6 de dezembro de 2025

Os nossos muitos males não são secretos

 Por Sierra


Imagem: Divulgação
O novo filme de Kleber Mendonça Filho nos propõe mais uma entrada nos subterrâneos de nossa História recente


 Uma das forças mais potentes que o diretor Kleber Mendonça Filho tem, além de um talento espantoso, de um gosto absurdo pelo que ele faz, de sua inteligência e clareza de pensamento e de sua mente criativa, é a sua capacidade de fazer obras que despertam o interesse de um grande público de aficionados pela chamada sétima arte. E, como o seu mais recente filme, O agente secreto, saiu premiadíssimo do Festival de Cannes, o interesse em torno dele só aumentou.

No último dia 26 de novembro eu fui assistir ao O agente secreto no Cinema da Fundação, no Recife, um lugar precioso da capital pernambucana do qual eu guardo muitas memórias e recordações deliciosas e onde pela primeira vez eu vi pessoalmente o Kleber Mendonça Filho, nos anos finais da década de 1990, período esse em que ele trabalhava lá.

Tomado por uma ânsia própria de quem nutre grande admiração pelos trabalhos de determinados fazedores de filmes, eu me sentei na poltrona F1 para acompanhar a sessão das 16h30 - a sala estava quase lotada. E eu imergi inteiramente naquela atmosfera para acompanhar as mais de duas horas de projeção que passaram assim sem que eu me desse conta, tamanho era o meu desejo de que aquilo demorasse um pouco mais.

Como ocorreu nas outras obras de longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, esse O agente secreto possui, como diz uma frase em voga atualmente, várias camadas. A narrativa, que transcorre quase toda ela em 1977, ou seja, em plena vigência da Ditadura Militar no Brasil, é pontuada por um punhado de assuntos e/ou questões que, diga-se de passagem, algumas delas foram abordadas em outros de seus filmes, o que me levou a recordar de uma frase que diz mais ou menos assim: "Quando nós repetimos ideias é porque acreditamos verdadeiramente nelas".

Dio isso, para além de nos mostrar como a estrutura ditatorial primava por apagar identidades e histórias pessoais - aonde fora parar o registro da mãe do protagonista naquele arquivo? - e permitir que toda sorte de atrocidades, desumanidades e ilegalidades medrassem como ervas daninhas, mesmo porque era com isso que o regime brutal que assassinava opositores e fazia corpos desaparecerem, se retroalimentava, O agente secreto repete mensagens: como em Aquarius, há aqui um libelo contra a perda de edificações simbólicas do território urbano recifense - vocês viram onde ficava o Cinema Boa Vista? -; como em Retratos fantasmas, há aqui uma declaração de amor do diretor ao espaço central do Recife; como em O som ao redor, há aqui uma permanência de, digamos, heranças sociais bastante nocivas, de muito tempo atrás, como o mandonismo; como em Bacurau, há aqui outro manifesto contra a xenofobia e o tratamento desigual que historicamente o Norte/Nordeste recebeu do Governo Federal e do empresariado em relação ao que se verifica quanto ao Sul/Sudeste do país; e, só para ficarmos em mais uma referência repisada pelo diretor, como no curta-metragem A Menina do Algodão, há aqui essa coisa da qual eu gosto demais, porque eu compreendo que a memória de uma cidade é composta por uma infinidade de elementos e que me remete ao livro Assombrações do Recife velho, de Gilberto Freyre, que é o enfoque em lendas urbanas - a Perna Cabeluda é um dos personagens mais impactantes do filme.

Talvez por puro bairrismo, eu, às vezes, me pego pensando que muito do visual urbano que aparece em O agente secreto só poderá ser inteiramente sentido por quem conhece de muito perto o Recife e se enxerga como íntimo daquelas paisagens e cenários. Bobagem isso que eu estou dizendo? Não, não é.

São várias as sequências que para mim foram muito marcantes; mas eu vou dizer aqui que eu fiquei, como bom amante do centro do Recife, encantado com a que mostra a Ponte Duarte Coelho e a Avenida Guararapes a partir de uma janela do Cinema São Luiz. É deslumbrante aquilo.

Sim, Wagner Moura tem um desempenho e tanto. Mas não só ele. Quase todo o elenco brilha com uma luz própria que é digna de aplausos.

Eu fico, por vezes, matutando como Kleber Mendonça Filho consegue pensar sozinho em tantos detalhes - a sequência de pegação no Parque 13 de Maio ficou exageradamente sensacional. Que danado! E ver o Recife sendo mostrado com um compromisso que eu diria que é devocional, é algo que me encanta demais no fazer cinema desse diretor.

Kleber Mendonça Filho, eu estou desde já na torcida para que O agente secreto tenha uma brilhante carreira pelo mundo afora e uma passagem premiada pelo Oscar do ano que vem, para a gente festejar muito no Recife, visse?!

28 de novembro de 2025

A propósito de golpismo e outros males que assolam o Brasil

 Por Sierra


Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, onde o golpista Jair Messias Bolsonaro, o Capitão Cloroquina que é Imbrochável, Incomível e Imorrível, mas não é Imprendível, se encontra preso para felicidade geral da nação



Nesta semana o Brasil assistiu a um acontecimento até então inédito em nossa História: militares de alta patente das Forças Armadas foram presos porque cometeram o crime de planejar um golpe de Estado, algo que homens fardados fizeram mais de uma vez e em diferentes épocas de nossa trajetória.

De tal maneira habituados a fazer e acontecer e tudo ficar por isso mesmo, o alto oficialato do Exército, em particular, atravessou o século XX estabelecendo e determinando rumos governamentais no Brasil desde o ato inaugural da Proclamação da República, em 1889. E esse, por assim dizer, protagonismo de resultados, sempre se impôs com movimentos de intimidação e ameaça de uso da força mesmo quando isso se dava de modo, digamos, não belicista e, sim,pelo tom de fala e movimentos de bastidores das cúpulas dos poderes, com manobras que deixavam os militares posanddo como fiéis da balança, como se viu na ascensão e posterior queda de Getúlio Vargas, detidamente com o apoio deles para o estabelecimento do Estado Novo (137-1945), o governo ditatorial que eles ajudaram aerguer e a derrubar.

 Na esteira disso, vivendo sob esse véu sombrio, nosssa jovem demcoracia foir percorrendo os anos, de 1985 para cá, vendo, aqui e ali, de maneira esporádica e sazonal, viúvos e outros saudosos dos "tempos da Ditadura darem opiniões, pitacos e até pedirem intervenção militar no país quando, vez por outra, setores governamentais atravessavam períodos de turbulência, como se eles, os militares, quisessem dizer e deixar bem claro, que somente eles é que eram competentes e capazes de comandar, ops, governar esta nação.

De uns anos para cá o Brasil mergulhou outra vez num pesadelo que parecia que iria descambar noutro período sombrio, onde os fundamentos da democracia e a liberdade e os direitos civis individuais não teriam valia. Ao surgir para o grande público, na segunda metade da década passada, Jair Messias Bolsonaro, então um deputado federal medíocre e irrelevante e oriundo do Exército, de onde foi praticamente excluído, pôs-se a inflamar os ânimos de uma sociedade que, em parte, além de estar insatisfeita com as administrações recentes do governo federal, era, também ela, assim como ele, saudosa da Ditadura Militar. E o que se viu, a partir daí, foi o desenrolar de uma ópera tragicômica cujo figurino era predominantemente verde e amarelo e o fundo musical era o Hino Nacional Brasileiro.

O espetáculo com todos os seus ingredientes autoritários, misóginos, homofóbicos, racistas e etc., primeiro, levou o falastrão adorador do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra para a Presidência da República, onde ele exercitou um pouco mais o seu mau-caratismo e a sua infâmia e deonde arregimentou muitos militares  - ele constantemente se referia ao "meu Exército" - para integrar o seu malfadado desgoverno. Foram quatro anos de tensão permanente; tempo esse em que Jair Messias Bolsonaro, que era Messias, mas não fazia milagres, como ele, com seu sorriso de lagarto, costumava dizer, vez e outra fazia ameaças aos membros do Supremo Tribunal Federal (STF) dizendo que todos os poderes da República deveriam se manter atuando dentro das "quatro linhas", muito embora ele quisesse mandar e controlar absolutamente tudo.

Aconteceu que, derrotado nas urnas no pleito seguinte e inconformado com esse fato, ele se juntou com um punhado de outros inimigos da democracia para,s egundo investigações policiais, promover um golpe de Estado, trama essa na qual cabia um plano de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do seu vice Geraldo Alckmim, e do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Ocorreu que, como acontece com quase tudo onde ele atua, deu tudo errado. Assim como fracassou como marido, deputado federal e presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, o tal que é Messias, mas não faz milagres, só coisas ruins, foi investigado, julgado, condenado e preso, arrastando com ele um punhado de energúmenos contrários à manutenção do Estado democrático de direito, entre os quais generaiss do Exército e um almirante da Marinha - outros serão presos daqui a alguns dias -, militares de alto coturno esses que aderiram ao plano golpista de Seu Jair, o Capitão Cloroquina, o Imbrochável, o Imorrível, o Incomível que, vejam só, acabou preso, porque não é Imprendível.

Num ano em que festejamos os 40 anos do fim da Ditadura Militar e o Oscar recebido pelo filme Ainda estou aqui, que contou o drama da família de Rubens Paiva, que foi assassinado pelos militares, 2025 este no qual recordamos também os 50 anos do igualmente assassinado pela Ditadura Militar, o jornalista Vladimir Herzog, a prisão de militares de alta patente das Forças Armadas e inimigos da democracia, é algo realemtne auspicioso.

Viva a democracia!

22 de novembro de 2025

Itabaiana e a carroceria do caminhão da memória

 Por Sierra

 

Fotos: Arquivo do Autor
Andei bastante por Itabaiana. E vi aqui e ali que o crescimento urbano ainda não apagou de todo os testemunhos arquitetônicos do passado longínquo da cidade


I

 

As primeiras notas históricas sobre Itabaiana, cidade localizada a cerca de 54 km de Aracaju, remontam aos começos do século XVII, na administração de Manuel de Miranda Barbosa, que se estendeu de 1600 a abril de 1602, época em que a colonização de Sergipe tomou o rumo do norte e do centro do território. Foi por essa época que sete lavradores receberam quinhões de terras para colonizarem as circunvizinhanças do Rio Sergipe, terras essas onde atualmente se encontra o município itabaianense.


Na "Capital Nacional do Caminhão" também se anda de charrete















Eu adoro coretos

Quando começaram as investidas dos holandeses no território sergipano, o Conde Bagnuolo, com o duplo interesse de assegurar a subsistência de suas tropas e restringir ao mínimo possível, as possibilidades de avanço dos inimigos, autorizou, por volta de 1637, a remoção do gado de Sergipe para o sul do Rio Real. Diz-nos o narrador da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros o seguinte a respeito de tal episódio:

Já àquele tempo Itabaiana desempenhava importante papel como “celeiro de Sergipe”, e, por isto, um dos capitães do exército do Conde Bagnuolo, D. João de Estrada, foi designado para transmitir aos moradores daquela localidade um édito, pelo qual eram os referidos moradores convidados a fornecer gados aos exércitos do Conde, sem nenhuma remuneração, sob pena de serem presos (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Volume XIX. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1959, p. 317).











Gente, esses profissionais são garis que recolhiam o lixo das ruas colocando nessa charrete. Eu não sei se esse serviço ainda continua sendo prestado lá. O que eu sei é que em algumas cidades por este país afora já existem leis proibindo a utilização de animais para puxarem cargas



Olhem que fachada bonita! Tem muitos detalhes



 Atente-se que, por essa época, Itabaiana abarcava todo o território compreendido entre esta cidade e a de Simão Dias, onde residia o célebre fazendeiro deste nome.

As tropas do Conde Bagnuolo sofreram sucessivos reveses e foram obrigadas a recuar inúmeras vezes diante do avanço dos holandeses comandados por Gynelingh e Schkoppe. Dos flamengos enviados para promover a devastação dos vales do Siriri, Ganhamoroba e Sergipe, um contingente foi destacado  para percorrer a zona de Itabaiana. O narrador da citada Enciclopédia dos Municípios Brasileiros acreditava que, “tudo indica, permaneceram alguns componentes desta coluna [em Itabaiana], dando possivelmente, a origem às características étnicas dos atuais habitantes daquela região” (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Op. cit.,p. 318).

Diz-se que no local onde atualmente se encontra a sede  municipal, que era conhecido no século XVI como “Catinga da Ayres da Rocha”, era, primitivamente, um sítio que pertencia ao Padre Sebastião Pedroso Góes, que o vendeu por Rs. 60$000 à Irmandade das Almas de Itabaiana sob a condição de nele ser edificado um templo sob a invocação de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.












O crescimento de Itabaiana foi prosseguindo ao longo século XVII. Em 1665 já era vila, tendo sido a paróquia criada dez anos depois, permanecendo a invocação de “Santo Antônio e Almas de Itabaiana”, pelos Governadores do Arcebispado, na ausência do Arcebispo Dom Gaspar Barata de Mendonça. Segundo os registros históricos, a vila foi levantada pelo Ouvidor Dr. Diogo Pacheco de Carvalho. Em 1698 o município foi criado; e em 1727 Itabaiana aparecia já possuindo a sua Câmara Municipal.


Esta e as cinco fotos seguintes aparecem, respectivamente, nas seguintes páginas da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros: p. 319, 322, 318, 318, 318 e 317















Quando se propõe a tratar da questão das muito faladas riquezas minerais que Belchior Dias Moreyra (aqui e ali a grafia do seu nome aparece como Moreya e também Moreira) que chegou a Sergipe como componente das tropas de Cristóvão de Barros, o fundador da cidade de São Cristóvão ainda no século XVI, dizia existirem na serra de Itabaiana, o narrador da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, apesar de citar en passant os livros Álbum de Sergipe, de Clodomir Silva, e História de Sergipe, de Felisbelo Freire – este autor chegou a afirmar ter visto amostras de cascalhos auríferos extraídos do Rio das Pedras, que corre naquela região -, deixa ver que ele próprio – assim como Clodomir, que abordava o assunto se referindo a documentos de 1725 e 1753, como “bordados dos adornos da phantazia” – não acreditava em tais narrativas, dizendo que, a tal respeito, em Itabaiana existem “lendas que ainda são correntes entre os seus habitantes, que as repetem por as haverem ouvido dos seus maiores” (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Op. cit.,p. 318. As referências citadas pelo narrador também aparecem nessa mesma página).

Num esboço histórico de Sergipe que veio a lume em 1979, José Anderson Nascimento exaltou aquela obra de Felisbelo Freire e escreveu várias passagens sobre o assunto, chegando mesmo a dizer que o processo de colonização do território sergipano “ampliou-se com a exploração das minas”. Em sua narrativa José Anderson Nascimento nos contou que Belchior Dias Moreyra, durante oito anos, fez pesquisas na região itabaianense e de tudo fez para dar notícias de suas descobertas, sem, no entanto, indicar os locais exatos em que elas se deram. Chegou a ir a Portugal e à Corte da Espanha mais de uma vez – lembre-se que que por essa época vigia a União Ibérica (1580-1640) dar a conhecer o resultado de suas buscas de minas e não conseguiu nenhum apoio:

Entretanto, D. Luís de Sousa, ao tempo, governador de Pernambuco, tomando conhecimento das descobertas de Belchior Dias Moreya, escreveu-lhe prometendo que iria interceder junto ao Rei, objetivando fossem deferidas as mercês almejadas pelo pesquisador, sob a condição de que somente lhe entregaria o título quando lhe fossem indicados os locais das minas. O descobridor aceitou a proposta e, em companhia do referido D. Luís de Sousa e do seu primo D. Francisco de Sousa, então governador da Bahia, partiu para a serra de Itabaiana, onde chegou após longa e cansativa viagem, ocasião em que disse aos governadores que só indicaria o lugar das minas após o recebimento do título de “Marquês das Minas”, pretensão essa não aceita pelos seus companheiros de viagem.

Moreya foi preso, pressionado a indicar o local das jazidas e, não o fazendo, conduziram-no para a Bahia, condicionando a sua liberdade ao pagamento da vultosa quantia de oito mil cruzado, valor de que ele não dispunha, pois já se encontrava empobrecido [ele fora fazendeiro de grandes posses e om foros de fidalgo que vivia nas imediações do Rio Real, onde depois foi edificada a vila de Campos, atual Tobias Barreto]. Todavia, Pedro Garcia e outros familiares vieram socorrê-lo, pagando o preço da sua liberdade, e conduziram-no de volta à fazenda Jabiriby, onde faleceu dois anos após o incidente, levando ao túmulo todas as suas descobertas (José Anderson Nascimento. "Esboço histórico". In Tom Maia, José Anderson Nascimento e Thereza Regina de Camargo Maia. Sergipe del rei. São Paulo: Ed. Nacional; Rio de Janeiro: Embratur, 1979, p. 12-13).

Em junho de 1671 João Munhoz foi destacado para administrar Sergipe. "No governo de Munhoz foram realizadas por D. Rodrigo de Castelo Branco as primeiras explorações das minas da serra de Itabaiana, que não produziram o resultado desejado pelo explorador, por causa do não-conhecimento dos roteiros de Belchior Dias Moreya" (José Anderson Nascimento. Op. cit., p. 19).








Citando Lima Júnior (Francisco Antônio de Carvalho), Maria Thetis Nunes transcreveu o que, segundo ela, é a primeira descrição da área terrritorial da Vila de Itabaiana, feita em 30 de janeiro de 1757 por sua Câmara Municipal, atendendo a uma exigência do governo da Bahia:


Esta Villa de S. Antonio e Alma de Itabayana esta edificada em hua grande planice hua legoa distante da Serra do mesmmo nome, e seo termo confina com o da Villa do Lagarto pra o Ocidente, e dividepelo rio Vasabarris, pouco abundante de agoas correntes, o qual tem o seo nascimento no certão da Freguezia de S. Joam do Girimoabo: da parte do nascente confina com o districto da Villa de Santo Amaro pelo rio de Sergipe, que não tem agoas senão as que recebe das chuvas de inverno, e só neste tempo corre: para a parte Sul confina com otro da cidade de Sergipe de El Rey, sua Capital, da qual dista dez legoas, e a mesma distancia ha desta Villa a do Lagrto e do Santo Amaro: para o certão confina com terras disertas do Sertão de Gerimuabo;e para esta corre hum pequeno riacho chamado Jacoca, que termina o seu curso no Vasabarris ha mais otro riacho, Jacarasica, que tem seo nascimento no termo desta Villa,e atravessando muita parte do seo continente, fenese o seo curso no rionavegavel neste districto (Apud Maria Thetis Nunes. "A ocupação territorial da Vila de Itabaiana: a disputa entre lavraores e ciradores". In A propriedade rural, vol. II, Anais  do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. Eurípedes Simões de Paula [org]. São Paulo: USP, 1976, p. 408. O trabalho de Lima Júnior é "Monografia histórica do Município de Itabaiana". In Revista do Instituto Hstórico e Geográfico de Sergipe, ano II, vol. II, s. d., p. 138-139).


Leiamos agora o que Luiz dos Santos Vilhena escreveu para Filopóno em sua Carta décima sexta que, como as demais que integram a obra, foram redigidas no último quartel do século XVIII:


Não hé esta serra [da vila de Itabaiana] das menos recommendaveis da Capitania da Bahia [não podemos nos esquecer de que, por essa época, o Governador de Sergipe era sujeito ao Capitão General da Bahia], não só pella prata que encerra em si de que já se abrirão minas e por pouco rendozas mandou S. Magestade desistir desta mineralização, como do muito ouro que nella há e se acha na maior parte das correntes que della sahem, assim como em hum riacho junto a villa do Piagui se achão bellos christaes e amatistas. Seis legoas para o Norte fica a serra de Camboatá da qual hé vulgar fama de ter muita prata e seguindo o mesmo rumo pega com ella a elevadissima serra da Cajahiba, bem conhecida pellos navegantes que erradamente a tomão pela da Itabayana; proxima aquella da Cajahiba corre a serra do Ouro, bem como outra chamada serra das Minas, onde se vem horriveis suvacoens e nestas paragens supõem os praticos do paiz, ensinados talvez pella experiencia, ficarem as decantadas Minas de prata de Moribéca [será o Moreyra?] e que por huma mal entendida politica deixarão de aproveitar-se se não porém na Itabayana, como erradamente se suppoz, e a experiencia mostrou nas Minas que nella se mandarão abrir em procura daquelle metal (Luiz dos Santos Vilhena. Recopilação de noticias soteropolitanas e brasilicas. Livro III. Carta décima sexta. Bahia: Imprensa Official do Estado do Estado, 1921, p. 605-606).


A respeito de tais minas, Maria Thetis Nunes escreveu o seguinte:


Recebendo a Portaria Imperial de 18 de março de 1826, para dar prosseguimento ao exame das minas de Itabaiana detrminou [o então presidente da província Manuel Clemente Cavalcanti Albuquerque] que o Capitão-mor daquela Vila, Jose Matheus da Graça Leite Sampaio tomasse providências necessária. Este encarregou a João Rabelo de Magalhães, que já fizera explorações no lcoal, da incumbência. Dela resultariao envio, ao Ministro Jjosé Feliciao Fernandes, de um caixote contando (sic) "tenuíssima amostra de ouro, além de vários minerais e fósseis" (Maria Thetis Nunes. História de Sergipe a partir de 1820. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1978, p. 112).

Ao entrar no século XIX Itabaiana figurava como o terceiro município mais populoso, contando 6364 habitantes em 1802, superado apenas pelo de Santo Amaro e Santa Luzia, conforme vai dito na página 318 da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros.




Olha lá a tão falada serra de Itabaiana






De modo muito sucinto, foi desta forma que o Padre Manuel Aires de Casal descreveu Itabaiana em sua Corografia brasílica, que foi publicada pela primeira vez em 1817:

Itabaiana, situada na vizinhança da serra do mesmo nome, ornada com uma matriz, que tem Santo Antônio por seu padroeiro, é vila medíocre, e famosa pela raça de pequenos cavalos, que se criando no seu extenso distrito, onde também há criações de gado vacum, se cultivam diversos comestíveis do país (Manuel Aires de Casal. Corografia brasílica. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1976, p. 250).

Agora, o que significa o topônimo Itabaiana? Na página 322 do aqui tantas vezes citado volume XIX da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros está registrado o seguinte: "Itabaiana é topônimo de origem tupi que significa 'naquela pedra mora alguém' ou 'há uma aldeia com gente' - Ita - pedra; taba - aldeia; Oane - alguém'". Na Paraíba também existe uma cidade chamada Itabaiana; e a respeito do topônimo dela existe uma controvérsia: uns defendem que o correto é Tabaiana, oriundo do vocábulo indígena taba-anga, que significa "morada das almas"; já outros registram que certo mesmo é Itabaiana, também originado do tupi-guarani e resultante da fusão de ita ("pedra")  e baiana ('que dança"), alusivos a uma pedra vermelha então existente no leito (frequentemente seco) do Rio Paraíba, que corta a região, a qual, segundo se conta, balançava-se, em movimentos rotatórios, como que dançando.

Pela Lei provincial nº 135, de 30 de janeiro de 1845, foi elevada à categoria de freguesia a capela de Nossa Senhora da Boa Hora do Campo do Brito, que só viria a ter a sua delimitação com a de Santo Antônio e Almas de Itabaiana, da qual fora desmembrada pela Resolução provincial nº 1086, de 21 de março de 1878. E, já com o território reduzido com o desmembramento da nova freguesia que, no futuro, constituiria o município de Campo de Brito, por força da Resolução provincial nº 1331, de 28 de agosto de 1888, foi elevada à categoria de cidade a vila de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.

Vem o século XX e Itabaiana segue mantendo um ritmo socioeconômico que a consolida como uma das principais cidades de Sergipe. As transformações pelas quais vai passando o espaço urbano denotam como que uma ordem natural das coisas. O crescimento populacional e as demandas de infraestrutura que tal dinâmica demanda vai dando à cidade, aqui e ali, aspectos de quem está a par com os imperativos do progresso e do que se passava na capital Aracaju. Até pelo menos o final da década de 1950, a cidade não dispunha de um plano urbanístico ao qual seguisse. E contava com catorze ruas e uma praça calçadas com paralelepípedos. Já por esses anos Itabaiana ia pouco a pouco criando um vínculo com aquele que talvez seja o símbolo maior do alcance do seu progresso socioeconômico, o caminhão, porque é ele que leva para muitos lugares do Brasil as riquezas que são produzidas ali. Gozando orgulhosa do título de Capital Nacional do Caminhão, Itabaiana avança pelo século XXI de forma possante e sempre de olho na estrada do futuro.




O pórtico anuncia a cidade como "Capital Nacional do Caminhão"





II

Na manhã do dia 22 de novembro de 2019 eu deixei a cidade alagoana de Piranhas rumo a Itabaiana.  Fiz parada em Nossa Senhora da Glória, já em território sergipano, para almoçar e depois segui o meu destino.

Desembarquei em Itabaiana no terminal que fica ao lado do Estádio Etelvino Mendonça, o Mendonção. E, após pedir informações sobre hotéis e pousadas, segui para a Pousada Nossa Senhora Aparecida, a poucos passos de onde eu desembarcara. E tive a felicidade de pegar o quarto 8, com uma varandinha com vistas para o movimento da rua.














Cumpridas as formalidades da hospedagem, lá fui eu começar a percorrer e explorar a pé a Itabaiana que é nacionalmente conhecida como “Capital Nacional do Caminhão” e, como tal, abriga inúmeras oficinas mecânicas e capotarias, principalmente às margens da BR 235.

Na tarde daquela sexta-feira eu vi os feirantes já arrumando os bancos para a feira livre que, segundo o que foi me dito, acontece duas vezes por semana, nas quartas-feiras e nos sábados, sendo que nestes, ela é maior e mais procurada por gente que vem até de outros municípios.









Atravessando o Largo de Santo Antônio eu segui por entre o comércio pujante e cheguei à Praça Fausto Cardoso, um espaço bucólico, cheio de árvores e onde reina uma atmosfera de tranquilidade e paz para quem sai do bulício e do vuco-vuco da área comercial. No entorno da praça quase não havia mais prédios antigos que diziam do tempo dos seus começos e da própria memória urbana da cidade. Mas é ali, defronte para a Praça Fausto Cardoso, que se encontra a Igreja Matriz de Santo Antônio e Almas, com sua beleza elegante de linhas arquitetônicas simples e sua presença marcante no lugar onde uma revoada de pombos davam relevo maior ao encanto que enchia meus olhos. Gosto de estar em lugares assim onde eu sinta, ainda que brevemente, o sossego tomar conta do meu corpo e me invadir completamente.












Casinhas simples com fachadas diferentes são um encanto na paisagem urbana






Enquanto caminhava mirando tudo e quanto os meus olhos podiam alcançar e apreender, eu fiquei com a impressão de que, na verdade, muitos dos prédios que contavam do passado da cidade haviam sido postos abaixo para dar lugar a construções mais modernas.



Área da grande feira livre de Itabaiana, sobre a qual eu lhes falarei noutro artigo































Ainda na sexta-feira, à tardinha, eu percorri a Av. Luiz Magalhães de ponta a ponta – algo que também eu faria no dia seguinte -, uma via extensa com canteiro central arborizado. Passou uma bicicleta anunciando o jogo da final da Copa Libertadores da América entre Flamengo e River Plate. Nos bares, ao longo daquela avenida, a empolgação da multidão de sergipanos flamenguistas era enorme. E, tendo o rubro-negro carioca se sagrado campeão, aí foi que a festa por ali ficou ainda mais intensa.
























Não foram poucos os espaços, ruas e avenidas que eu percorri em Itabaiana onde, aqui e ali, eu tratei de fazer registros fotográficos, sobretudo, de edificações que ainda conservavam configurações e formas de antanho, porque isso, para mim, é um grande atrativo e me ajuda a compreender as transformações arquitetônicas pelas quais a cidade passou ao longo do tempo; sem essas permanências é como se tudo fosse novo por ali e a cidade não possuísse um passado no qual apresentava outras feições e outros desenhos urbanos; e eu sei que a história das cidades também pode ser contada através das edificações que a preenchem. Eu sustento a opinião de que toda Prefeitura Municipal deveria possuir um setor responsável pela manutenção de um arquivo fotográfico que guardasse a memória da cidade.


Esta e as seis fotos seguintes aparecem, respectivamente, nas seguintes páginas da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros: p. 321, 320, 320, 321, 321, 320 e 322


















Guardei comigo umas boas lembranças de Itabaiana: a pujança de sua feira livre; a paz que eu senti na Praça Fausto Cardoso; o aconchego da Pousada Nossa Senhora Aparecida; e a boa hospitalidade dos que trataram comigo durante as minhas andanças por ali. As cidades que eu busco conhecer sempre são para mim matéria de recordação; e, à medida que o tempo passa, essas recordações ganham outras nuances e conferem aos meus estudos e pesquisas algo que vai além do meramente descritivo a fim de se eivar com boas doses de sentimento e afeição. Itabaiana seguirá com seu lugarzinho garantido na carroceria do caminhão de minhas memórias.