade de João Pessoa; na verdade, ele está espalhado pelo mundo afora

 
Fila para posar para o registro fotográfico



 

Depois da disseminação massiva das garças, dos anões, das Branca de Neve e das cópias do Cristo Redentor enfeitando jardins de casas e fachadas de imóveis os mais diversos, o exemplo máximo de mau gosto do mau gosto da vez são os letrões acompanhados de um coração formando uma frase de declaração de amor ao lugar onde o letreiro é montado.

Não faço a mínima ideia de quem seja o criador de mais esse cisto urbano que além de ser de muitíssimo mau gosto, é de uma tremenda poluição visual. Sem falar que ele é colocado em espaços que às vezes atrapalham o fluxo das pessoas.

Virou uma febre. E como neste país o que não presta é logo copiado e replicado em ritmo de pandemia, os tais letreiros podem ser encontrados numa infinidade de cidades, sobretudo nas que possuem atrativos turísticos. Às vezes eu paro e fico olhando a movimentação das pessoas para se fotografarem e/ou ser fotografadas junto aos letreiros que, claro,  se transformaram eles mesmos em atrações turísticas – eu próprio já me deixei ser flagrado ao lado de um deles.

O que eu considero mais gozado nesse apego, nesse indisfarçável amor que uns e outros fazem tanta questão de guardar em fotografias dos lugares que visitam é que, geralmente, não muito distante da tão procurada e fotografada declaração amorosa, encontremos demonstrações as mais lamentáveis que um amor desses é capaz de fazer nas tais cidades que exibem letreiros dessa natureza.

Não é preciso nem se afastar muito do letreiro de “declaração de amor” para encontrar lixo jogado aqui e ali; ocupação indevida do espaço público; estacionamento de veículos em lugares proibidos; furto de energia elétrica pelo comércio ambulante; obstrução de calçadas impedindo a passagem de pedestres, obrigando-os a disputar espaço com os carros nas pistas; circulação de automóveis em ciclovias e ciclofaixas; etc.

Sem dúvida que todas essas práticas e malfeitorias são decorrentes de nossa falta de educação e de nosso pouco apreço para com o espaço público e as regras de civilidade. Entra também nesse rol o desprezo a quase tudo que diga respeito ao bem comum; estamos quase sempre a pensar e a agir como se apenas as nossas necessidades individuais fossem importantes e, por isso, não consideramos, propositalmente, que muitas de nossas ações prejudicam direta ou indiretamente outras pessoas e de alguma forma colaboram para que o convívio social no meio no qual estamos inseridos seja não raro marcado por insatisfações coletivas.

Normalmente reclamamos que as ruas estão sujas, como se essa sujeira brotasse do nada, espontaneamente. Decerto que cabe às Prefeituras Municipais manter um serviço de coleta de lixo e de limpeza dos logradouros públicos. Mas, porque existe um serviço dessa natureza devemos nos comportar como porcalhões, jogando objetos e entulhos em tudo quanto é canto pensando que daí a pouco alguém irá aparecer para limpar o local? E o lixo que entope bueiros e canais? E o lixo que provoca o deslizamento de barreiras e a poluição de lagoas, rios e mares? Quantos de nós já não flagrou alguém descartando detritos pelo chão estando a pessoa a poucos metros de uma lixeira, por exemplo?

Os letreiros de “eu amo tal lugar”, que tanto sucesso fazem, deveriam ser ampliados com frases do tipo: “Eu amo tal lugar e, por isso, não jogo lixo no chão”; ou “Eu amo tal lugar e, por isso, respeito o pedestre”; ou ainda "Eu amo tal lugar e, por isso, não depredo o seu patrimônio histórico". Quem sabe assim os indivíduos que infringem as normas do bem viver coletivamente começassem a refletir que tão importante quanto o bom sentimento de pertencimento e/ou de admiração para com este ou aquele lugar, são as práticas e atitudes que cotidianamente tratam de cuidar dele e de preservá-lo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário