Por Clênio Sierra de
Alcântara
Na noite do dia 26 de
setembro passado, os jardins do Solar Barão Rodrigues Mendes, sede da Academia
Pernambucana de Letras (APL), no Recife, serviram de cenário para o lançamento
coletivo de obras das Edições Bagaço: A
rosa em chama, de Alvacir Raposo; Trilogia
de poemas, de Dirceu Rabelo; O palco
da minha vida, de Reinaldo Oliveira; Pseudomínia
e literatura, de Lucila Nogueira; Tempo
de faculdade e outros tempos, de Fernando Coelho; Terras adormecidas e Fronteiras
de chumbo, de Admaldo Matos; Crônicas
virtuais, de Geraldo Pereira; Escritos,
de Lucilo Varejão Neto; Gilberto Freyre
plural e singular, de Fátima Quintas; Coleção
Debate nº 1, de Raimundo Carrero organizado por Fátima Quintas; e Prefácio para as obras completas de Charles
Baudelaire, de Milton Lins.
Embalada por um som ambiente
envolvente a maioria dos convidados e dos autores que ali estavam de imediato
nem se deu conta – bem é verdade que em princípio o som do microfone estava
realmente ruim – quando a escritora Fátima Quintas, presidente da APL,
principiou uma saudação a todos os presentes. Logo em seguida, quem se apossou
do microfone foi o poeta Marcus Accioly. Visivelmente frustrado ele anunciou
que a homenageada da noite, a também poeta Deborah Brennand, não iria
comparecer à festa porque tivera uma indisposição.
Caberia ao autor de Érato – aliás, diga-se deste livro que é
ele um impressionante e instigante conjunto de poemas eróticos – o discurso em
louvor da poeta. Apesar de lamentar a ausência da companheira de pena, Accioly
não nos deixou inquietos e curiosos por saber o que havia naqueles papéis que
manuseava; depois de elogiar Nenem Brennand, dizendo que ela estava a cada dia
parecendo mais com a mãe, ele, ainda que ligeiramente, expôs alguns dos pontos
que constituíam o panegírico. Ele enfocou o caráter pastoril da poesia da
senhora Brennand; também disse que ela produzia muito, como atestam os vários
livros que publicou; e destacou-a como uma voz importante dentro do panorama poético
pernambucano.
Fui até à APL naquela noite
por duas razões: a primeira era para prestigiar o lançamento da obra de Fátima
Quintas sobre o meu grande mestre Gilberto Freyre; a segunda era para rever e
ouvir a Deborah Brennnand – eu até ensaiara dizer um dos seus poemas ao
microfone. Para a minha satisfação, ocorreu também naquela noite a antecipação de um encontro
que eu havia planejado ter com o Marcus Accioly, não ali - de verdade eu só
soube da sua presença no evento, quando ele se portou junto ao microfone -, mas
na sede do Conselho Estadual de Cultural (CEC), por recomendação do artesão
goianense Zé do Carmo, de quem é amigo. Accioly foi superantencioso para
comigo; e disse que eu fosse mesmo ter com ele lá no CEC.
A primeira vez que
eu estive com a Deborah Brennand foi há cinco anos, num seminário em homenagem
à Clarice Lispector ocorrido no salão nobre do Teatro de Santa Isabel. Quando a
vi chegando não perdi a oportunidade de abordá-la; apresentei-me; falei que
lera alguns poemas dela soltos aqui e ali, não nos livros em si; e, de pronto,
disse-lhe assim: “A senhora não poderia me ofertar algum de seus livros?”. E
ela, generosa que só vendo, falou: “Olhe, eu posso sim, mas ta lá no carro.
Depois do evento você pega”. Conversamos um pouco. Enfática ela me disse ao pé
do ouvido: “Eu só vim hoje por causa do Benedito Nunes; nem amanhã e nem depois
eu virei”.Ao término das conferências
eu fui à toalete e acabei me desencontrando dela.
No outro dia a sua amiga e escritora Lenice Gomes me falou que não ficara com o livro; mas no dia seguinte ela me entregou um exemplar da Poesia reunida, que eu leria com sofreguidão tempos depois, em princípio com estranheza, por considerar que aquele tipo de poesia não me dizia muita coisa; cheguei mesmo a avaliar que Deborah fazia versos como quem borda um tecido sem conceber de antemão um desenho; ou, para usar de outra imagem, como quem colhe a fruta de uma árvore assim de repente e não por ter decidido ir até o pomar buscá-la. A mim me pareceu, num primeiro momento, que a sua poesia era produto de alucinações, de um escapismo descabido da realidade. Demorou um pouco para que eu encontrasse naquelas páginas e naqueles versos algo de uma potente força criadora; e me sentisse se não como habitante pelo menos como visitante sazonal daquele universo. Em sua labuta poética Deborah Brennand deixa afluir um filete aquoso de indagações e incompreensões que se transforma em rio caudaloso e perene, porque perenes são as nossas dúvidas perante o acontecimento da vida: não escrevemos somente sobre algo que compreendemos parcial e/ou inteiramente; escrevemos também com a ânsia de encontrar, se não respostas completas, ao menos um esclarecimentozinho que seja a respeito disto ou daquilo. Vejo a poesia de Deborah muito voltada para essa coisa do estar aqui ao mesmo tempo que pensando com sofreguidão no que está por vir. Os versos de sua lavra estão a todo tempo ansiando por agarrarem o incompreensível, o incognoscível da existência, os seus mistérios.
No outro dia a sua amiga e escritora Lenice Gomes me falou que não ficara com o livro; mas no dia seguinte ela me entregou um exemplar da Poesia reunida, que eu leria com sofreguidão tempos depois, em princípio com estranheza, por considerar que aquele tipo de poesia não me dizia muita coisa; cheguei mesmo a avaliar que Deborah fazia versos como quem borda um tecido sem conceber de antemão um desenho; ou, para usar de outra imagem, como quem colhe a fruta de uma árvore assim de repente e não por ter decidido ir até o pomar buscá-la. A mim me pareceu, num primeiro momento, que a sua poesia era produto de alucinações, de um escapismo descabido da realidade. Demorou um pouco para que eu encontrasse naquelas páginas e naqueles versos algo de uma potente força criadora; e me sentisse se não como habitante pelo menos como visitante sazonal daquele universo. Em sua labuta poética Deborah Brennand deixa afluir um filete aquoso de indagações e incompreensões que se transforma em rio caudaloso e perene, porque perenes são as nossas dúvidas perante o acontecimento da vida: não escrevemos somente sobre algo que compreendemos parcial e/ou inteiramente; escrevemos também com a ânsia de encontrar, se não respostas completas, ao menos um esclarecimentozinho que seja a respeito disto ou daquilo. Vejo a poesia de Deborah muito voltada para essa coisa do estar aqui ao mesmo tempo que pensando com sofreguidão no que está por vir. Os versos de sua lavra estão a todo tempo ansiando por agarrarem o incompreensível, o incognoscível da existência, os seus mistérios.
Num dos textos que integram
o opúsculo Deborah Brennand,
publicado pelas Edições Bagaço, que foi distribuído entre os convidados naquela
noite, Alvacir Raposo escreveu que a poesia de Deborah “brota espontânea, fruto
do espanto que fere a sensibilidade do poeta, definindo-se como algo
intuitivo”. Eu diria que muito mais do que do espanto, a poesia dessa senhora é
fruto de uma alma que não quer ser cativa deste mundo.
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