22 de fevereiro de 2025

Interdição, interdições: quem há de salvar as igrejas de Salvador?

 Por Sierra


Foto: Arquivo da Codesal/Jornal Correio
 Dependência da Igreja dos 15 Mistérios
 Sem que haja manutenção periódica, problemas em construções históricas só tendem a se agravar, gerando um custo muito mais elevado no momento em que obras de restauro forem finalmente postas em prática

No último dia 5 de fevereiro, como eu registrei aqui, ocorreu uma tragédia no bairro do Pelourinho, em Salvador: parte do forro do teto da Igreja de São Francisco de Assis desabou e atingiu algumas pessoas que visitavam o templo; e o desabamento ocasionou a morte de uma jovem de apenas 26 anos de idade chamada Giulia Panchoni Righetto.

No artigo publicado neste blog, três dias após aquele trágico acontecimento, entre outras considerações, eu anotei que o Pelourinho goza de grande prestígio no trade turístico; que eu já estive em Salvador, percorrendo o seu centro histórico e o perímetro antigo, em três ocasiões e observei várias edificações do acervo do patrimônio histórico em petição de miséria, ameaçando ruírem; e disse também do alto custo de manutenção de prédios dessa natureza, principalmente de templos religiosos, uma vez que, geralmente, além de seus perfis arquitetônicos repletos de detalhes, eles abrigam obras de arte.

Assim como o ilustre historiador Robert Smith, eu também sustento a avaliação de que "as igrejas constituem a maior parte do patrimônio artístico colonial" do Brasil (Robert Smith. "O caráter da arquitetura colonial do Nordeste". In Robert Smith e o Brasil: arquitetura e urbanismo. Vol. 1. Nestor Goulart Reis Filho [org.]. Brasília: Iphan, 2012, p. 78. Originalmente o artigo foi publicado em Estudos Brasileiros, ano II, vol. 4, nº 10 [jan-fev], p. 419-430. Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Brasileiros. Posteriormente saiu no livro Igrejas, casas e móveis: aspectos da arte colonial brasileira. Rio de Janeiro: MEC, 1979, p. 21-40). De modo  que, quando falamos e defendemos as políticas e as ações preservacionistas de tais edificações eclesiásticas, nós estamos, em realidade, agindo na preservação não somente de significativos exemplares da arquitetura de antanho, bem como intercedendo em favor de prédios que encerram um conjunto de histórias, modos de construir, elementos estruturais, obras de arte, testemunhos do desenvolvimento urbano nacional, entre outros. Daí por que falar em preservação de tais edifícios significa muito mais do que a manutenção de "prédios velhos", como costumam designá-los os seus inimigos.

Como era de se esperar, na esteira da tragédia ocorrida na Igreja de São Francisco de Assis, em Salvador, vieram ações que voltaram os olhos para as construções antigas que são tombadas e que estão inseridas no Pelourinho e arredores com o fito de evitar que outro sinistro de daquela natureza se repetisse num sítio histórico e antigo que, seguramente, é um dos mais conhecidos e visitados do país.

De acordo com uma reportagem publicada pelo site do Jornal Correio no último dia 14 de fevereiro, quatro dias antes uma força-tarefa composta por profissionais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Conselho de Defesa de Salvador (Codesal) começou a visitar e vistoriar edificações tombadas pelo Iphan. Ainda de acordo com a matéria foram vistoriados 106 imóveis, como casarões, museus, conventos e igrejas; e que, desse total, oito edifícios eclesiásticos foram interditados: Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, Igreja de São Bento da Bahia, Igreja dos Perdões, Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, Igreja da Ordem Terceira do Carmo , Igreja dos Quinze Mistérios, Igreja e Convento de Santa Clara do Desterro e Igreja de São Miguel. Uma quantidade bastante expressiva.

E quais foram os principais problemas encontrados pela força-tarefa nessas edificações? Velhos conhecidos de construções antigas malcuidadas: deterioração em estruturas de madeira das coberturas e assoalhos; oxidação de ferragens com desprendimento de reboco em paredes e lajes; infiltrações generalizadas; e rachaduras em alvenarias (Gilberto Barbosa. "Numero de interdições em igrejas de Salvador chega a 8; veja quais". Jornal Correio. In https://www.correio24horas.com.br/minha-bahia/numero-de-interdicoes-em-igrejas-de-salvador-chega-a-8-veja-quais-0225. Publicado em 14 de fevereiro de 2025. Acessado em 21 de fevereiro de 2025).

Muito embora a reportagem assinada por Gilberto Barbosa não informe se algum prédio civil também foi interditado, eu acredito que é muito provável que sim, porque não é raro encontrar nos sítios históricos de nossas principais cidades antigas, edificações bastante deterioradas que ameaçam sumir da memória urbana e que figuram como verdadeiros anticartões-postais dos cenários onde elas se encontram.

Acredito que a tragédia ocorrida na Igreja de São Francisco de Assis de Salvador tenha despertado algum sentimento de tristeza e lamentação nos responsáveis pela manutenção e conservação de edificações tombadas; mas eu duvido que o episódio tenha conseguido pelo menos comover os inimigos do patrimônio histórico edificado que, diuturnamente, contribuem e torcem para que tais "velharias" desapareçam para sempre.

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