Por Sierra
Certa feita um colega de trabalho, que é cristão protestante, me indagou o porquê de igrejas da religião católica normalmente receberem tantos cuidados das políticas de preservação do patrimônio histórico. De maneira resumida, uma vez que o assunto envolve vários campos do saber humano e práticas da vida em sociedade, eu lhe disse que isso se dá por diversos motivos: porque elas, principalmente as mais antigas, são testemunhas de processos de surgimento de cidades; que elas servem para o estudo de padrões arquitetônicos e construtivos, bem como de materiais e técnicas empregadas para tanto; e, geralmente, elas costumam abrigar obras de arte, como esculturas e pinturas.
Quando, em abril de 2019, ocorreu o incêndio que consumiu grande parte da Catedral de Notre Dame, em Paris, o evento comoveu não apenas os franceses, mas também muitas pessoas dos quatro cantos do planeta, dado o fato, claro, de a Notre Dame figurar não somente como um muito procurado, visitado e admirado ponto turístico da capital francesa, como também pelo fato de ela ser um edifício eclesiástico para o qual muitos devotos de Nossa Senhora se dirigem para louvá-la ali.
E foi na esteira de tamanha comoção e lamento com a ocorrência do sinistro que não demorou para que, em poucos dias, começassem a chegar doações em dinheiro para que o seu gigantesco, demorado e custoso projeto de restauração fosse iniciado o quanto antes, para que os franceses e todos aqueles que têm o privilégio de viajar para lá pudesse voltar a frequentá-la.
Pode-ser dizer que o trabalho que foi realizado na Catedral de Notre Dame, num espaço de cinco anos, foi uma dessas obras de restauração de patrimônios históricos edificados dignas de aplauso. No último dia 5 de dezembro a admirada, prestigiada e multissecular Catedral de Notre Dame reabriu as suas portas para o mundo ver o resultado do magnífico e admirável trabalho de muitos profissionais para devolver à sociedade, completamente restaurada em todo o seu esplendor, um dos monumentos mais conhecidos do mundo. Se cá, de bem longe, eu fiquei muito tocado com o evento, eu me peguei imaginando quão emocionados ficaram os que puderam ir a Paris conferir de pertinho tudo o que foi feito para que o edifício eclesiástico ressurgisse das cinzas como uma fênix.
O episódio do incêndio que devastou boa parte da Catedral de Notre Dame e tudo o que, em termos de arrecadação de fundos e de empenho para que se promovesse o quanto antes o seu restauro, vieram depois, me fizeram pensar quão desiguais são as realidades que marcam exemplares do patrimônio histórico edificado que existem espalhados pelo mundo e que se encontram, há muito tempo, à espera de uma ação revitalizadora que, talvez, nem chegará. E esse contraste de interesses para restaurar e/ou deixar ruir, em relação ao que se passou com a Catedral de Notre Dame, se dá porque, em que pese o fato de que cada patrimônio edificado fundamentalmente diga mais a respeito da história da comunidade onde ele foi erguido e à memória urbana da cidade que o abriga, nem sempre se trata de um prédio que desfruta da simpatia da população local e que goze de algum prestígio entre a comunidade; e isso, junto com a inércia do poder público, contribui para que o processo e ruína siga como se fosse uma marcha inexorável.
E isso é uma realidade tão visível e palpável em várias de nossas cidades cujas origens remontam aos períodos Colonial e Imperial de nossa História, que, às vezes, há quem pergunte a si e a outrem se neste país existe mesmo uma legislação ou legislações que estabelecem determinações e normas de preservação e salvaguarda do nosso patrimônio histórico edificado.
Sim, leis que dizem respeito à proteção de tais edificações existem nos âmbitos federal, estadual e municipal. No entanto, caro leitor, no entanto, as leis e os órgãos que as fazem e/ou que deveriam fazê-las vigorar, esbarram em vários obstáculos e/ou limitações, sendo os principais deles os orçamentos minguados e um quadro de funcionários que, no geral, é insuficiente para dar conta de uma tarefa que, além de hercúlea por si mesma, enfrenta a oposição de muitos inimigos de tal patrimônio, indivíduos que, não raro, são proprietários dos prédios e não demonstram qualquer mínimo interesse em restaurá-los: uns alegando que não dispõem de recursos financeiros para tanto; e outros porque repudiam as políticas preservacionistas e querem mesmo é que a sua propriedade atinja um grau de ruína tal que se torne inviável qualquer iniciativa e ação de restauro e recuperação do edifício, de modo que, com sua demolição e remoção dos escombros, os proprietários terão a possibilidade de ocupar o terreno com algo que seja realmente rentável para eles.
Preservar, salvaguardar e bem utilizar um patrimônio histórico edificado não requer somente conhecimentos técnicos e normativos, mão de obra especializada e recursos financeiros; requer, além de tudo isso, sensibilidade para compreender o seu valor e importância no percurso histórico de um determinado lugar, porque, sem isso, eu acredito, tal patrimônio é visto somente como mais uma edificação entre tantas a compor cenários urbanos ou rurais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário