Por Sierra
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Foto: Arquivo do Autor Tem dias que parece que o ônibus segue um quilômetro para frente e recua dois |
O dia a dia passando de um
ônibus para o outro é uma dureza desmedida para quem depende do transporte
público de passageiros. Nós sofremos como uns condenados nas masmorras
ambulantes que cruzam as estradas como se estivessem transportando entulho que
será despejado em algum cantinho por aí. Não é sempre assim, é verdade. Mas
muitas vezes é assim sim.
Imagine você ter de sair de
sua cama quando ainda nem amanheceu, se organizar todo, comer, se vestir, pegar
a marmita e sair para esperar o busão daquele horário que você normalmente pega
e o danado não passa. Vixe! Você fica logo é fulo de tanta raiva. Parece com
aquele encontro marcado há vários dias ao qual só você compareceu.
São vários dissabores que
acometem os que dependem dos ônibus do transporte público de passageiros para
tocar as suas vidas. Um deles é o atraso. Outro é a “queima de parada”, que é
quando você faz sinal com o braço para o motorista parar e ele simplesmente lhe
ignora, como se ele estivesse com raiva de você, ou, sei lá, você não estivesse
ali. Outro aborrecimento é fazer a viagem de pé e ainda mais estando espremido,
tamanha é a lotação do coletivo. Outra malvadeza que é feita contra os
passageiros é ele ter de suportar pregadores evangélicos dizendo que a sua vida
não presta, que você está fazendo tudo errado, que você se deixa dominar pelo
demônio e que, sendo assim e assim sendo, você vai para o inferno – como se
você não tivesse absoluta certeza disso. Outro sofrimento é ser conduzido em
ônibus que mais parecem que são os primeiros veículos automotivos do tipo que
foram construídos, de tão velhos que eles são. Tem ainda o martírio de fazer a
viagem toda, todinha mesmo, ouvindo uns e outros que levam caixas de som e põem
para tocar os piores hits do momento e de outros tempos para todo mundo ouvir
com muito daquela coisa: “Ah, vocês só estão reclamando porque eu não coloquei
a música que vocês gostam”. E o que dizer do motorista que parece que avança um
quilômetro na rodovia e recua dois? Mas nenhum infortúnio supera - segundo o
histórico de reclamações que eu já vi e o meu próprio julgamento - o do ônibus
que quebra e deixa você pelo caminho como um cachorro que caiu do caminhão da
mudança: gente, eu já embarquei num ônibus que quebrou tão logo saiu do
terminal, parecendo até um quadro de programa humorístico, não fosse o imenso aborrecimento
causado pelo malfadado acontecimento.
Na última terça-feira eu
paguei mais uma vez a minha cota diária de penitência para ir trabalhar; e de
modo mais aborrecedor do que de costume.
O meu primeiro embarque
ocorreu com um atraso de quinze minutos – e quinze minutos para quem mora muito
distante do local do trabalho parecem uma eternidade. E, como se não bastasse o
atraso, a empresa prestadora do serviço mandou um ônibus velho, desses que
fariam boa figura num museu do transporte público de passageiros que, se ainda
não existe no Brasil, deveria existir a fim de guardar para as futuras gerações
a memória e os testemunhos materiais de nossa triste (i)mobilidade urbana. Parecia
que o coletivo não iria conseguir vencer a Ladeira do Giz, da Ilha de
Itamaracá. E o motorista ainda teve a infelicidade de atropelar e matar um
cachorro próximo à subida do Alto da Felicidade, vulgo Alto da Gaia – o
condutor teve pelo menos a humanidade de esperar que o passageiro Jonas
descesse do ônibus e retirasse o cadáver da pista. E nós continuamos na viagem
rumo ao continente num clima de tristeza – naquele dia o rapaz que costuma
levar uma caixa de som não conseguiu assento e, talvez, por causa disso,
resolveu não colocá-la para tocar.
Chegando ao terminal de
Igaraçu a fim de fazer baldeação, eu outra vez amarguei a dura realidade de
embarcar noutro ônibus peça de museu. E, como dissabor pouco é bobagem, o
motorista era do tipo Pé de Pano – esse é o nome do cavalo que nos desenhos
animados aparece ora acompanhando o Pica-pau, ora o João Seboso; e é também
como na gíria se chama o Ricardão, o sujeito que entra e sai da casa devagar,
de mansinho para não ser notado pelo marido da esposa infiel -, que é como o
pessoal costuma chamar o tipo de condutor lento que parece não estar saindo do
lugar. Meu caro leitor, a coisa não prestou. Irritadíssimos com a lentidão em
que o veículo seguia na BR 101, vários passageiros começaram a protestar: “Tira
o pé do freio, motorista!”; “Quero só ver se hoje eu não vou chegar no (sic)
trabalho”; “Eita bicho devagar da porra”; “Esta merda tá quebrada é
motorista?”. A coisa foi seguindo nessa toada até que um dos reclamantes – uma
jovem muito agitada – disse assim: “Para, para, motorista, que eu vou descer.
Que lentidão danada!”. E ela desceu mesmo; e quase espumando de raiva.
Como era previsível, eu
cheguei tarde ao trabalho. E fui dizendo a mim mesmo: “Tem nada não. Sábado eu
vou ganhar na Quina de São João e passar a andar só de táxi e de avião”.
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