Por Sierra
Só sei que nada sei.
Frase atribuída ao filósofo Sócrates
Especialmente para Gustavo Henrique
O pensador, de Auguste Rodin (Imagem: Internet) É preciso ter força e determinação para conseguir se livrar das garras atrozes da ignorância que estão sempre por aí à nossa espreita |
Assim como eu, você certamente já se deparou com tipos que costumam se expressar como se de tudo soubessem e que agem assim com uma soberba e uma arrogância quase que insuportáveis. No mais das vezes esses indivíduos se comportam como donos da verdade e dificilmente dão o braço a torcer e admitem contestação e, o que é mais grave, que cometeram equívocos e que estão errados.
Agora me digam: quantas foram as vezes em que você esteve cara a cara com alguém que lhe falou assim: "Eu tenho vergonha da minha ignorância. Eu quero lutar contra isso. É muito ruim você não saber e não compreender várias coisas da vida"? Pois foi desse jeito que um conhecido meu iniciou uma conversa comigo, sabendo ele que eu sou um leitor voraz e que estou sempre adquirindo livros.
Quando o meu interlocutor me falou de sua luta contra a sua ignorância e me disse que, nessa jornada de busca do conhecimento e do esclarecimento, estava fazendo aquisição de livros, eu lhe falei, primeiro, que ficara espantado e impressionado com o seu comportamento de admitir que tem fome e sede de saber e falar isso sem hesitar, algo raríssimo de acontecer, sobretudo num tempo internetalizado em que nós vivemos, onde proliferam os casos de burrices e ignorâncias especializadas, sobretudo nas redes sociais. Depois, eu falei para ele que fosse com cautela ao pote e ao prato do conhecimento, porque, embora o seu comportamento fosse por demais louvável e merecedor de aplausos e estímulos, ele poderia acabar fazendo escolhas de leituras que o seu histórico de não-leitor não suportaria - ele me dissera que comprara livros de filosofia -, que era provável que ele não conseguisse absorver e compreender de todo os textos que começara e/ou começaria a ler, porque tais narrativas costumam ser densas, pesadas, herméticas e difíceis mesmo para quem tem um passado de leituras, o que não era o caso dele. E eu lhe disse isso falando da minha própria experiência como leitor.
Dias depois dessa nossa iluminadora conversa, o meu destemido e obstinado combatente da ignorância me procurou e me confidenciou que eu acertara na avaliação: ele teve de deixar uns livros de lado porque não estava conseguindo compreender e acompanhar a leitura. Aconselhei-o a não desistir do seu propósito dizendo a ele que um leitor não se forma da noite para o dia; que a leitura e a compreensão de certos assuntos e obras requerem que o leitor já tenha algum repertório, alguma bagagem sobre o tema, como se fosse um pré-requisito para alcançar e avançar para aquele estágio, do contrário, o esforço seria vão; e lhe recomendei que fosse com paciência, que não desistisse da batalha, que diversificasse suas leituras a fim de ampliar tanto a sua gama de conhecimentos como a sua compreensão do mundo que nos rodeia.
Numa das conversas com esse meu interlocutor eu lhe narrei sobre o tempo em que eu me dei conta, do alto dos meus 23 anos de idade, que eu era um saco quase vazio de conhecimento; e que só me tornei um leitor de fato, um leitor voraz quando ingressei na faculdade, porque, além de ter de cumprir as lições e os estudos do meu curso, eu me deparei com colegas de turma que eram brilhantes e que, em termos de de conhecimento adquirido com a prática da leitura, estavam a anos-luz de distância de mim, algo que eu logo notei em nossas rodas de conversa. É claro que, frente à minha ignorância em relação a tais colegas, eu de pronto compreendi que o saber que eles esboçavam certamente era devido às condições socioeconômicas em que parte deles, pelo menos, vivia, realidade essa bem distante da minha; contudo, eu não tomei isso como explicação fundamental para o meu atraso intelectual em relação a eles; e comecei a mergulhar de cabeça no universo da leitura; e deixei que inoculassem em minhas veias o vírus do querer e da vontade de saber; e segui em frente, sem pestanejar e sem fraquejar. E hoje, olhando para trás, eu tenho a firme e plena convicção de que foi a grande escolha que eu fiz na minha vida, porque ela me proporcionou o muito do bom que aconteceu comigo por causa da bagagem intelectual que eu fui acumulando ao longo dos anos desde então. Ler, para mim, é um exercício necessário para que eu me veja pleno no mundo.
Há quem diga que ocorrem certos acontecimentos que são definidores de uma trajetória e de um destino, seja para o bem, seja para o mal. Enfrentar a força descomunal e assombrosa da ignorância e da irracionalidade requer de nós uma determinação e um esforço absurdos. Quando eu entro na minha biblioteca e passo em vista todos os livros que eu já li e os tantos que me faltam ler, eu sinto um prazer imenso e indescritível. E esse prazer, eu bem sei, é um dos alicerces que me sustentam e que me mantém firme num mundo em que tantos fazem da ignorância arma e escudo para a prática de desumanidades. E o pior dos ignorantes é aquele que faz opção pela ignorância; é aquele que escolhe ser cativo da ignorância; é aquele, enfim, que faz da ignorância uma virtude.