24 de julho de 2014

Saudações ao Cavaleiro do Sol ou Ariano Suassuna e a cosmogonia da cultura nordestina ou O destemido arauto armorial na terra do vai-e-volta





Por Clênio Sierra de Alcântara



Foto: Revista Nova Escola            

      


Quem por essa terra queimada de sol, quem por esses caminhos e encruzilhadas, quem por essas sendas de mouras encantadas, quem por essas veredas marcadas pelas pisadas de anjos e cangaceiros, quem por essas ruas e avenidas alvoroçadas e cobertas de breu, quem por esse mundo passou e não assistiu a uma aula-espetáculo de Ariano Suassuna não sabe o tanto que perdeu. A fala era arrastada, as estórias deveras engraçadas e o riso algo assim multiplicando em mil vezes o meu riso e o teu.

Mestre de muitos mestres, escritor pelo ofício por demais dedicado, Ariano Suassuna era um cabra da peste arretado, que não gostava que se dissesse shopping center e muito menos outdoor. Era cultuador da bela língua, dramaturgo, poeta e pintor de muita imaginação. Da onça morena, de João Grilo e Chicó, de Sebastião, o Encantado, e até do ouro de tolo que virou pó, esse homem vestido de preto e encarnado a tudo esclarecia sem nem mesmo dar um nó.

Lendo o livro Ariano Suassuna - o cabreiro tresmalhado, de uma moça chamada Maria Aparecida Lopes Nogueira, aprendi que, assim como toda reza duradoura, é a vida de um grande artista fecunda e imorredoura. De lá de dentro do sertão e atravessando a Zona da Mata, o Cavaleiro do Sol vinha erguendo com vigor a sua espada, proclamando que a liberdade é também uma riqueza que se conquista e se dilata.

Pernambucanos e paraibanos somos todos feitos das mesmas matérias: massapê, cana e farinha; açúcar, algodão, coco e sardinha. O que nos distingue é o que nos equipara; e somente o desenho no mapa é o que nos separa. Somos um povo valente desses de fazer invasor correr; não admitimos ofensas; e ai de quem venha conosco se meter!

Ariano tinha uma característica que eu muito admiro nos intelectuais de verdadeira expressão: era cioso do seu saber e vaidoso como só os daqui o são. Era Estética a disciplina que na faculdade ele ministrou. Erudito e popular, cidadão sério e folgazão, o homem das cabras dizia: “Vamos enriquecer nossa razão”.

Era severo com seus princípios; e por vezes não admitia ser contestado. Deixou a Paraíba porque se viu perseguido e injustiçado; contudo, nunca abandonou de todo a sua terra, porque o nascedouro é sempre um lugar sagrado.

Do Movimento de Cultura Popular do Recife, no qual tratava com Paulo Freire, Germano Coelho e Miguel Arraes, passou para o Movimento Armorial sem deixar o povo para trás. O propósito era preservar as raízes da cultura brasileira e nordestina, reunindo tudo o que como tal essa tradição se defina. O povo bebendo da seiva que a arte mais refinada depura, mas sem esquecer que é dos elementos do povo que ela obtém essa mistura.

Quando o sol nascer no outro lado da serra, quando Caetana tomar outro rumo, quando o santo e a porca se encontrarem, quando Fernando e Isaura se beijarem e Quaderna partir em disparada para reunir a realeza, Ariano Suassuna estará, disso eu tenho quase certeza, cavalgando um pégaso luzidio e mestiço para ao céu da Compadecida logo chegar.

Blém, blém, blém, dobram os sinos de Nova Jerusalém. Viva o rei! Viva a rainha! Viva a onça! Viva o cavalo! Viva o sapo! Viva a jia! Viva Ariano Suassuna que nos deu muita alegria!

(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 165, agosto de 2014, Opinião, p. 2)



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