Por Sierra
Ao lado da misoginia, da
homofobia, da xenofobia e do descaso para com a educação e a preservação do
meio ambiente, o atual presidente da República pôs também o discurso do ódio e
da intolerância religiosa, conseguindo atrair para junto de si, com todos esses
males, um contingente de milhões de brasileiros que se reconhecem e que se
identificam com a pauta da beligerância e da malignidade que ele dissemina,
muito convictos de que o verdadeiro mal está no outro lado e não neles
próprios.
O entendimento de que os
seres humanos em suas relações com outros seres humanos, com a natureza e com
tudo o que existe de palpável e de impalpável está ligado a crenças muito
particulares, levou a humanidade a tratar com o sobrenatural evocando uma diversidade
de deuses dentro de cosmologias próprias e distintas umas das outras. Por que
está errado e deve ser perseguido quem cultua Oxum, quem segue os preceitos de
Buda, quem destina oferendas a Ganesha e quem adotou a doutrina do kardecismo? A
questão fundamental da intolerância religiosa que se manifesta pelos quatro
cantos do mundo é que, para uns e outros, só valem os escritos da Bíblia, só os ensinamentos cristãos é
que garantem a salvação de todos e de cada um de nós. Extremistas cristãos
estão à solta por aí praticando maldades em nome da crença que eles professam e
há quem pense que isso é bom para uma sociedade que se enxerga plural.
É justamente essa postura
algo belicosa que adentrou na atual disputa pela presidência da República. Estão
fazendo da crença no sobrenatural um instrumento de combate e de confronto
apontando, cada um a seu modo, os supostos perigos à fé cristã que estariam na
pauta de governo do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. O negócio é tão
absurdo e ao mesmo tão perigoso que muitas das ditas lideranças evangélicas,
que são as que até aqui vêm demonstrando mais intolerância religiosa e crendo e
disseminando inverdades, parecem não saber que o mundo é diverso e plural e
que, ao fomentarem, apoiarem e estimularem um descrédito e uma perseguição a
crenças espirituais e religiosas diferentes das que eles professam, estimulam a
desarmonia e os ataques àqueles que as vivenciam.
Notem que um dos maiores
absurdos que algumas lideranças evangélicas consciente e perversamente estão
propagando é a que diz que, uma vez que seja eleito, Lula mandará fechar as
igrejas evangélicas. Vejam, por outro lado, que essas mesmas lideranças
evangélicas não se pronunciam contra os ataques sistemáticos que vêm sendo
feitos aos territórios de umbanda e de candomblé e nem tampouco falaram das
ofensas recentes direcionadas aos maçons. E por que isso? Porque entre eles não
impera e nem sequer existe uma ideia de comunhão e de ecumenismo. O que entre
eles prospera é a lógica do “inimigo precisa ser derrotado” e “nós vamos acabar
com eles”. É a mesma lógica do não se importar com os constantes assassinatos
de homossexuais, porque, segundo eles, homossexuais são qualquer outra coisa,
menos gente.
Eu vejo evangélicos
afirmando que Lula é anticristão e contra os preceitos da Bíblia. Minha gente, quanta ignorância. Curioso e espantoso é ver
essas pessoas mancomunadas com Jair Bolsonaro, um sujeito que seguidamente deu
demonstrações que de cristão ele pouco ou nada tem. Por que esses evangélicos
que se julgam acima do bem e do mal e poços de fraternidade e de humanidade não
demonstram um mínimo de empatia para com as minorias que o atual presidente da
República ataca? Ser homossexual é ser contra a família? Ser negro é ser burro
de carga? Ser mulher é ser cidadão de segunda classe? Ser adepto de uma crença que
não for a que eu sigo é ser demoníaco? Que pregação de amor, de fraternidade e
de humanidade é essa?
Não faltam evangélicos que
atacam Lula dizendo que ele é um ex-presidiário e que eles jamais votariam num
ex-presidiário. Eu ouço coisas desse tipo e fico pensando no que é que essa
gente vai pregar nas unidades prisionais. Será que elas vão até esses locais
para tentar transformar, através do Evangelho, assassinos, ladrões e
estupradores ou será que elas não acreditam nisso, porque uma vez bandido o
indivíduo nunca mais cultivará bons valores e nem será, como eles dizem, “gente
de bem”? Penso nessas questões e fico imaginando um pastor e/ou um seu auxiliar
na porta de sua igreja avaliando alguém por ele desconhecido:
- Pois não? Eu sou o pastor
João. E você, quem é?
- Meu nome é Carlos...
- É a sua primeira vez aqui,
Seu Carlos?
- Sim, é. Eu tô precisando
me consertar na vida...
- Ah, é? Muito bem. E o que
foi de errado que o senhor fez, Seu Carlos, para vir procurar conforto na casa
de Deus?
- Eu bebia muito, sabe? E
num dia em que teu tava muito bêbado matei minha mulher a facadas. Cumpri minha
pena já.
- E foi? Olhe, Seu Carlos,
eu não deixo entrar aqui nem homossexuais, nem bêbados, nem estupradores, nem
ladrões e muito menos assassinos. Sabe o que o senhor faz, Seu Carlos? Vá procurar
outro lugar para entrar.
Mas minha gente, vocês não
vivem repetindo que Deus é amor?!
A necessidade que uns e
outros sentem de dar ouvidos e seguir um guia e/ou líder espiritual me apavora.
Eu me recuso terminantemente a aceitar que “guiem”, que “orientem” a minha
subjetividade; e que alguém diga o que eu devo ser e como eu devo ser. Não creio
no sobrenatural; mas não é porque eu não creio que eu deva partir para atacar e
desacreditar as crenças de quem quer que seja. A liberdade de consciência é
seguramente, para mim, a maior das liberdades. Sermos donos de nós mesmos e
termos plenitude de consciência nos confere uma força enorme para dizer “não”
aos que intencionam tirar de nós a capacidade que temos de pensar por si
próprio e de ter discernimento.
Como eu disse no artigo
anterior, eu vou votar em Lula oferecendo a ele um voto de confiança. Podem dizer
o que quiserem do candidato do Partido dos Trabalhadores. Para mim, os polos antagônicos
que estão disputando a presidência da República opõem a fraternidade e a
humanidade que eu vejo no candidato Lula ao obscurantismo e à desumanidade
personificados em Bolsonaro.
E para não dizerem que eu
fui muito sombrio e sério demais neste artigo, eu, que sei tanto ser da greia,
do deboche e do escracho sin perder la
ternura, fiz estes versos escrotos para embalar o pleito e zoar daqueles
que se julgam seres humanos melhores e superiores a outros seres humanos. Lá vai:
Ão, ão, ão eu voto é no
ladrão.
Quem só prega o ódio
é que vota no diabão.
Um tirano é sempre e sempre muito mais perigoso e cruel do que um ladrão, porque tiranos nos subtraem até a liberdade.
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