Por Sierra
Posso apostar que você, leitor, assim como aconteceu comigo várias vezes, fez a você mesmo indagações diante de fotografias que continham legendas ou não. Perguntas que podem ter sido as mais comezinhas ou iindagações inquietantes que lhe chegaram naquele momento, tais como: "Por que essa mulher está chorando?"; "Como esse cão morreu?"; "O que será que provocou essa espuma nesse rio?"; "Quando será que construíram essa casa?".
É indiscutível que o nosso senso de curiosidade parece aumentar quando ficamos diante de fotografias. Elas parecem despertar em nós um, digamos, sherlokismo, como se estivéssemos a querer desvendar algum mistério ou charada. E isso de alguma forma é muito excitante.
Eu venho mantendo, há anos, um contato muito intenso com a imagem fotográfica, tanto por conta deste blog quanto pela interação com as mídia, de uma maneira geral, e com as chamadas redes sociais, em particular. E tudo isso cabendo na palma da mão com o uso dos smartphones.
O instante registrado numa fotografia nunca e jamais será outra vez repetido. O que eu e você vemos numa fotografia é um instante congelado do tempo. Algo irrepetível. É um acontecimento aprisionado para sempre.
Roland Barthes iniciou o seu A câmara clara nos dizendo o seguinte enunciado que, para mim, é algo a um só tempo fascinante e reflexivo: "Um dia, há muito tempo, dei com uma fotografia do último irmão de Napoleão, Jerônimo (1852). Eu me disse então, com um espanto que jamais pude reduzir: 'Vejo os olhos que viram o Imperador'. Vez ou outra, eu falava desse espanto, mas como ninguém parecia compartilhá-lo, nem mesmo compreendê-lo (a vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões), eu a esqueci" (Roland Barthes. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Trad. Júlio Castañon Guimarães. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p. 1).
Ontem, à tarde, quando saí do trabalho, eu tomei o rumo do Recife para ir visitar e prestigair a exposição Gold - Mina de ouro Serra Pelada, que reúne fotografias feitas em 1986 pelo celebrado e mundialmente conhecido fotógrafo Sebastião Salgado.
Contando com a curadoria de sua esposa Lélia Wanick Salgado, arquiteta de formação, a exposição montada na Caixa Cultural, no Bairro do Recife, é um deslumbre para os olhos. A lente de Sebastião Salgado, que é inconformada e denunciadora, nos põe em contato com uma realidade social em tudo impactante, para dizer o mínimo. E a concepção do ambiente da exposição, no qual a luz só incide sobre as imagens fotográficas, como que nos envolve, como se estivéssemos adentrando na escuridão de uma mina à cata, nós mesmo, de alguma pepita de ouro.
O garimpo na chamada Serra Pelada, no Pará, foi um desses acontecimentos havidos em nossa história recente que provocaram registros impresssionantes naquilo que parecia ser - desculpem a frase tão repisada - um verdadeiro formigueiro humano. E um exemplo do alcance e do interesse que a ação daqueles milhares de homens em busca de ouro despertava na população está no fato de que aquela movimentação exploratória, aquela verdadeira corrida em busca da riqueza e, por conseguinte, do alcance do que cada um daqueles indivíduos compreendia como melhoria de vida, deu ensejo a um dos filmes do grupo Os Trapalhões: em 1982 foi lançado Os Trapalhões na Serra Pelada, ao qual eu assisti quando criança, e que levou mais de cinco milhões de pessoas aos cinemas.
Nas fotografias de Sebastião Salgado todos aqueles indivíduos que nós vemos ali, enquadrados pela câmera, carregam consigo um desejo de prosperidade financeira: o ouro há de aparecer para transformar para melhor as suas vidas. Corpos franzinos e robustos. Músculos dilatados. A terra cobrindo a pele fazendo com que, por vezes, os humanos como que se confundam com ela. O policial representando o Estado, como uma força a querer pôr ordem no caos. A sanfona anunciadora de um instante de prazer e distração. O terreno sendo escavado continuamente e, assim, mudando de configuração. A força do trabalho braçal ditando um cotidiano de inevitável apego e esperança do alcance de um futuro próspero e benfazejo.
Dentro das minhas atividades e diligências de pesquisas históricas, eu tenho pautado esse meu exercício mantendo ele muito ligado às fotografias, às imagens fica melhor dito, porque, assim como Gilberto Freyre, eu acredito verdadeiramente que não são apenas os documentos escritos que têm a algo a nos dizer; e, tal qual o historiador inglês Peter Burke, eu sei que não se pode confiar cegamente no que uma imagem e/ou fotografia aparentemente revela, porque, segundo ele, "Imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir em palavras o seu testemunho", de modo que resta ao historiador e/ou pesquisador "saber se, e até que ponto", pode confiar nelas (Peter Burke. Testemunha ocular: imagem e história. Trad. Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: EDUSC, 2004, respectivamente, por ordem de citação, p. 18 e 25).
Quando eu comecei a entrar em contato comas fotografias de Sebastião Salgado, muitos anos atrás, eu me recordo claramente como as imagens me impressionaram com sua beleza plástica unida a um discurso silencioso de denúncia social. E isso, essa junção de intencionalidade nos registros fotográficos feito por esse mineiro, me deu se não uma ideia exata da dimensão e do alcance de sua obra, mesmo considerando e pesando as críticas que uns e outros fazer ao seu trabalho apontando-o como um glamourizador das misérias humanas, uma compreensão de que o seu empenho e o seu labor artístico não poderiam de forma alguma figurar sob a bandeira da "arte pela arte".
Eu preciso dizer a você, leitor, que a minha admiração pela obra e pelo posicionamento político e existencial de Sebastião Salgado só aumentou quando eu tomei conhecimento de que ele, junto com a também incansável esposa, mantém o Instituto Terra, que promove restauração ecossistêmica, educação ambiental e desenvolvimento rural sustentável.
No seu muito conhecido Fotografia & História, , entre várias outras apreciações, Boris Kossoy nos disse que "Toda fotografia tem atrás de si uma história" ; que ela é um resíduo do passado"; e que "Toda fotografia foi produzida com uma certa finalidade" (Boris Kossoy. Fotografia & História. 5ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014, respectivamente, por ordem de citação, p. 48, 49 e 51), ou seja, assim como Peter Burke, ele nos alerta que a imagem fotográfica não existe por si mesma e nem foi produzida de modo despropositado.
Para finalizar e retomando a descrição da ambientação da exposição Gold - Mina de ouro Serra Pelada, que está em cartaz na Caixa Cultural do Recife, eu quero dizer que, em meio à escuridão do ambiente, nós adentramos naquela "mina" já cientes de que vamos encontrar um tesouro, que são as belas e impressionantes fotografias de Sebastião Salgado.