14 de janeiro de 2012

Bibliotecas e Museus

Por Clênio Sierra de Alcântara


Obra do artista italiano Giuseppe Arcimboldo


Sou defensor da ideia de que toda cidade brasileira deveria possuir, no mínimo, uma biblioteca pública e um museu. Equipamentos urbanos que gozam de grande prestígio nos países ditos desenvolvidos, bibliotecas e museus são, de modo geral, instituições relegadas a segundo plano, no Brasil, como se elas não representassem, também, o nível cultural dos seus cidadãos; e esse desprezo não parte tão-somente da administração pública, mas também da própria população, que não frequenta com grande assiduidade as poucas que existem.


Fotos: Ernani Neves








Há alguns anos eu acompanhei a feitura de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Biblioteconomia do meu amigo Ernani Neves. Ele escolhera como objeto de análise "bibliotecas" de escolas municipais de Olinda. O que ele encontrou nas visitas que fez a tais unidades educacionais revelaram, a meu ver, uma amostra do estado geral em que essas ditas bibliotecas se encontram não só em Olinda, não só em Pernambuco, mas em todo o país. Nas escolas olindenses o jovem bibliotecário se deparou com situações como estas: livros guardados em depósitos, ou seja, sem servirem a ninguém; salas improvisadas em bibliotecas e cantinhos de leitura; acervos constituídos quase que totalmente por livros didáticos; e, principalmente, ausência de bibliotecários, porque, como é costumeiro nos níveis municipal  e estadual, as bibliotecas das escolas são tocadas por professores egressos de salas de aula, uma gente que é jogada nelas comumente por estar com algum problema de saúde; uma gente que não sabe sequer fazer o registro de uma obra num livro de tombo.












 E o que dizer de nossos museus? Quem os frequenta com assiduidade percebe que o fluxo de visitantes não é grande. Talvez o nível educacional da população diga muito a respeito dessa situação. Há uma expressão que revela essa indiferença do cidadão comum para com os museus: quando alguém quer dizer que certo lugar ou evento contava com pouca ou quase nenhuma pessoa, diz que "aquilo estava parecendo com um museu".







Bibliotecas não são depósitos de livros. Bibliotecas são instituições que, em tese, devem oferecer aos seus usuários o mais amplo e variado acervo - e não só de livros - que lhes forneça possibilidades de ampliação e/ou aquisição de conhecimentos; que lhes dê oportunidade de entrar em contato com obras que, de outro modo, eles não teriam como  consultar; que lhes forneça um entendimento maior de mundo. Bibliotecas não são unidades de reabilitação, não são clínicas de fisioterapia ou coisa do gênero, para abrigar professores doentes e desmotivados. Toda e qualquer biblioteca deve ser administrada por bibliotecários; e por bibliotecários bem preparados, que não sejam ignorâncias gerais especializadas em estudos biblioteconômicos, como aquele da narrativa de Edson Nery da Fonseca, segundo a qual, ao ser interpelado por um usuário que lhe pediu uma obra de Aristóteles, perguntou-lhe o sobrenome do autor. As bibliotecas devem ser tomadas como parceiras, como elementos complementares das escolas no processo de educação de um povo.

Penso que toda cidade deveria possuir um museu que pudesse guardar registros de sua história; que pudesse dar guarida a peças daquele artesão que mora no bairro afastado; que exibisse fotos de diferentes épocas, mostrando a evolução urbana do município; que expusesse objetos, trajes e toda sorte de instrumentos de trabalho da gente da terra. Há quem pense que os museus são lugares mortos; e, no entanto, eles são um dos espaços mais vivos que uma cidade pode apresentar, porque tudo o que atravessa o tempo é algo que se mantém vivíssimo, porque interliga épocas. Os museus são casas de memória  que documentam como os nossos antepassados viviam, delineando a escala do que foi feito para que chegássemos até aqui. "É quase infinita a diversidade de testemunhos históricos", bem disse o eminente historiador francês Marc Bloch no seu Introdução à História. Ainda segundo ele "Tudo quanto o homem diz ou escreve, tudo quanto fabrica, tudo em que toca, pode e deve informar a seu respeito".

Num artigo publicado na Revista do Serviço Público (Rio de Janeiro, vol. 94, nº 3, p. 99-108, julho/setembro de 1962), intitulado "Importância da biblioteca nos programas de alfabetização e educação de base", Edson Nery da Fonseca foi enfático: "Não podemos compreender campanhas de alfabetização e educação de base sem uma rede de bibliotecas que lhes assegure permanência". Já a respeito da importância dos museus para a sociedade é do antropólogo e museólogo - e também meu amigo - Raul Lody esta sentença esclarecedora: "O museu valoriza as singularidades de um grupo, de uma região, de uma comunidade [...] é um espaço de educação, de lazer e com forte vocação turística". Entendidos desta forma, as bibliotecas - públicas e escolares - e os museus são instituições de suma importância para o enriquecimento e a preservação cultural de uma cidade e de sua população na medida em que eles são guardiões e propagadores de conhecimento.







Escrevendo este artigo eu me lembrei de uma das recomendações de Baltasar Gracián que aparece em A arte da prudência: "Aqueles que não puderem ter a sabedoria como serva devem tê-la ao menos como companheira".


(Artigo publicado também in: O Monitor [Garanhuns], janeiro de 2012, Opinião, p. 2).

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