Por Clênio Sierra de Alcântara
Fotos: do autor Todos os registros que aparecem aqui foram feitos em diversos logradouros do bairro de Brasília Teimosa, zona sul do Recife |
Embarquei
no primeiro dos dois ônibus necessários para que eu chegasse ao meu local de
trabalho e logo me acomodei na parte dos fundos do coletivo, que alguns
passageiros chamam de cozinha. Em plena segunda-feira, e naquele horário,
conseguir assento vago era um verdadeiro acontecimento.
Sentei,
abri a bolsa e peguei o livro. Estava eu mergulhado nas páginas do meu Proust
quando de repente irrompeu estrondoso, vindo de um aparelho no qual estava
acoplado um pendrive, no colo de um rapaz sentado ao meu lado, a voz – o
barulho, melhor dizendo – perturbador de uma cantora – nunca esquecerei estes
versos tão lindos, quase baudelaireanos – que dizia assim: “Rapariga é você/
Mal amada? Não seja tola/ Ele não quer você..”.
O
convívio social é um dos exercícios mais difíceis que nos cobra a existência.
Porque afora as nossas idiossincrasias, gostos e vontades, nem sempre
atendidos, temos – devemos – aprender a aceitar e a – existem pessoas que não
gostam desta palavra que vou escrever já, já, porque, dizem elas, demonstra que
se é e/ou se quer ser superior a alguém; como eu quero que o politicamente
correto vá para as cucuias, eu a escrevo sem sentir remorso algum – tolerar –
eis a palavra politicamente incorreta – as idiossincrasias, gostos e vontades
de outrem. O pior dessa tarefa árdua de convivência é esbarrar justamente com
indivíduos que, mal-educados, prepotentes e intolerantes – estão vendo? Eu não
temo a patrulha -, querem impor suas idiossincrasias, gostos e vontades aos demais
atores sociais.
Certamente
porque deve ter chovido reclamações na central de atendimento ao usuário sobre
episódios como aquele, o consórcio que administra o serviço de transporte
público de passageiros da Região Metropolitana do Recife lançou uma campanha
buscando sensibilizar e/ou despertar a consciência de indivíduos como aquela
criatura que calhou de sentar junto a mim naquela manhã de segunda-feira, para
fazerem uso de fones de ouvido quando quisessem apreciar suas músicas, de modo
a não incomodar os demais ocupantes do coletivo. Foi tudo em vão. Alguém me disse
que, como em muitas outras situações, adestrar animais exige tempo e paciência; imaginem seres humanos. Acredito piamente nisso. E tanto que, em momento algum, eu me mantive confiante
de que aqueles cartazes da campanha desencadeariam uma mudança de
comportamento. Continuaram os malcriados ligando seus aparelhos de som – caixa
com pendrives e telefones celulares nas alturas, perturbando o sossego da
viagem dos outros passageiros.
Certa
feita um jovem casal de evangélicos sentou-se bem à minha frente; e o rapaz
logo pôs um repertório gospel para todo mundo ouvir, como se todos os que ali
estavam verdadeiramente também quisessem apreciar aquela cantoria enfadonha.
Dali a pouco a bateria do celular do nobre moço exauriu-se, pondo fim àquela
cantilena; e ele comentou com um misto de aborrecimento e profecia: “Foi o
inimigo [ o inimigo, vocês sabem, é o diabo] que fez isso”. E eu cá com os meus
botões ateus dei uma risadinha marota dizendo: “Que inimigo providencial!”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário