1 de março de 2025

Sobre amizades que chegam ao fim

 Por Sierra

 

Imagem: Vecteezy
Não adianta remendar algo que se quebrou, porque as emendas sempre ficarão evidentes lembrando o que ocorreu


O romano Marco Túlio Cícero, nascido em Arpino, próximo à Roma, em 106 a. C., em Lélio, ou A amizade, que aqui eu cito na tradução feita por Paulo Neves, disse que “Nada é mais difícil apesar de tudo que conservar intacta uma amizade até o último dia da vida”. Cícero, no mesmo texto tão conhecido, citou uma frase famosa de Catão que diz o seguinte: “Às vezes é mais compensador ter que lidar com rudes inimigos que com certos amigos, aparentemente melífluos: com frequência aqueles dizem a verdade, estes jamais”.

Muito embora eu não concorde inteiramente com a afirmação atribuída a Catão, sou levado a acreditar que, no mais das vezes, os amigos costumam sim ser exageradamente complacentes para conosco, sem divergirem, rebaterem, questionarem e discordarem do que falamos e/ou praticamos; comportamentos esses dos quais eu não gosto, porque ouvir nãos e discordâncias só me faz mal e me contraria quando eles são produtos de burrice e/ou de ingenuidade. E digo isso porque eu não costumo ser complacente com quem quer que seja.

Sim, eu acredito na potência das amizades robustas e verdadeiras; nessas que jogam você para cima, aplaudindo e se alegrando com os seus feitos, como também nessas que pegam em sua mão e dizem assim: “Olha, preste atenção, porque você não está fazendo a coisa certa”. Ou quando dizem: “Sierra, não é bem por aí. Ponha os pés no chão. Eu acho que você está se deslumbrando e se achando demais”.

Dito isso, eu me debrucei sobre esse tema mais uma vez aqui porque, recentemente, eu pus fim a mais uma amizade. Talvez o correto seria dizer que as circunstâncias e o desenrolar de várias situações foi o que, na verdade, fizeram com que a tal amizade chegasse a um ponto final. Mas eu não estou bem certo quanto a isso, porque, pelo que eu conheço de mim e pelo que eu procuro entender em mim, eu sou uma pessoa com a qual não é fácil de lidar, porque eu sou cheio de vontades, individualista, melindroso, chato e facilmente irritável. Além disso, eu normalmente falo o que penso, o que não é bom quando você trata com alguém que só quer ouvir elogios, aprovações e sins. São características que mesmo a minha lealdade, confiança e generosidade conseguem suplantar, de modo que eu sou uma pessoa difícil por qualquer ângulo que me analisem.

Eu tenho um amigo que costuma dizer que é muito ruim quando nós perdemos alguém que amamos ou do qual gostamos muito. É verdade. Como também é verdade que quando nós nos damos conta de que uma dada amizade começa a se transformar num fardo muito pesado de carregar, a minar os nossos bons sentimentos em relação a ela e a nos fazer sofrer paulatina e corrosivamente, o melhor a ser feito é procurar se salvar para que essas etapas de desgastes e de insatisfações não atinjam um grau mais elevado e nos joguem no chão.

Um dos meus vários defeitos – e eu, sinceramente, não queria ser de outro modo – é tratar com as pessoas pelas quais eu tenho estima de peito muito aberto. De verdade, eu não espero que o meu interlocutor aja comigo exatamente como eu ajo com ele, porque as pessoas, os entendimentos das outras pessoas, as visões de mundo das outras pessoas não são necessariamente parecidos e/ou iguais aos nossos. Acontece que eu espero que a pessoa seja sincera, honesta, confiável e leal para comigo. Nada mais do que isso. E sabem por quê? Porque eu compreendo que isso constitui a maior parte do lastro que sustenta uma verdadeira amizade.

Havia tempos que eu me dei conta, que eu enxerguei que aquele amigo do qual eu tanto gostava e tanto admirava, estava me escanteando e me deixando de fora de situações e acontecimentos dos quais ele sabia que eu gostaria de participar ao lado dele. E vocês não fazem ideia de como ser escanteado por ele me deixava abalado, frustrado e triste. Por outro lado, ele que, sei lá por que razão, me escanteava e não me chamava para estar em sua companhia em momentos que eu queria estar, se lembrava de me chamar quando era útil e conveniente para ele que eu ali estivesse. E, venhamos e convenhamos, tratar dessa forma um suposto amigo que, inclusive, em pelo menos uma ocasião, expôs a sua insatisfação por ser escanteado, esquecido e deixado de fora de certos acontecimentos, não é tratar bem um amigo de verdade e sim alguém ao qual você recorre só e apenas quando está precisando.

Outros dos meus grandes defeitos são uma enorme impaciência e disposição para cair fora sem deixar mensagens de despedida e explicações para o abandono. Não, não e não. Eu não mantenho amizades-cânceres, amizades que só querem subtrair de mim seja o que for, abalando os bons sentimentos que eu mantenho com relação a elas.

Ainda em Lélio, ou A amizade, o erudito Cícero disse também que “sem amizade a vida não é nada, pelo menos se quisermos, de um jeito ou de outro, viver como homens”. Deve ser por isso que, não importa quantas sejam as amizades que por alguma razão ruim chegam ao fim, a maioria de nós está sempre disposta a plantar uma semente e tratar de cultivar outra.

 

PS- Caro leitor, as citações que apareceram aqui eu colhi no exemplar da obra Saber envelhecer e A amizade (tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 96, 136 e 133 por ordem de aparição), de Cícero. O meu exemplar pertenceu ao bibliotecário e escritor Edson Nery da Fonseca; e eu terminei de lê-lo em 13 de outubro de 2011.

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