Por Sierra
Quando, no aproveitamento de
uma viagem, nós nos vemos em pleno regozijo do lugar que fomos conhecer e chega
a hora de arrumar os troços e partir de volta para casa, o choque dessa
realidade costuma nos causar certa tristeza, porque, a bem da verdade, nós
queremos aproveitar um pouco mais a realidade de prazeres e satisfações que
estamos vivenciando e, assim, adiar o quanto podemos a volta à rotina da vida
comum e por vezes insípida, massacrante e tediosa.
Enquanto eu vou arrumando a mala
e/ou a mochila a fim de fazer a viagem de regresso ao lar, geralmente eu já
fico meditando sobre os dias passados naquele lugar, sobre os novos conhecimentos
que adquiri, sobre as pessoas com as quais interagi, sobre as surpresas
agradáveis e as decepções, sobre as coisinhas que porventura eu tenha comprado
por lá e sobre efetivamente tudo que eu vou carregar dentro de mim dos dias que
foram passados ali.
Viajar a passeio e/ou com o
propósito de conciliar passeio com pesquisas e aprendizados com o objetivo de
tirar disso alguma produção – como um texto para um blog, por exemplo – é, para mim, sempre e sempre motivo de prazer,
porque a vontade de saber é uma força estimulante demais. E, mesmo que eu viaje
para lugares que já conheço, ainda assim eu vou alimentando não somente a
possibilidade de novas descobertas e de novos encontros, como também me anima o
fato de que eu irei rever espaços que em alguma medida marcaram e ocuparam um
cantinho no meu museuzinho íntimo de boas recordações – as más vão para o
porão.
Muito embora a pandemia da
covid-19 e o rastro de coisas ruins que ela deixou por onde passou tenha de
algum modo afetado o meu desejo de sair da rotina e partir em aventura, eu me
sobrepus à indolência e ao incômodo desânimo e resolvi viajar, porque viajar é
uma das melhores coisas da vida; e vida, até onde eu sei, só tem uma.
Nós viajamos, conhecemos
outros lugares ou revemos lugares, aproveitamos o quanto podemos os passeios e
as horas de lazer, às vezes provamos comidas das quais nunca sequer havíamos
ouvido falar, trocamos figurinhas com desconhecidos e enchemos os nossos olhos
e a nossa memória com fragmentos de uma realidade que nos chega envolta nos
mais diversos cheiros, cores e sabores, nos causando um mix de sensações... Até
que chega a hora de voltar.
Voltar nem sempre é uma
coisa que se deseja, porque, para muitas pessoas, voltar significa dar de cara
novamente com situações e com uma realidade das quais eles preferiam manter-se
distantes o maior tempo que pudessem. Mas da realidade total ninguém consegue
escapar mesmo que faça o maior esforço para isso. A realidade é pesada. A realidade
é absoluta. A realidade é impositiva. A realidade não faz acordo com ninguém:
ela chega e se estabelece como senhora dona de tudo. A realidade não se importa
com dor, com sofrimento, com carência, com falência, com pobreza, com miséria,
com riqueza, com alegria, com prazer, com vitória, com derrota, com nada, com
absolutamente nada. A realidade é o que ela é e pronto. Você é que deve tratar
de mudar a sua realidade, porque, a depender dela, tudo continua e permanece do
jeito que está.
Se o propósito da viagem não
foi o de ser para sempre, é preciso voltar. Se o propósito da viagem não foi se
desvencilhar de uma vez do que ficou para trás, é preciso voltar. Se o
propósito da viagem não foi uma tentativa de abandonar o passado, é preciso
voltar. Se o propósito da viagem não foi cair no mundo como se nada, nada mesmo
mais importasse, é preciso voltar.
Viagens costumam nos marcar
de alguma forma. Nem sempre as recordações que delas nós guardamos são boas e
prazerosas, porque as viagens não são uma imersão num universo paralelo e
utópico onde tudo o que nele existe é legal, bonito, prazeroso e satisfatório. Não,
viagens são extensões de uma mesma realidade; e a realidade é pontuada por
coisas boas e ruins. O que acontece é que, para muita gente, viagem é só
sinônimo de felicidade, como se pudessem apertar um botão mágico que doravante
apagaria a possibilidade de alguma coisa dar errado e se evitasse
contrariedades.
Ainda na viagem de regresso
para o ponto de partida, instantâneos de momentos vividos nos lugares visitados
vez e outra chegam à nossa lembrança. São nesses instantes que nós costumamos
fazer um balanço das experiências vivenciadas nos lugares e, em razão disso, ali
mesmo começamos a planejar o dia em que poderemos rever e experimentar tudo
aquilo de novo, num indicativo de que, pelo movimento dos dois lados da
balança, o das coisas boas foi o que mais ficou cheio, foi o que mais pesou.
Viajar é bom. E poder voltar para casa também. Reencontrar a minha mãe e o meu irmão, abraçá-los e beijá-los igualmente me revigora e me reenergiza para que eu volte a pegar no trampo; e a sensação de estar novamente em companhia dos meus livros, dos meus discos e de tudo o mais que me faz e que me deixa inteiro é um reencontro total com o meu eu. Voltar de viagem é, a bem da verdade, o que a completa.
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