"Quem sabe lá que estranhos universos
Que navios começaram a afundar...
Olha! os meus dedos, no nevoeiro imersos,
Diluiram-se... Escusado navegar! [...]
Que procuravas, solitário e triste?
Vamos andando entre os nevoeiros frios...
Vamos andando... Nada mais existe!..."
Soneto XXII. A rua dos cataventos. Mario Quintana
Como acidente geográfico, a Baía da Traição aparece em narrativas históricas desde o século XVI. No último quartel desse século, Martim Leitão desembarcou no local com duzentos homens; e ali encontrou uma feitoria e uma fortificação erguidas por franceses, que no lugar haviam se estabelecido. Ao tempo das Capitanias Hereditárias, essa baía marcava o ponto de delimitação, ao norte, da Capitania de Itamaracá, que, ao sul, tinha por limite o Canal de Santa Cruz, que separa a Ilha de Itamaracá do continente.
Sabe aquele espanto que viajantes como o inglês Henry Koster – o autor do delicioso Viagens ao Nordeste do Brasil – sentiam quando se deparavam com localidades que, apesar de ostentarem o título de cidades, muito pouco ou quase nada possuíam que justificasse tal denominação? Pois foi exatamente assim que fiquei quando atravessei a localidade que, desde 1962, se apresenta como município paraibano.
Mas não foi só isso o que me causou espanto. Eu fiquei completamente desapontado, sem acreditar que percorrera tanto chão para me deparar com um quadro tão desolador.
Chega a ser bestificante e desanimadora a capacidade que têm os brasileiros de tudo favelizar. E isso em quase todos os espaços, sejam eles públicos ou privados. De maneira absurda até em conjuntos habitacionais de prédios, proprietários de apartamentos do térreo fazem puxadinhos lajeados e o vizinho de cima também aumenta o seu apartamento. Nas ruas e praças o fulano só sossega depois de chumbar sua barraca no local público. No Brasil o errado sempre quer estar certo.
Vista do alto a baía é deslumbrante, um verdadeiro espetáculo para os olhos. Mas lá embaixo. Lá embaixo a situação da orla é uma ofensa a qualquer visitante, a qualquer turista. Percorre-se uma rua de quase dois quilômetros de extensão – rua essa que deveria constituir uma bem urbanizada e bonita avenida à beira-mar – sem que se encontre um acesso que seja para a praia. É uma situação absolutamente, absurdamente decepcionante. Entre casas humildes, mansões e estabelecimentos comerciais, todos, todos mesmo foram construídos de modo a não dar passagem sequer a pedestres, dirá a veículos.
As construções, além disso, avançam para dentro da praia. O mar, claro, tem cobrado de volta os espaços que lhe tomaram. A Praça José Barbosa é um retrato fiel e acabado do que sucessivas más administrações municipais fizeram, ao permitir as ocupações desordenadas: está interditada, em parte destruída, porque a maré avançou sobre ela. Não é à toa que na área encontram-se tantas casas com placas de “vende-se”. Quase tudo ali tem um terrível ar de abandono.
Comi uma boa peixada no Restaurante Forasteiro – o proprietário é um argentino de nome Guillermo -, também ele instalado irregularmente na faixa que deveria ser deixada livre de edificações. Nem essa comida conseguiu desanuviar meu sentimento de frustração.
Em Baía da Traição a ausência do poder público e a especulação imobiliária corromperam e traíram a natureza.
Um outro olhar: http://www.gourmetidos.com.br/aventuras/a-beleza-da-baia-da-traicao/
ResponderExcluirEsqueceu de falar que pode-se avistar facilmente esgoto a ceu aberto escoando para o mar.
ResponderExcluirRealmente, visitei esta cidade em 2015 e é um descaso..lixo pelas ruas quando chove alaga tudo um cenário horrível...a prefeitura podia fazer algo...
ResponderExcluirEm 78 eu tive privilégio de conhcer
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