29 de março de 2025

Sebastião Salgado e a fotografia como inconformação e denúncia

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
A sensibilidade artística, o olhar a um só tempo perscrutador e denunciador de mazelas sociais, a trajetória brilhante, o engajamento ambiental... Tudo isso fez e faz de Sebastião Salgado um cidadão do mundo e uma das glórias deste país. Simplesmente admirável e digno de todos os aplausos e homenagens


Posso apostar que você, leitor, assim como aconteceu comigo várias vezes, fez a você mesmo indagações diante de fotografias que continham legendas ou não. Perguntas que podem ter sido as mais comezinhas ou iindagações inquietantes que lhe chegaram naquele momento, tais como: "Por que essa mulher está chorando?"; "Como esse cão morreu?"; "O que será que provocou essa espuma nesse rio?"; "Quando será que construíram essa casa?".

É indiscutível que o nosso senso de curiosidade parece aumentar quando ficamos diante de fotografias. Elas parecem despertar em nós um, digamos, sherlokismo, como se estivéssemos a querer desvendar algum mistério ou charada. E isso de alguma forma é muito excitante.












Eu venho mantendo, há anos, um contato muito intenso com a imagem fotográfica, tanto por conta deste blog quanto pela interação com as mídia, de uma maneira geral, e com as chamadas redes sociais, em particular. E tudo isso cabendo na palma da mão com o uso dos smartphones.

O instante registrado numa fotografia nunca e jamais será outra vez repetido. O que eu e você vemos numa fotografia é um instante congelado do tempo. Algo irrepetível. É um acontecimento aprisionado para sempre.







Roland Barthes iniciou o seu A câmara clara nos dizendo o seguinte enunciado que, para mim, é algo a um só tempo fascinante e reflexivo: "Um dia, há muito tempo, dei com uma fotografia do último irmão de Napoleão, Jerônimo (1852). Eu me disse então, com um espanto que jamais pude reduzir: 'Vejo os olhos que viram o Imperador'. Vez ou outra, eu falava desse espanto, mas como ninguém parecia compartilhá-lo, nem mesmo compreendê-lo (a vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões), eu a esqueci" (Roland Barthes. A câmara clara: nota sobre a  fotografia. Trad. Júlio Castañon Guimarães. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p. 1).

Ontem, à tarde, quando saí do trabalho, eu tomei o rumo do Recife para ir visitar e prestigair a exposição Gold - Mina de ouro Serra Pelada, que reúne fotografias feitas em 1986 pelo celebrado e mundialmente conhecido fotógrafo Sebastião Salgado.










Contando com a curadoria de sua esposa Lélia Wanick Salgado, arquiteta de formação, a exposição montada na Caixa Cultural, no Bairro do Recife, é um deslumbre para os olhos. A lente de Sebastião Salgado, que é inconformada e denunciadora, nos põe em contato com uma realidade social em tudo impactante, para dizer o mínimo. E a concepção do ambiente da exposição, no qual a luz só incide sobre as imagens fotográficas, como que nos envolve, como se estivéssemos adentrando na escuridão de uma mina à cata, nós mesmo, de alguma pepita de ouro.









O garimpo na chamada Serra Pelada, no Pará, foi um desses acontecimentos havidos em nossa história recente que provocaram registros impresssionantes naquilo que parecia ser - desculpem a frase tão repisada - um verdadeiro formigueiro humano. E um exemplo do alcance e do interesse que a ação daqueles milhares de homens em busca de ouro despertava na população está no fato de que aquela movimentação exploratória, aquela verdadeira corrida em busca da riqueza e, por conseguinte, do alcance do que cada um daqueles indivíduos compreendia como melhoria de vida, deu ensejo a um dos filmes do grupo Os Trapalhões: em 1982 foi lançado Os Trapalhões na Serra Pelada, ao qual eu assisti quando criança, e que levou mais de cinco milhões de pessoas aos cinemas.

Nas fotografias de Sebastião Salgado todos aqueles indivíduos que nós vemos ali, enquadrados pela câmera, carregam consigo um desejo de prosperidade financeira: o ouro há de aparecer para transformar para melhor as suas vidas. Corpos franzinos e robustos. Músculos dilatados. A terra cobrindo a pele fazendo com que, por vezes, os humanos como que se confundam com ela. O policial representando o Estado, como uma força a querer pôr ordem no caos. A sanfona anunciadora de um instante de prazer e distração. O terreno sendo escavado continuamente e, assim, mudando de configuração. A força do trabalho braçal ditando um cotidiano de inevitável apego e esperança do alcance de um futuro próspero e benfazejo.






Dentro das minhas atividades e diligências de pesquisas históricas, eu tenho pautado esse meu exercício mantendo ele muito ligado às fotografias, às imagens fica melhor dito, porque, assim como Gilberto Freyre, eu acredito verdadeiramente que não são apenas os documentos escritos que têm a algo a nos dizer; e, tal qual o historiador inglês Peter Burke, eu sei que não se pode confiar cegamente no que uma imagem e/ou fotografia aparentemente revela, porque, segundo ele, "Imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir em palavras o seu testemunho", de modo que resta ao historiador e/ou pesquisador "saber se, e até que ponto", pode confiar nelas (Peter Burke. Testemunha ocular: imagem e história. Trad. Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: EDUSC, 2004, respectivamente, por ordem de citação, p. 18 e 25).

Quando eu comecei a entrar em contato comas fotografias de Sebastião Salgado, muitos anos atrás, eu me recordo claramente como as imagens me impressionaram com sua beleza plástica unida a um discurso silencioso de denúncia social. E isso, essa junção de intencionalidade nos registros fotográficos feito por esse mineiro, me deu se não uma ideia exata da dimensão e do alcance de sua obra, mesmo considerando e pesando as críticas que uns e outros fazer ao seu trabalho apontando-o como um glamourizador das misérias humanas, uma compreensão de que o seu empenho e o seu labor artístico não poderiam de forma alguma figurar sob a bandeira da "arte pela arte".

Eu preciso dizer a você, leitor, que a minha admiração pela obra e pelo posicionamento político e existencial de Sebastião Salgado só aumentou quando eu tomei conhecimento de que ele, junto com a também incansável esposa, mantém o Instituto Terra, que promove restauração ecossistêmica, educação ambiental e desenvolvimento rural sustentável.





No seu muito conhecido Fotografia & História, , entre várias outras apreciações, Boris Kossoy nos disse que "Toda fotografia tem atrás de si uma história" ; que ela é um resíduo do passado"; e que "Toda fotografia foi produzida com uma certa finalidade" (Boris Kossoy. Fotografia & História. 5ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014, respectivamente, por ordem de citação, p. 48, 49 e 51), ou seja, assim como Peter Burke, ele nos alerta que a imagem fotográfica não existe por si mesma e nem foi produzida de modo despropositado.

Para finalizar e retomando a descrição da ambientação da exposição Gold - Mina de ouro Serra Pelada, que está em cartaz na Caixa Cultural do Recife, eu quero dizer que, em meio à escuridão do ambiente, nós adentramos naquela "mina" já cientes de que vamos encontrar um tesouro, que são as belas e impressionantes fotografias de Sebastião Salgado.

22 de março de 2025

Quantos imóveis do nosso patrimônio histórico edificado existem abandonados por aí?

 Por Sierra


Foto: Dayane Zimmermann/G1 RIO
Por onde se ande nos centros urbanos detentores de edificações históricas deste país, o observador atento se depara com quadros de abandono e de ruína. O descaso dos proprietários para com a conservação desses imóveis diz muito da nossa falta de compromisso para com a preservação de memórias urbanas e de nossa história



Desde que, ainda na época da minha graduação no curso de bacharelado em História, eu comecei a me interessar pelos temas da história da formação das cidades e pelas políticas de proteção do patrimônio histórico edificado; desde que eu tratei de organizar a minha biblioteca particular com obras que abordam tais assuntos; e desde que eu tive condições de ir além de uma cultura apenas livresca e passei a viajar para ir conhecer cidades que eu só via em livros e revistas especializados, eu tratei de visitar e circular por lugares que me pusessem em contato direto com diferentes realidades de promoção, conservação, proteção e uso do nosso patrimônio histórico edificado.

Para além do Recife, Olinda, Igaraçu, Paudalho, Goiana e da Ilha de Itamaracá, onde eu moro, aqui em Pernambuco, eu já visitei cidades históricas, com acervos imóveis tombados pela Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na Paraíba, na Bahia, em Alagoas, no Rio Grande do Norte, em Minas Gerais, no Maranhão, no Amazonas, no Pará, no Distrito Federal, em Goiás, em Sergipe e no Rio de Janeiro. E, em cada um desses lugares, eu me deparei com realidades que me encheram de satisfação e de regozijo e, também, com quadros inteiramente lamentáveis e tristes que me faziam perguntar a mim mesmo onde é que estava o Iphan, onde é que estavam os órgãos do poder público que não conseguiam impedir que tantas casas e tantos sobrados ficassem em estado de abandono e ruína, prestes a desabar e desaparecer dos cenários onde eles foram erguidos.

Ai de nosso patrimônio histórico e artístico se não existissem os órgãos de proteção das esferas federal, estadual e municipal para lutar por sua proteção e permanência, porque não são poucos os seus inimigos, indivíduos que fazem de tudo para, como é o caso específico do patrimônio edificado, deixá-los arruinados para que eles desabem no próximo temporal, porque, se é bem verdade que existem proprietários de imóveis localizados em áreas de preservação rigorosa que não dispõem de recursos financeiros para promover a manutenção e a conservação da edificação seguindo o que determinam as leis de proteção, também é verdade que  não são poucos os indivíduos endinheirados, proprietários de algum ou de alguns desses imóveis que nada fazem para a proteção e a conservação desses bens com suas características construtivas e arquitetônicas, porque, o que eles real e verdadeiramente querem e ambicionam é fazer outro tipo de investimento no terreno, seja eles mesmos ocupando o espaço do prédio com outra edificação ou simplesmente vendendo o terreno para uma grande construtora erguer apartamentos de alto padrão, visto que, em alguns casos, áreas de centros históricos e/ou antigos das cidades são muito valorizados e cobiçados pelos mercados imobiliários e comerciais, inclusive, por proprietários de estacionamentos de automóveis.

Anteontem, no centro da cidade do Rio de Janeiro, num perímetro onde existem vários edifícios antigos, na esquina da Rua Senador Pompeu com a Rua Visconde da Gávea, um enorme sobrado de dois andares, que é tombado pela Municipalidade, desabou parcialmente e provocou a morte de um homem que estava dentro de um carro estacionado na Rua Senador Pompeu.

De acordo com o que foi divulgado pela imprensa, o proprietário do sobrado já tinha sido notificado pela Defesa Civil, que esteve no local em 2023 e 2024; as notificações se deram por conta do estado de abandono do imóvel. Ou seja, o cidadão não estava nem aí para as ações do poder público. E isso é muito mais comum do que você imagina, como deixam ver edificações caindo aos pedaços em cidades como Natal, Belém, Recife, Laranjeiras, Salvador e outras mais.

Contando, talvez, com uma provável falta de fiscalização e com a cultura da impunidade que norteia a sociedade brasileira, muitos proprietários de imóveis localizados em centros históricos desdenham notificações e multas e fazem o que bem querem nos edifícios e/ou nada fazem, para que eles atinjam um estado de ruína tal que o melhor a se fazer é demolir o imóvel. Eu vi obra embargada pelo Iphan em Alcântara (MA). Em João Pessoa, do prédio onde funcionou o Hotel Luso-brasileiro, no bairro do Varadouro, restam apenas algumas paredes de pé. No Bairro do Recife sobrados exibem em suas fachadas marcas denunciadoras do seu abandono. Na cidade de Areia (PB), que é patrimônio histórico cultural nacional, a Prefeitura Municipal destruiu parte de um piso de mais de 200 anos do Casarão José Rufino, em janeiro do ano de 2023: destaque-se isto: a Municipalidade não contatou os técnicos do Iphan antes de iniciar as obras criminosas; e estava ocupando, por cessão, um prédio que pertence ao Tribunal de Justiça da Paraíba.

Por este país afora são vários e gritantes os casos de edificações históricas que estão entregues à própria sorte, ameaçando a vida de pessoas que circulam nos seus entornos e aguardando o dia em que desaparecerão para sempre do cenário urbano e ficarão "eternizadas" nas páginas dos sites de notícias e perambulando por aí na velocidade e frivolidade das redes sociais.

15 de março de 2025

A festa de lançamento do livro de Cristiano Galvão

 Por Sierra


Oh! Bendito o que semeia livros... livros à mão cheia... E manda o povo pensar!

O livro, caindo n'alma é germe - que faz a palma, é chuva que faz o mar!

                                                                   O livro e a América. Castro Alves



Fotos: Arquivo do Autor e de Bruno Alves
O evento de hoje foi mais um acontecimento importante e inesquecível da minha vida. Cristiano Galvão, ao me conceder a honra e o privilégio de prefaciar o seu trabalho, me ofertou um verdadeiro presente. Minha gratidão a ele e a todos que estiveram presentes para prestigiar o evento e também aos que, mesmo ausentes, nos apoiaram e contribuíram para que tudo acontecesse conforme havíamos planejado


A partir do momento em que os livros se tornaram algo muito importante e presente na minha vida, eu me pus a buscá-los como quem está à procura de um alimento para saciar sua fome diária. A presença do livro no meu dia a dia estabeleceu-se de modo muito intenso e imperioso a partir do meu ingresso na universidade; e isso fez com que eu me transformasse num verdadeiro amante e entusiasta deles, de modo que nem a mais avançada das mais avançadas tecnologias eletrônicas conseguem me afastar deles, porque eu tenho uma devoção e um compromisso existencial para com os livros.

Hoje eu participei do lançamento do livro Os guarda-vidas: no princípio "eram negros, robustos e corajosos" - dos banhos de Dom João aos ataques de tubarão, do antropólogo e escritor Cristiano Galvão, que eu conheço há vários anos; que é uma pessoa que eu admiro bastante por sua garra, bravura, resiliência e determinação; e que me concedeu o privilégio de prefaciar essa sua obra.


O guarda-vidas voluntário Boquinha e o Ten Cel BM Helder no meio de uma plateia muito atenta às falas do escritor



Cristiano Galvão em ação: dizer da elaboração da pesquisa foi um dos pontos altos de sua explanação



Hora dos autógrafos





O vereador Jadilson Bombeiro, da Câmara Municipal de Olinda, também prestigiou o evento


Sgt Elizandro e sua esposa Rosália


Reunidos no Espaço Vida Marinha, na orla de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, nós fizemos a apresentação do livro ao público como parte do evento do lançamento, dando à plateia a oportunidade de saber um pouco sobre o processo de elaboração da pesquisa e da escrita, além de falar sobre algumas questões e abordagens que nós fizemos. E eu aproveitei a oportunidade para dizer da presença intelectual de Gilberto Freyre na minha vida - ele que hoje completaria 125 anos de nascimento -; e também falei da importância do bibliotecário e escritor Edson Nery da Fonseca em minha trajetória como leitor e pesquisador. 

No seu momento de fala, Cristiano Galvão, que é tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, fez a devida louvação a três antigos guarda-vidas civis que compareceram ao evento e que, eu posso apostar, devem ter gostado muito de estarem ali conosco.  E ele  não se esqueceu de agradecer a várias pessoas e instituições que foram importantes tanto em sua trajetória acadêmica e de vida - Frei Tito, Fundação Joaquim Nabuco, Universidade Federal Rural de Pernambuco -, bem como aquelas pessoas e parceiros que contribuíram para que o evento de hoje acontecesse, como  a empresa Toldos Recife; a BRAJUPM; Adriana Macedo e Renata Félix, da coordenação do Espaço Vida Marinha; e Marcelo Fonseca, da Padaria Santo Cristo.


Maj Iuri à espera do meu autógrafo





A Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (SOBRASA) foi representada na ocasião pelo Coronel BM André Ferraz, que é Diretor Social da instituição e um talentoso artista plástico - ele fez uma ilustração para o livro. E o vereador Jadilson Bombeiro, que integra a Câmara Municipal de Olinda, igualmente prestigiou o evento. 

Como eu disse, compareceram também três antigos guarda-vidas civis, três personagens muito importantes da História do salvamento aquático de Pernambuco: José Pereira da Silva, de 80 anos, e Ediberto Pereira Duarte da Silva, de 72 anos, que trabalharam como guarda-vidas civis no tempo em que o serviço nas praias da capital era de responsabilidade da Prefeitura Municipal do Recife, tendo ingressado respectivamente em 1964 e 1975; e João Manoel Cardoso Neto, de 64 anos, conhecido como Boquinha, que atuou de modo voluntário como guarda-vidas da década de 1970 até 2008.





Ten Cel Helder, que honra tê-lo no evento!


Ah, e eu não poderia deixar de mencionar também a presença de um grupo de escoteiros, tendo à frente o meu amigo de longa data Lineu Miranda, uma figura inescapável do escotismo em Pernambuco, que foi prestigiar a festa. Lineu foi meu companheiro de turma no curso de História da Universidade Federal de Pernambuco e é uma das melhores lembranças daqueles anos de estudos. Muito, muito bom vê-lo ali junto com sua esposa e outros companheiros escoteiros.










Três personagens muito importantes da História do salvamento aquático em Pernambuco: José Pereira da Silva, de 80 anos; Ediberto Pereira Duarte da Silva, 72 anos; e João Manoel Cardoso Neto, 64 anos, conhecido como Boquinha


Meu querido e admirado amigo e escoteiro Lineu Miranda, um companheiro do tempo da faculdade: como foi bom reencontrá-lo! 


A fortuna da alegria e da satisfação, que não tem preço, reunida num registro fotográfico: eu, Cristiano Galvão, sua linda esposa Marize e Antônio, o adorado filhão deles. Eita coisa boa!


Estiveram presentes alguns dos nossos amigos em comum bem como familiares de Cristiano Galvão, como sua mãe Celina, irmãos, sua deslumbrante esposa Marize e o filhão Antônio. Foi uma festa digna do seu autor e repleta de momentos gratificantes para todos nós que acreditamos verdadeiramente no poder transformador do conhecimento e na contínua necessidade dos livros como veículos de circulação de saberes, mesmo considerando a realidade tecnológica em que estamos vivendo, na qual as redes sociais despertam um fascínio tremendo e consomem muitos minutos de nossos dias, caso não nos policiemos e nos deixemos descontroladamente nos levar por elas. 






Ver todas aquelas pessoas reunidas ali no final de uma tarde de sábado foi muito gratificante e ao mesmo tempo estimulante para continuar movimentando as engrenagens das minhas pesquisas com o fito de continuar produzindo e fazendo circular conhecimentos.





O bigodudo Cb Bruno Alves irradiando a melhor das positividades






Hora de fazer o gesto do "Parem os afogamentos!"




Participar de lançamento de livros, meus ou de outrem, sempre e sempre é, para mim, um acontecimento memorável, porque me faz acreditar na permanência da celebração dos livros na história da humanidade e do quanto isso é importante para a sociedade como um todo.

8 de março de 2025

O novo livro de Cristiano Galvão

 Por Sierra

 

Foto: Divulgação/Instagram
Reunindo conhecimentos antropológicos, sociológicos e históricos entremeados pela perspectiva de um nativo, o novo livro de Cristiano Galvão vem, de modo pioneiro, abordar um tema por demais relevante para uma sociedade muito dada a lazeres em balneários, como é o caso da nossa


De acordo com dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (SOBRASA), dezesseis pessoas morrem afogadas por dia no Brasil. É um dado realmente espantoso e ao mesmo tempo chocante, principalmente quando se leva em conta que casos de afogamentos não ocorrem apenas em praias e rios, mas também em lagoas, açudes, barragens e até em piscinas.

Costuma-se dizer que é preciso educar para não afogar; e que a prevenção evita o afogamento. E quem é que nos vem logo à cabeça quando nós pensamos em ações de educação, prevenção e mesmo de resgate de indivíduos que estão prestes a se afogar? É claro que é o guarda-vidas; é aquele sujeito que se destaca entre os demais frequentadores de balneários e parques aquáticos, com suas vestes de cores vibrantes, olhares atentos e postura firme; é aquele rapaz ou aquela moça que dá orientação ao público em geral para bem conviver com a água e melhor aproveitar e desfrutar os instantes de lazer e divertimento.

E como foi que começou a atuação desses profissionais no Brasil? E como é que atualmente eles estão presentes por este país afora? Respondendo a essas e a outras perguntas, o antropólogo e escritor Cristiano Galvão construiu uma narrativa esclarecedora no seu mais recente livro Os guarda-vidas: no princípio "eram pretos, robustos e corajosos" - dos banhos de Dom João aos ataques de tubarão (Maringá: Editora Viseu, 2024), que já se encontra à venda na Amazon, no Carrefour e na Estante Virtual; e que será lançado oficialmente no próximo sábado, dia 15 de março, a partir das 16h, no Espaço Vida Marinha, na orla de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes.

Como o título da obra deixa ver, Cristiano Galvão, que também é tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco e atuou como guarda-vidas por um bom tempo, fez um mergulho na História para encontrar e trazer à tona indivíduos anônimos que desempenharam tal função de maneira autônoma e nos mostrar ainda como, com o transcurso do tempo e as transformações sociais e institucionais, os guarda-vidas, civis e militares, passaram a figurar como elementos extremamente necessários em balneários, em geral, e, principalmente, naqueles que atraem grandes públicos.

Além de nos contar como foi se dando esse processo de entendimento, por parte da sociedade, de que era preciso que os banhistas - inicialmente apenas os frequentadores das praias - contassem com a vigilância e a orientação de indivíduos que detinham experiência como nadadores, Cristiano Galvão nos disse como a própria dinâmica da prática de tomar banhos de água doce, em rios, e de água salgada, nas praias, foi mudando ao longo do tempo, passando da recomendação médica e terapêutica até chegar à realidade dos dias atuais.

Outro ponto alto da narrativa de Cristiano Galvão é o seu olhar para a questão racial dentro da esfera social brasileira, relacionando-a, por exemplo, com o fato  de que, pelo menos aqui em Pernambuco, estado onde o regime escravocrata fincou bases muito sólidas, os primeiros indivíduos que informalmente atuaram fazendo, digamos, a segurança balneária de quem poderia pagar por seus serviços, foram homens negros, como deixou registrado o escritor Mário Sette, que o autor citou em seu trabalho. Além disso, o antropólogo Cristiano Galvão recorreu também à história oral; e colheu depoimentos de alguns guarda-vidas de um tempo em que o Corpo de Bombeiros ainda não tinha encampado a missão de salvamento aquático e eles trabalhavam nas praias recifenses, atuando como funcionários da Prefeitura Municipal da capital pernambucana.

Quando Cristiano Galvão me convidou e me honrou com a tarefa de prefaciar essa sua obra mais recente, eu falei para ele que, em vez de escrever um prefácio como habitualmente nós vemos por aí, eu escreveria um, digamos, prefácio-ensaio que, no meu entender, não só enriqueceria como complementaria a abordagem do texto dele. E assim foi que eu escrevi um longo relato em que fiz uma interpretação, uma leitura do Praieiro, um boletim que era distribuído pelos postos de salvamento das praias recifenses e que começou a circular, somente nas "temporadas de verão", a partir de setembro de 1945, divulgando técnicas de natação, cuidados com a saúde, prática de esportes, tábuas de marés, arte, literatura, poesia e algo mais, marcando de modo indelével a vida praieira do Recife do seu tempo.

O novo livro de Cristiano Galvão é um desses acontecimentos do mundo literário com os quais vez por outra nós nos deparamos e chegamos a nos perguntar por que, cargas-d'água, uma obra com essa abordagem não tinha aparecido antes em nosso meio, dada a sua relevância temática e a necessidade que nós temos de nos educar e de instruir para prevenir casos de afogamento.


Foto: Arquivo do Autor


Bom, vamos aproveitar esse momento de águas calmas para, na companhia de Cristiano Galvão e dos vários indivíduos e personagens que povoam o seu livro, aprendermos a desfrutar dos balneários sem corrermos riscos de afogamento, porque divertimento não deve nunca rimar com sofrimento e lamento.

1 de março de 2025

Sobre amizades que chegam ao fim

 Por Sierra

 

Imagem: Vecteezy
Não adianta remendar algo que se quebrou, porque as emendas sempre ficarão evidentes lembrando o que ocorreu


O romano Marco Túlio Cícero, nascido em Arpino, próximo à Roma, em 106 a. C., em Lélio, ou A amizade, que aqui eu cito na tradução feita por Paulo Neves, disse que “Nada é mais difícil apesar de tudo que conservar intacta uma amizade até o último dia da vida”. Cícero, no mesmo texto tão conhecido, citou uma frase famosa de Catão que diz o seguinte: “Às vezes é mais compensador ter que lidar com rudes inimigos que com certos amigos, aparentemente melífluos: com frequência aqueles dizem a verdade, estes jamais”.

Muito embora eu não concorde inteiramente com a afirmação atribuída a Catão, sou levado a acreditar que, no mais das vezes, os amigos costumam sim ser exageradamente complacentes para conosco, sem divergirem, rebaterem, questionarem e discordarem do que falamos e/ou praticamos; comportamentos esses dos quais eu não gosto, porque ouvir nãos e discordâncias só me faz mal e me contraria quando eles são produtos de burrice e/ou de ingenuidade. E digo isso porque eu não costumo ser complacente com quem quer que seja.

Sim, eu acredito na potência das amizades robustas e verdadeiras; nessas que jogam você para cima, aplaudindo e se alegrando com os seus feitos, como também nessas que pegam em sua mão e dizem assim: “Olha, preste atenção, porque você não está fazendo a coisa certa”. Ou quando dizem: “Sierra, não é bem por aí. Ponha os pés no chão. Eu acho que você está se deslumbrando e se achando demais”.

Dito isso, eu me debrucei sobre esse tema mais uma vez aqui porque, recentemente, eu pus fim a mais uma amizade. Talvez o correto seria dizer que as circunstâncias e o desenrolar de várias situações foi o que, na verdade, fizeram com que a tal amizade chegasse a um ponto final. Mas eu não estou bem certo quanto a isso, porque, pelo que eu conheço de mim e pelo que eu procuro entender em mim, eu sou uma pessoa com a qual não é fácil de lidar, porque eu sou cheio de vontades, individualista, melindroso, chato e facilmente irritável. Além disso, eu normalmente falo o que penso, o que não é bom quando você trata com alguém que só quer ouvir elogios, aprovações e sins. São características que mesmo a minha lealdade, confiança e generosidade conseguem suplantar, de modo que eu sou uma pessoa difícil por qualquer ângulo que me analisem.

Eu tenho um amigo que costuma dizer que é muito ruim quando nós perdemos alguém que amamos ou do qual gostamos muito. É verdade. Como também é verdade que quando nós nos damos conta de que uma dada amizade começa a se transformar num fardo muito pesado de carregar, a minar os nossos bons sentimentos em relação a ela e a nos fazer sofrer paulatina e corrosivamente, o melhor a ser feito é procurar se salvar para que essas etapas de desgastes e de insatisfações não atinjam um grau mais elevado e nos joguem no chão.

Um dos meus vários defeitos – e eu, sinceramente, não queria ser de outro modo – é tratar com as pessoas pelas quais eu tenho estima de peito muito aberto. De verdade, eu não espero que o meu interlocutor aja comigo exatamente como eu ajo com ele, porque as pessoas, os entendimentos das outras pessoas, as visões de mundo das outras pessoas não são necessariamente parecidos e/ou iguais aos nossos. Acontece que eu espero que a pessoa seja sincera, honesta, confiável e leal para comigo. Nada mais do que isso. E sabem por quê? Porque eu compreendo que isso constitui a maior parte do lastro que sustenta uma verdadeira amizade.

Havia tempos que eu me dei conta, que eu enxerguei que aquele amigo do qual eu tanto gostava e tanto admirava, estava me escanteando e me deixando de fora de situações e acontecimentos dos quais ele sabia que eu gostaria de participar ao lado dele. E vocês não fazem ideia de como ser escanteado por ele me deixava abalado, frustrado e triste. Por outro lado, ele que, sei lá por que razão, me escanteava e não me chamava para estar em sua companhia em momentos que eu queria estar, se lembrava de me chamar quando era útil e conveniente para ele que eu ali estivesse. E, venhamos e convenhamos, tratar dessa forma um suposto amigo que, inclusive, em pelo menos uma ocasião, expôs a sua insatisfação por ser escanteado, esquecido e deixado de fora de certos acontecimentos, não é tratar bem um amigo de verdade e sim alguém ao qual você recorre só e apenas quando está precisando.

Outros dos meus grandes defeitos são uma enorme impaciência e disposição para cair fora sem deixar mensagens de despedida e explicações para o abandono. Não, não e não. Eu não mantenho amizades-cânceres, amizades que só querem subtrair de mim seja o que for, abalando os bons sentimentos que eu mantenho com relação a elas.

Ainda em Lélio, ou A amizade, o erudito Cícero disse também que “sem amizade a vida não é nada, pelo menos se quisermos, de um jeito ou de outro, viver como homens”. Deve ser por isso que, não importa quantas sejam as amizades que por alguma razão ruim chegam ao fim, a maioria de nós está sempre disposta a plantar uma semente e tratar de cultivar outra.

 

PS- Caro leitor, as citações que apareceram aqui eu colhi no exemplar da obra Saber envelhecer e A amizade (tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 96, 136 e 133 por ordem de aparição), de Cícero. O meu exemplar pertenceu ao bibliotecário e escritor Edson Nery da Fonseca; e eu terminei de lê-lo em 13 de outubro de 2011.