Assim que eu tomei conhecimento que a Prefeitura Municipal de João Pessoa iria promover o evento Centro em Cena, uma programação multicultural que ocuparia vários espaços do chamado centro da cidade e também do bairro do Varadouro, no período de 15 a 20 de setembro, eu de pronto me programei para ir prestigiar pelo menos parte das atividades.
Saindo do trabalho na sexta-feira da semana passada, eu embarquei num ônibus da Progresso, em Abreu e Lima, rumo à capital paraibana, em cujo terminal rodoviário eu desembarquei precisamente às 17h10.
Depois do jantar, eu, que me hospedara no acanhado e modesto Hotel Paradiso, rumei, junto com outro hóspede, um mineiro chamado Paulo Santos, que também estava de passagem pela cidade, para o Parque Sólon de Lucena, que as pessoas do lugar chamam somente de Lagoa, porque existe uma lagoa bem no meio dele. O local foi escolhido como cenário par a abertura do Centro em Cena, que contou com a cantora maranhense Alcione como atração. Era gente a perder de vista. Parecia que meia João Pessoa afluíra para ali. E a Marrom não decepcionou o público, que ainda foi contemplado com uma apresentação de Carlinhos de Jesus e de outros dançarinos/bailarinos. Foi uma noite memorável.
Na manhã do dia seguinte eu saí do hotel, que fica a poucos metros do Teatro Santa Roza, uma das joias arquitetônicas da parte antiga da cidade, a fim de pegar um dos ingressos distribuídos gratuitamente para a peça A vela, protagonizada pelos atores Herson Capri e Leandro Luna, outra atração do evento da Municipalidade, que foi apresentada nas noites daquele sábado e do domingo, às 19h, naquele belo teatro.
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O belo Teatro Santa Roza e a fila para pegar os ingressos: o entorno do teatro, onde ficam prédios da Polícia Militar, é uma das áreas mais desertas da cidade a parir do sábado à tarde |
De posse do ingresso, lá fui eu flanar pela cidade, como eu gosto de fazer toda vez que eu vou para lá, porque são as áreas de ocupação mais antiga daquela capital os elementos que efetivamente me chamam para ela. Atravessando o Ponto de Cem Réis - oficialmente Praça Vidal de Negreiros - eu observei que a estátua do Livardo Alves, que vinha paulatinamente sendo dilapidada, desaparecera dali - será que a retiraram para restauro? Eu não sei.
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Flagrante da Praça Vidal de Negreiros, o popular Ponto de Cem Réis: para onde será que levaram o Livardo Alves? |
Segui rumo ao O Sebo Cultural, uma verdadeira instituição cultural de João Pessoa que eu frequento há mais de uma década. É sempre muito bom estar ali. Peguei o livro que eu localizara pela internet; e me dirigi até o Mercado Central a fim de comprar castanha de caju e sorda; e almoçar no self-service do Beto.
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Ir à João Pessoa e não passar n'O Sebo Cultural é mesmo que não ter ido para mim |
Era sábado, lembram? E sábado, há muitos anos, é dia do Sabadinho Bom, um evento musical que ocorre na pequena Praça Rio Branco. E eu fui par lá depois de deixar as compras no quarto do hotel. Chegando àquele recanto localizado no centro comercial, eu vi que Salete Marrom, a Loura do Samba, estava animando os fiéis devotos do Sabadinho Bom, uma galera que não perde a oportunidade de prestigiar artistas locais enquanto consome bebidas e comidinhas. Muito bom. Eu adoro a animação que reina na pracinha do Barão do Rio Branco.
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Salete Marrom, a Loura do Samba, e eu, com minha cara de mané, no Sabadinho Bom |
Saindo dali eu segui pela Rua Duque de Caxias, onde meus olhos ficaram tristes como noutras vezes haviam ficado ao constatar que entra ano e sai ano e uns sobrados que existem naquela artéria continuavam abandonados e em petição de miséria, aguardando o dia em que, finalmente, desaparecerão para sempre daquele cenário.
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As ruínas da Rua Duque de Caxias: uma hora essas construções desaparecerão para sempre do cenário da cidade |
Mais adiante, lá na frente, os meus olhos se alegraram: eu me deparei com obras de restauro do imponente cruzeiro do Convento de Santo Francisco. Só quem acredita e defende a preservação do patrimônio histórico pode compreender a alegria e a satisfação que me invadiram quando eu vi os andaimes montados em torno do cruzeiro e a placa anunciando a realização da obra.
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Que coisa boa presenciar isso: restauração do cruzeiro do Convento de São Francisco |
Ainda seguindo a minha programação, eu tomei o rumo do antigo Hotel Globo que, há muitos anos foi convertido em um espaço cultural. Depois de prestigiar as exposições de artes plásticas que ocupavam os seus salões, eu me dirigi ao seu jardim posterior para me juntar ao público que aguardava a apresentação dos músicos Salomão Soares e Guegué Medeiros num clima de muita paz e contando ainda com um pôr do sol encantador. Tudo em harmonia - som e imagem - para acariciar a alma e afirmar e reafirmar que a vida pode, sim, ser também maravilhosa.
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Transformado em espaço cultural, o antigo Hotel Globo tem sido cenário e palco para diversas manifestações artísticas |
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Salomão Soares e Guegué Medeiros |
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O pôr do sol é uma das atrações para quem vai ao Hotel Globo |
Como eu não tinha muito tempo disponível, fiz uma refeição rápida no quarto do hotel, troquei a camiseta e segui para o teatro. E aplaudi com grande entusiasmo a boa peça escrita pelo Raphael Gama e encenada de modo tão cativante pelos atores que, ao fim do espetáculo, ainda deram um dedinho de prosa com a plateia.
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Foto: Divulgação |
No domingo eu não prestigiei nada do Centro em Cena. Eu escolhi ir pela manhã à praia de Tambaú em companhia do jovem poeta e músico Augusto Rossini, porque precisávamos matar a saudade que nós estávamos sentindo um do outro. E, à tardinha, o meu encontro foi com o Luiz Tavares, um meu velho conhecido.
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Flagrante de catamarãs na Praia de Tambaú |
A ideia dessa descrição sobre alguns eventos que eu prestigiei da programação do Centro em Cena foi essencialmente para tocar num tema que há anos não sai da pauta da área central e do sítio histórico da capital paraibana: a falta de segurança que marca esses locais de modo quase permanente.
Tempo houve em que no Parque Sólon de Lucena se via a presença da Guarda Municipal circulando por ali. Não está mais assim. O parque não é mais o mesmo. Não se vê mais o muito de gente que o frequentava por ele em si e não por causa de eventos, como o show da Alcione. Alguns dos banheiros estão funcionando apenas parcialmente; os bebedouros estão danificados; e vários pontos da ciclovia estão precisando ser recuperados. Na tardinha do domingo passado a Lagoa era um lugar quase deserto; isso num lugar onde eu já vi grupos fazendo piqueniques e festinhas de aniversário e crianças aos montes enchendo o parque de animação e alegria.
E, à medida que você se afasta da Lagoa e segue em direção ao Ponto de Cem Réis e para a área onde eu me encontrava hospedado - o entorno das praças Pedro Américo e Aristides Lobo (eu também dei por falta da estátua do Aristides) -, um espaço onde, pasmem, existem dois prédios que são ocupados pela Polícia Militar, a sensação de insegurança é total e absoluta para quem se desloca a pé por ali durante a noite, em qualquer dia da semana, e nas tardes dos sábados e domingos; sensação de insegurança essa que, a bem da verdade, é uma marca de todo o centro histórico da capital paraibana.
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Aspecto do Parque Sólon de Lucena, o popular Lagoa |
Não é só a sensação de insegurança que afasta muitas pessoas do centro histórico de João Pessoa. A mim me parece que o ar de abandono que se vê em alguns logradouros e a coleção de ruínas que o lugar abriga também contribui para isso. A mim me parece que a Municipalidade acredita que - e isso não está restrito à atual gestão - o turista, o viajante, o visitante e mesmo o morador só gostam e/ou só querem frequentar o espaço histórico da cidade durante o dia. Não gente, não é assim. Se fosse dessa forma as pessoas não afluíam para o Recife Antigo à noite, por exemplo; e nem circulariam pelo Pelourinho, em Salvador em passeios noturnos.
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O patrono da praça |
É claro que tem o fato de que o sítio histórico de João Pessoa - assim como o do Recife e de São Luís do Maranhão, entre outros - está em parte inserido no centro comercial da cidade; ou seja, ele amarga a situação de ter o seu movimento atrelado ao do horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais. Mas isso não justifica a falta de segurança. À noite, o centro histórico é quase um território fantasma, não fosse o movimento que se verifica na Praça Anthenor Navarro - sim, existe uma cena "boca do lixo" de bares e "inferninhos" (prostíbulos) na Rua da Areia e no lado sul da Av. General Osório. De resto, o que se vê ou pelo menos o que eu vejo, é a concentração de pessoas em condição de rua, principalmente, no Ponto de Cem Réis e na Praça João Pessoa; e de prostitutas e mal-encarados na Praça Venâncio Neiva - destaque-se que na Praça João Pessoa, um cartão-postal da cidade, estão situadas as sedes dos poderes executivo, legislativo e judiciário da Paraíba; e que a Praça Venâncio Neiva é quase uma extensão daquele espaço. Enquanto nas praças Pedro Américo e Aristides Lobo a escuridão estabelece um aspecto assustador e ameaçador ao pedestre - no sábado pela manhã um vigilante me relatou, na entrada do hotel, que ocorreram arrombamentos de lojas naquele trecho próximo ao Teatro Santa Roza.
Fazendo um trocadilho com o evento organizado pela Prefeita Municipal - Centro em Cena -, tão logo findam as atrações, como essas, o centro histórico de João Pessoa prontamente sai de cena.
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