16 de setembro de 2023

A solidão num quarto de hotel

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
Já percebi - e não é de hoje - que eu pareço ter uma propensão natural, como se fosse uma necessidade vital mesmo, de passar horas e horas só e somente só. E eu acredito que a solidão num quarto de hotel é a um só tempo claustro e liberdade: claustro por causa do enclausuramento voluntário e desejado; e liberdade porque - pelo menos no meu caso - você sabe que foi parar ali não por força das circunstâncias ou de algo que o valha, e, sim, porque escolheu e se dispôs e quis ir para aquele lugar


Eu defendo a opinião de que todos e cada um de nós deveríamos experimentar, pelo menos uma vez na vida, a experiência de passar alguns dias viajando sozinho e curtindo a solidão num quarto de hotel.

Não foram poucas as vezes em que, inserido em aventura de estadas longe de minha casa, eu me vi, como estou agora, exatamente neste momento em que me encontro escrevendo esta narrativa, mergulhado na solidão de um quarto num pequeno e acanhado hotel na capital da Paraíba. Posso dizer que não é sempre que isso ocorre, mas é quase sempre assim: eu chego para me hospedar; e, depois de já ter organizado a minha bagagem - o meu senso de praticidade que muitos consideram ser, na verdade, nada prático, faz com que eu imediatamente queira dispor do cantinho como se ele fosse mesmo uma extensão de um cômodo da minha casa, porque essa fantasia é um exercício de bem-estar para mim -, eu olho a dimensão do quarto, a disposição dos móveis e dos objetos, os detalhes da decoração; e imagino presenças e histórias pessoais e íntimas que se passaram ali; e de alguma forma vou deixando que a atmosfera do lugar me absorva, para que assim eu me perceba como parte integrante dele, ainda que seja num arco temporal de umas poucas horas ou de alguns dias.

Quando me encontro só num quarto de hotel fazendo anotações e/ou planejando o que farei com a vida lá fora, não raro eu sou tomado por lembranças de outros quartos, de outros lugares, de outras estadas. E, nesses instantes de voo do pensamento, eu tento racionalizar tudo, inclusive, a razão de eu estar sozinho, de eu ter estado sozinho ali e não ter me disposto a buscar companhia. Mas logo isso passa, porque eu me dou conta de que, verdadeiramente, foi justamente o não querer, naqueles momentos, estar com alguém,  que me levou para lá e/ou me trouxe para cá.

Já percebi - e não é de hoje - que eu pareço ter uma propensão natural, como se fosse uma necessidade vital mesmo, de passar horas e horas só e somente só. E eu acredito que a solidão num quarto de hotel é a um só tempo claustro e liberdade: claustro por causa do enclausuramento voluntário e desejado; e liberdade porque - pelo menos no meu caso - você sabe que foi parar ali não por força das circunstâncias ou de algo que o valha, e, sim, porque escolheu e se dispôs e quis ir para aquele lugar.

Acredito que exista uma dimensão muito forte no estreitamento de laços que acabamos por desenvolver, se não por todos eles, ao menos por grande parte dos quartos de hotéis nos quais nos alojamos, principalmente se a nossa estada durar alguns dias. Isso me faz pensar que, quando deles nós saímos, parte deles permanecerá para todo sempre conosco, guardado nalgum escaninho de nossa memória.

Eu digo essas coisas porque em mim a memória de quartos - e não apenas daqueles em que eu me hospedei sozinho - ficaram e estão muito presentes. E eu, que sou muito dado a repetir experiências, quer elas sejam cotidianas, do dia a dia, quer elas sejam as que eu vivencio de tempos em tempos, costumo voltar ao mesmo hotel ou pousada onde já estive e me hospedar, se possível, no mesmíssimo quarto onde eu ficara na vez passada. Para vocês terem uma ideia desse meu grau de repetência, digamos assim, só numa pousada da alagoana e encantadora cidade de Marechal Deodoro, eu me hospedei no mesmo quarto, em diferentes anos, quatro vezes. E me é tão prazeroso, sabe, a sensação de reencontrar o espaço que me acolheu e que de alguma maneira marcou a minha vida, que é como se eu voltasse a reencontrar um ente querido que me proporcionou abrigo e o conforto do reencontro com uma paz interior.

Sim, ocasiões houve em que eu me vi na solidão de um quarto de hotel metido nos braços da tristeza devido a acontecimentos que se deram antes de a viagem ocorrer. E é terrível quando você viaja carregando tristeza e frustração na bagagem, porque é como se, no final das contas, você estivesse levando consigo um peso excessivo e desnecessário. Eu já chorei sozinho em quartos de hotel amargando um sentimento misto de tristeza e de incompreensão do que na vida é inevitável e alheio à nossa vontade.

Devo-lhes dizer, por outro lado, da delícia que é estar na solidão do quarto de um hotel recordando recentes encontros e descobertas; planejando "um belo futuro pra logo mais", como diz a Vanessa da Mata na canção "Meu aniversário"; ou fazendo planos para quando retornar para casa; e se sentindo muito bem por ter se dado a viagem e se permitido sair da rotina e partir numa aventura dentro da outra aventura que é a vida em si.

Foi ontem à noite que eu me peguei pensando em escrever sobre a solidão do quarto num de hotel. Eu acabara de chegar da rua, quando as ideias se puseram a fluir. E eu tenho por mim que isso veio assim por várias razões, como questionamentos que tantas pessoas fazem sobre se viajar sozinho é realmente bom e satisfatório; e se é necessário estar em grandes hotéis para que se possa ter vivências realmente muito boas e interessantes. Não acredito nisso. Primeiro, porque para mim solidão é solidão em um quarto com vista para o mar como em um quarto que tem a vista da janela voltada para outros prédios; segundo, porque eu penso que as experiências do estar só se processam de maneiras distintas a partir dos propósitos de cada um e da forma como a pessoa lida com isso.




Neste exato momento em que eu estou escrevendo estas linhas, um cansaço enorme tomou o meu corpo. Eu andei demais hoje. O mundo todo está lá fora. E, aqui, na solidão deste quarto de hotel, eu estou a dizer da vida como quem diz e implora e pede mais vida para poder estar nela ainda mais confiante e inteiro.

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