12 de junho de 2014

Como revitalizar e depois destruir uma praça


Por Clênio Sierra de Alcântara


                    Fotos: do autor do texto                        A tal estação de embarque e desembarque de passageiros


                                   
                         
Durante muitos anos a Praça Olavo Bilac, situada na Rua do Hospício, no bairro da Boa Vista, área central do Recife, permaneceu completamente abandonada, coberta pelo mato e com seu pouco mobiliário servindo de repouso para mendigos e usuários de drogas. O quadro, de todo lamentável, era visto todos os dias por centenas de pessoas que embarcavam e desembarcavam nas várias linhas de ônibus que tinham ali um ponto de parada. O cenário desolador contrastava com a arborização bem cuidada e com a fachada de pintura sempre renovada da Câmara de Vereadores, instalada bem ao lado da praça. "Como pode uma coisa dessas?!", alguns  dos passantes diziam.




As palmeiras ficavam onde justamente implantaram a estação



Não sei se é verdade, mas há quem diga que uma alma boa conseguiu convencer o então prefeito João da Costa a relevar as incompatibilidades que ele tinha com o legislativo municipal e promover a revitalização da modesta e acanhada Praça Olavo Bilac. E assim aquele pequeno espaço público foi alvo, no ano de 2011, de um processo de revitalização que a despeito de ter encoberto com tijolos intertravados parte do seu já diminuto chão, que poderia receber mais plantas, instalou postes e bancos, recuperou seu parco mobiliário e o busto do poeta que lhe dá nome, retirou vendedores que fixavam barracas ali e reordenou o jardim sem, no entanto, incrementá-lo.





A praça foi cortada ao meio por uma pista



Como o urbanismo que é aplicado no Brasil, em geral, e no Recife, em particular, nem sempre obedece aos ditames que estabelecem planejamentos articulados com todas as esferas que constituem a  engrenagem que mantém viva uma cidade, menos de dois anos depois de ter sido entregue à população devidamente recuperada - ainda que, como eu disse, com alguns senões - no dia 21 de setembro de 2011, Dia da Árvore, ao custo de R$ 320.000,00, a Praça Olavo Bilac foi mutilada, cortada ao meio em virtude da obra de instalação de uma plataforma de embarque e desembarque de usuários de ônibus. Acharam pouco e arrancaram as palmeiras que embelezavam o lugar.






Esta placa diz muita coisa, não é?


Fosse apenas pelo desperdício de dinheiro, o fato já era merecedor de uma severa reprovação. Mas tem um agravante: será mesmo que a Municipalidade não tinha conhecimento de que uma obra viária estava prestes a ocupar aquele espaço? Será que a Empresa de Urbanização do Recife - Urb estava alheia aos projetos de reestruturação viária que vinham sendo concebidos pelo governo estadual para aquela área?











O Recife é seguramente uma das cidades brasileiras mais destroçadas pela ação de obras destinadas a uma suposta melhoria do tráfego de veículos. O urbanismo imperante na capital pernambucana foca preponderantemente a fluidez do trânsito como se o espaço citadino se resumisse ao vai e vem de automóveis em suas ruas e avenidas e o cidadão não tivesse demandas mais urgentes. Decerto que a mobilidade urbana é uma das pautas mais discutidas pelos administradores públicos, mas penso que, remover imóveis para alargar artérias e construir viadutos não vai solucionar a questão, porque a quantidade de veículos que mensalmente entra em circulação não para de crescer, e, por outro lado, a cidade vai sendo paulatinamente desfigurada, perdendo espaço para a trafegabilidade. Esquece-se que o Recife enfrenta sérios problemas no que diz respeito, por exemplo, a calçadas deterioradas e/ou ocupadas indevidamente por todo tipo de comércio, causando transtornos aos pedestres. Uma cidade que é pensada de modo que o caminhante tenha o seu direito de ir e vir obstaculizado por toda sorte de barreiras - buracos, desníveis, barracas, cadeiras, postes, automóveis, mesas, tabuleiros -, não é uma cidade que é planejada para todos os seus habitantes.















Ora, direis, Bilac, que os administradores do Recife perderam o senso



Tomo a Praça Olavo Bilac como um quase estudo de caso porque, desde de a primeira vez que eu resolvi abordá-la num artigo, há quase quatro anos ( o texto, intitulado "A Praça Olavo Bilac", foi publicado neste blog em 26 de agosto de 2010; e no dia 22 de janeiro de 2012 publiquei outro: "Uma praça revitalizada"), o Recife foi e está sendo alvo de várias obras projetadas unicamente para fazer, como dizem os visionários engenheiros e urbanistas a serviço da Prefeitura, "a cidade andar". Ora, a quem servirá uma obra como a Via Mangue, me digam? Com certeza não será ao cidadão trabalhador que diariamente sai de casa com duas horas de antecedência, espreme-se em vários ônibus superlotados, pulando de um terminal rodoviário para outro, e enfrenta um trânsito congestionado a fim de pegar no batente.



























Caminho pelas ruas do Recife e o que os meus olhos veem é a triste constatação de que essa bela cidade vem sendo vitimada por uma voraz e destruidora fome de chão: fome essa que consome seus espaços públicos e destroi seu patrimônio histórico edificado para em seus lugares circularem veículos automotivos e/ou erguer portentosos prédios de luxo.







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