Por Sierra
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Imagem: Vecteezy Não adianta remendar algo que se quebrou, porque as emendas sempre ficarão evidentes lembrando o que ocorreu |
O romano Marco Túlio Cícero,
nascido em Arpino, próximo à Roma, em 106 a. C., em Lélio, ou A amizade, que aqui eu cito na tradução feita por Paulo
Neves, disse que “Nada é mais difícil apesar de tudo que conservar intacta uma
amizade até o último dia da vida”. Cícero, no mesmo texto tão conhecido, citou
uma frase famosa de Catão que diz o seguinte: “Às vezes é mais compensador ter
que lidar com rudes inimigos que com certos amigos, aparentemente melífluos:
com frequência aqueles dizem a verdade, estes jamais”.
Muito embora eu não concorde
inteiramente com a afirmação atribuída a Catão, sou levado a acreditar que, no
mais das vezes, os amigos costumam sim ser exageradamente complacentes para
conosco, sem divergirem, rebaterem, questionarem e discordarem do que falamos
e/ou praticamos; comportamentos esses dos quais eu não gosto, porque ouvir nãos
e discordâncias só me faz mal e me contraria quando eles são produtos de
burrice e/ou de ingenuidade. E digo isso porque eu não costumo ser complacente
com quem quer que seja.
Sim, eu acredito na potência
das amizades robustas e verdadeiras; nessas que jogam você para cima,
aplaudindo e se alegrando com os seus feitos, como também nessas que pegam em
sua mão e dizem assim: “Olha, preste atenção, porque você não está fazendo a
coisa certa”. Ou quando dizem: “Sierra, não é bem por aí. Ponha os pés no chão.
Eu acho que você está se deslumbrando e se achando demais”.
Dito isso, eu me debrucei
sobre esse tema mais uma vez aqui porque, recentemente, eu pus fim a mais uma
amizade. Talvez o correto seria dizer que as circunstâncias e o desenrolar de
várias situações foi o que, na verdade, fizeram com que a tal amizade chegasse
a um ponto final. Mas eu não estou bem certo quanto a isso, porque, pelo que eu
conheço de mim e pelo que eu procuro entender em mim, eu sou uma pessoa com a
qual não é fácil de lidar, porque eu sou cheio de vontades, individualista,
melindroso, chato e facilmente irritável. Além disso, eu normalmente falo o que
penso, o que não é bom quando você trata com alguém que só quer ouvir elogios,
aprovações e sins. São características que mesmo a minha lealdade, confiança e
generosidade conseguem suplantar, de modo que eu sou uma pessoa difícil por
qualquer ângulo que me analisem.
Eu tenho um amigo que
costuma dizer que é muito ruim quando nós perdemos alguém que amamos ou do qual
gostamos muito. É verdade. Como também é verdade que quando nós nos damos conta
de que uma dada amizade começa a se transformar num fardo muito pesado de
carregar, a minar os nossos bons sentimentos em relação a ela e a nos fazer
sofrer paulatina e corrosivamente, o melhor a ser feito é procurar se salvar
para que essas etapas de desgastes e de insatisfações não atinjam um grau mais
elevado e nos joguem no chão.
Um dos meus vários defeitos
– e eu, sinceramente, não queria ser de outro modo – é tratar com as pessoas
pelas quais eu tenho estima de peito muito aberto. De verdade, eu não espero
que o meu interlocutor aja comigo exatamente como eu ajo com ele, porque as
pessoas, os entendimentos das outras pessoas, as visões de mundo das outras pessoas
não são necessariamente parecidos e/ou iguais aos nossos. Acontece que eu
espero que a pessoa seja sincera, honesta, confiável e leal para comigo. Nada mais
do que isso. E sabem por quê? Porque eu compreendo que isso constitui a maior
parte do lastro que sustenta uma verdadeira amizade.
Havia tempos que eu me dei
conta, que eu enxerguei que aquele amigo do qual eu tanto gostava e tanto
admirava, estava me escanteando e me deixando de fora de situações e
acontecimentos dos quais ele sabia que eu gostaria de participar ao lado dele.
E vocês não fazem ideia de como ser escanteado por ele me deixava abalado,
frustrado e triste. Por outro lado, ele que, sei lá por que razão, me
escanteava e não me chamava para estar em sua companhia em momentos que eu
queria estar, se lembrava de me chamar quando era útil e conveniente para ele
que eu ali estivesse. E, venhamos e convenhamos, tratar dessa forma um suposto
amigo que, inclusive, em pelo menos uma ocasião, expôs a sua insatisfação por
ser escanteado, esquecido e deixado de fora de certos acontecimentos, não é
tratar bem um amigo de verdade e sim alguém ao qual você recorre só e apenas
quando está precisando.
Outros dos meus grandes
defeitos são uma enorme impaciência e disposição para cair fora sem deixar
mensagens de despedida e explicações para o abandono. Não, não e não. Eu não
mantenho amizades-cânceres, amizades que só querem subtrair de mim seja o que
for, abalando os bons sentimentos que eu mantenho com relação a elas.
Ainda em Lélio, ou A amizade, o erudito Cícero
disse também que “sem amizade a vida não é nada, pelo menos se quisermos, de um
jeito ou de outro, viver como homens”. Deve ser por isso que, não importa
quantas sejam as amizades que por alguma razão ruim chegam ao fim, a maioria de
nós está sempre disposta a plantar uma semente e tratar de cultivar outra.
PS- Caro leitor, as citações que apareceram aqui eu colhi no exemplar da obra Saber envelhecer e A amizade (tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 96, 136 e 133 por ordem de aparição), de Cícero. O meu exemplar pertenceu ao bibliotecário e escritor Edson Nery da Fonseca; e eu terminei de lê-lo em 13 de outubro de 2011.
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