Por
Clênio Sierra de Alcântara
Foto: Revista Nova Escola |
Quem
por essa terra queimada de sol, quem por esses caminhos e encruzilhadas, quem
por essas sendas de mouras encantadas, quem por essas veredas marcadas pelas
pisadas de anjos e cangaceiros, quem por essas ruas e avenidas alvoroçadas e
cobertas de breu, quem por esse mundo passou e não assistiu a uma
aula-espetáculo de Ariano Suassuna não sabe o tanto que perdeu. A fala era
arrastada, as estórias deveras engraçadas e o riso algo assim multiplicando em
mil vezes o meu riso e o teu.
Mestre
de muitos mestres, escritor pelo ofício por demais dedicado, Ariano Suassuna
era um cabra da peste arretado, que não gostava que se dissesse shopping
center e muito menos outdoor. Era cultuador da bela língua,
dramaturgo, poeta e pintor de muita imaginação. Da onça morena, de João Grilo e
Chicó, de Sebastião, o Encantado, e até do ouro de tolo que virou pó, esse
homem vestido de preto e encarnado a tudo esclarecia sem nem mesmo dar um nó.
Lendo
o livro Ariano Suassuna - o cabreiro tresmalhado, de uma moça chamada
Maria Aparecida Lopes Nogueira, aprendi que, assim como toda reza duradoura, é
a vida de um grande artista fecunda e imorredoura. De lá de dentro do sertão e
atravessando a Zona da Mata, o Cavaleiro do Sol vinha erguendo com vigor a sua
espada, proclamando que a liberdade é também uma riqueza que se conquista e se
dilata.
Pernambucanos
e paraibanos somos todos feitos das mesmas matérias: massapê, cana e farinha;
açúcar, algodão, coco e sardinha. O que nos distingue é o que nos equipara; e
somente o desenho no mapa é o que nos separa. Somos um povo valente desses de
fazer invasor correr; não admitimos ofensas; e ai de quem venha conosco se
meter!
Ariano
tinha uma característica que eu muito admiro nos intelectuais de verdadeira
expressão: era cioso do seu saber e vaidoso como só os daqui o são. Era
Estética a disciplina que na faculdade ele ministrou. Erudito e popular,
cidadão sério e folgazão, o homem das cabras dizia: “Vamos enriquecer nossa
razão”.
Era
severo com seus princípios; e por vezes não admitia ser contestado. Deixou a
Paraíba porque se viu perseguido e injustiçado; contudo, nunca abandonou de
todo a sua terra, porque o nascedouro é sempre um lugar sagrado.
Do
Movimento de Cultura Popular do Recife, no qual tratava com Paulo Freire,
Germano Coelho e Miguel Arraes, passou para o Movimento Armorial sem deixar o
povo para trás. O propósito era preservar as raízes da cultura brasileira e
nordestina, reunindo tudo o que como tal essa tradição se defina. O povo
bebendo da seiva que a arte mais refinada depura, mas sem esquecer que é dos
elementos do povo que ela obtém essa mistura.
Quando
o sol nascer no outro lado da serra, quando Caetana tomar outro rumo, quando o
santo e a porca se encontrarem, quando Fernando e Isaura se beijarem e Quaderna
partir em disparada para reunir a realeza, Ariano Suassuna estará, disso eu
tenho quase certeza, cavalgando um pégaso luzidio e mestiço para ao céu da
Compadecida logo chegar.
Blém,
blém, blém, dobram os sinos de Nova Jerusalém. Viva o rei! Viva a rainha! Viva
a onça! Viva o cavalo! Viva o sapo! Viva a jia! Viva Ariano Suassuna que nos
deu muita alegria!
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 165, agosto de 2014, Opinião, p. 2)
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