14 de setembro de 2024

Cidades em chamas

 Por Sierra


Foto: Evaristo Sá/AFP
Incêndio no Parque Nacional de Brasília
Como, infelizmente, nossas cidades não serão refundadas e o caos urbano segue na ordem do dia, o por tantos menosprezado e poderoso aquecimento global há de continuar causando muita destruição no meio ambiente, meio ambiente esse no qual agimos recorrentemente como agentes que não tratam de cuidar bem dele. Muito pelo contrário


Faz algumas semanas que várias cidades brasileiras vêm enfrentando um verdadeiro combo de desgraças: estiagem + seca de rios e reservatórios de água + queimadas em biomas, propriedades rurais e terrenos baldios. E, quando se sabe que, de acordo com investigações policiais, vários desses incêndios foram causados por ações criminosas, aí é que a nossa calamidade aumenta, porque tomamos conhecimento de que, em vez de buscar contribuir para superar essa realidade sem precedentes, uns e outros estão tratando de piorar a situação.

Em meio a esse quadro em que o fogo e a fumaça seguem devastando paisagens e a vida animal que nelas habita, ainda há os que se comportam descrentes do tão propagado aquecimento global, fenômeno que tem provocado alterações no clima em praticamente todas as regiões do planeta. Aí junte-se negacionismo com o nosso tão conhecido desprezo para com a preservação do meio ambiente e temos um cenário perfeito para que soframos e paguemos por tudo de ruim que diuturnamente nós praticamos contra a natureza.

Os brasileiros constituímos uma sociedade que é muito, muito porcalhona e amiga fidelíssima da cultura do desperdício. Por onde se ande por este país afora nós nos deparamos com uma urbanidade caótica de mãos dadas com o descarte irregular de resíduos de todo tipo em tudo quanto é canto: córregos, ruas, beiras de praia, rios, áreas de vegetação nativa, bueiros, etc. E depois reclamamos das inundações quando as chuvas fortes vêm. E depois protestamos contra o racionamento de água. E depois apontamos o dedo para fulano, beltrano e sicrano e dizemos que o grande e único culpado é o poder público. Tiramos o corpo fora e não admitimos e nem assumimos responsabilidade alguma por este estado de coisas.

Não passa pela minha cabeça acreditar que os grandes incêndios que anualmente vêm destruindo milhares de hectares dos nossos biomas sejam resultantes de causas naturais. Nós somos uma nação de pirômanos. E, por isso, frequentemente recorremos ao fogo para "resolver" alguns "problemas", como fazer sumir lixo, papéis comprometedores e abrir áreas para lavoura e pasto. Faz cinco séculos - cinco séculos! - que nós recorremos à queima de canaviais para facilitar a colheita da cana-de-açúcar, que é um método primitivo e barato, ainda que poluente e destruidor de vida animal: alguém faz ideia de quantos animais morrem toda vez que um canavial é queimado?

Nos últimos cinco anos, sobretudo por causa do permissivo e destrutivo desgoverno de Jair Bolsonaro, que tudo fazia para agradar o chamado agronegócio ao mesmo tempo que fechava os olhos para o avanço do garimpo ilegal e enfraquecia a atuação dos órgãos fiscalizadores, nós assistimos a constantes acusações contra o agronegócio que é apontado como o grande vilão no que diz respeito à degradação do meio ambiente. Em que pese o fato de que nem todo o agronegócio opera no modo destruição do espaço natural, igualmente é um fato - e as milhares de multas aplicadas pelos órgãos ambientais comprovam isso - que parte do agronegócio devasta áreas de mata nativa, interfere em cursos de rios e riachos e acaba com a biodiversidade para abrir campos para criação de gado e lavouras. Não adianta que o agronegócio pose de vítima nessa batalha que põe de lado a preservação do meio ambiente e a alimentação da população, porque, segundo estudiosos do assunto, os espaços que neste país já estão ocupados para a produção agropecuária são mais do que suficientes para suprir as demandas alimentares de toda a nossa sociedade. E, tanto isso é verdade, que faz séculos que o Brasil exporta gêneros alimentícios.

Eu li, aqui e ali, especialistas afirmando que este país não dispõe de um plano de contingência para enfrentar um cenário como este de incêndios em áreas de vegetação e de estiagem, que está provocando rápida perda de volume de água de vários rios. A bem da verdade, a maioria de nossas cidades não dispõe sequer de universalidade de saneamento básico e nem de aterros sanitários. A maioria de nossas cidades opera no modo degradação urbana. Daí por que as ocupações desordenadas e a favelização de tantos espaços e os recorrentes casos de enchentes e deslizamentos de terra que, todos os anos, provocam a morte de dezenas de indivíduos.

Como, infelizmente, nossas cidades não serão refundadas e o caos urbano segue na ordem do dia, o por tantos menosprezado e poderoso aquecimento global há de continuar causando muita destruição no meio ambiente, meio ambiente esse no qual agimos recorrentemente como agentes que não tratam de cuidar bem dele. Muito pelo contrário.

O fogo está consumindo e destruindo rapidamente vastas áreas de nossa biodiversidade. Oxalá ele consiga também queimar a nossa ignorância e o nosso desprezo para com a preservação da natureza, porque o nosso negacionismo não é só em relação ao aquecimento global.

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